Com os dias contados

O Brasil está em ritmo de contagem regressiva para 2014. E não se trata da expe­ctativa para a Copa do Mundo de Futebol, mas da aproximação da data limite para que os lixões sejam aposentados e substituídos por aterros sanitários, que minimizam os impactos ambientais do material descartado. A largada para essa mudança foi dada em 2010, com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), principal marco regulatório da área.
Os municípios tem até agosto para elaborar o projeto básico do plano municipal de resíduos, mas enfrentam dificuldades nessa etapa, em especial pela falta de recursos para contratar  mão de obra especi­a­lizada. Mesmo com a PNRS, poucos avanços foram registrados na gestão de resíduos sólidos, conforme estudo da  As­so­­ciação Brasileira de Empre­sas de Limpeza Pública e Resíduos Espe­ciais ( ABRELPE), divulgado em 2011.
Segundo o levantamento, a destinação final ainda é o principal problema a ser superado, em especial no Centro-Oeste, que registra o pior desempenho nesse quesito: apenas 30% dos resíduos coletados tiveram fim adequado. Além disso, 67% dos 466 municípios não tratam adequadamente seus resíduos. Na região Sul, por exemplo, esse índice é bem menor: 41%. Já o percentual de material encaminhado aos aterros, se comparado ao Centro-Oeste, é bastante superior: 70%.  
Em Goiás, segundo levantamento recente da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), 96% dos municípios ainda descartam os resíduos em lixões, conforme explica a gerente da área, Thalyta Lopes Rego. A pasta está na fase final da coleta dos dados sobre a destinação final do lixo. Os questionários ainda precisam ser aplicados em 70 municípios, mas o resultado preliminar dá noção do desafio que Goiás terá que enfrentar nos próximos dois anos para se adequar à legislação ambiental.

Rotas tecnológicas
Coordenadora da Coorde­na­doria Apoio à Atuação Extrajudicial do Ministério Público do Estado de Goiás (Caej/MP/GO), Suelena Car­neiro Caetano, reconhece que o prazo para a criação dos aterros está se esgotando, mas aposta na parceria entre prefeituras, universidades e Estado para solucionar o problema. “É preciso também boa vontade política para que alcancemos a meta até 2014”, salienta a promotora.
Ela faz parte do Grupo Interinstitucional de Resíduos Sólidos Urbanos, que congrega  outros membros do MP, a Se­marh, a  Universidade Fede­ral de Goiás (UFG), além de instituições ligadas aos municípios, como a Agência Go­i­ana de Municípios (AGM) e a Fede­ração Goiana de Muni­cípios (FGM). Ações envolvendo o gerenciamento dos re­síduos sólidos em Goiás são uma das principais metas do Plano Geral de Atuação 2012-2013 do MP/GO.
Nessa semana, o Grupo se reunirá para a apresentação dos resultados iniciais de uma pesquisa que avalia as tecnologias disponíveis para o tratamento e para a destinação dos resíduos sólidos no Brasil, na Europa, no Japão e nos Estados Unidos. O levantamento deve ser concluído até o final desse ano e  é financiado pelo  Banco Naci­o­nal de Desenvolvimento Econô­mico e Social (BNDES).
O  Grupo de Resíduos Só­li­dos da Universidade Federal de Pernambuco (GRS/UFPE), por meio da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da (Fade), é responsável pela execução do estudo, que contempla as cinco regiões do país. No Centro-Oeste, a avaliação conta com seis pesquisadores é coordenada pelo professor da Escola de Engenharia Civil da Unive­rsi­dade Federal de Goiás (EEC/UFG), Eraldo Henriques de Carvalho.
De acordo com ele,  o estudo avalia quais são as rotas tecnológicas mais adequadas para a destinação final dos resíduos na região. O objetivo é evitar investimentos municipais em   mecanismos conside­ra­dos inadequados, como a incineração industrial. “Além dos custos mais altos em relação aos aterros, há o problema da falta de qualificação de quem opera as máquinas, o que pode tornar esse mecanismo ineficaz”, explica.

Aterros
Carvalho detalha que o estudo mapeou até agora as cidades do Centro-Oeste que estão obtendo êxito no trabalho de destinação final dos resíduos sólidos. Em Goiás destacam-se Goiânia, com o aterro sanitário; Chapadão do Céu, que separa o material descartado e a aplica a técnica de   compostagem dos resíduos; e Cidade Ocidental, que além da triagem compartilha o aterro com outras cidades da Região Integrada de Dese­nvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride).
“Goiânia apresenta regularidade dos serviços ao longo de 20 anos e é a única capital do Centro-oeste que tem aterro sanitário”, salienta o pesquisador. Carvalho acredita que pelo menos três propostas podem ser elaboradas  em relação aos aterros. Uma para a construção de aterro nas cidades de grande porte, como Goiânia, outra  para municípios de médio porte, com a formação de consórcios, a exemplo do que deve ocorrer no Ride, e outra para municípios menores, por meio da adoção de um modelo simplificado de descarte.

Made in Goiânia

O aterro de Goiânia, apesar de ser modelo para o Centro-Oeste, já começa a dar sinais de que precisa ser ampliado. De acordo com o técnico de gestão de resíduos sólidos da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma), Wellington Heberling, já existe uma área separada para essa finalidade. Diariamente, o aterro recebem 1,3 tonelada de lixo domiciliar, de oito a dez toneladas de lixo hospitalar, além de 1,6 tonelada de resíduo da construção civil, o  maior problema da capital, uma vez que não pode ser reaproveitado.
A partir de 2014, os aterros sanitários não receberão resíduos que podem ser reciclados ou reutilizados. Nesse sentido, a coleta seletiva e o trabalho em parceria com as cooperativas de catadores deve ganhar importância ainda maior. Goiânia, desde 2008, desenvolve ações nessa área, concretizadas dois anos depois com a implantação do Programa Goiânia Coleta Seletiva.
O material recolhido pelos caminhões da prefeitura é encaminhado para as cooperativas, como as 11 instituições que integram o projeto Incu­badora Social da UFG. “Nos­so objetivo é assessorar a criação e o financiamento das coo­pe­rativas, viando a inclusão social dos catadores de material reciclável”, ressalta o professor Fernando Bartholo, coordenador do projeto.
O modelo implantado em Goiânia já começou a ser levado para outras cidades da região metropolitana por meio de uma parceria entre a UFG e o MP/GO. Incubadoras locais para o assessoramento técnico dos catadores devem ser criadas, bem como a coleta seletiva municipal. Na última semana, moradores e autoridades de Hidrolândia e de Aparecida de Goiânia conheceram o projeto e nesta a população de Nerópolis conhecerá detalhes da iniciativa.
De acordo com Bartholo, a organização dos catadores em cooperativas possibilita “um resgate da dignidade do trabalhador, que atua em um ambiente adequado, longe da hostilidade das ruas.” Além disso, eles passam a ter uma renda fixa e ficam menos vulneráveis aos preços praticados pelos compradores do material reciclável.

Alternativas para os pequenos

Falta de recursos para a contratação de mão de obra especializada na elaboração do plano de resíduos sólidos. Essa é a principal dificuldade dos municípios goianos para cumprir os prazos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em relação aos aterros, segundo o presidente da AGM, Luiz Stival, prefeito de Nova Veneza.  “Apenas para a elaboração do plano seria preciso R$ 50 mil, valor inviável, principalmente para os municípios de menor porte”, explica.
A formação de um consórcio com essa cidades poderia ser a solução para a construção de aterros,  como salienta o coordenador de pesquisa sobre as principais alternativas tecnológicas para a destinação dos resíduos, Eraldo Henriques de Car­valho.  Ele alerta, entretanto, que “as prefeituras não po­dem se deixar levar por um 'dis­curso encantador' e investir em tecnologias que não se adequam a realidade.”
De acordo com Stival, a AGM tem buscado parcerias com o Governo Estadual, por meio da secretaria de Cidades (Secidades) e da Saneago. O modelo de consórcio, proposto por Carvalho, também está em estudo. Segundo a gerente de Políticas de Saneamento da Secidades, Marisa Santana, em janeiro deste ano foi assinado um Protocolo de Inte­n­ções para contratar consultoria que vai elaborar aproximadamente 140 Planos Munici­pais de Saneamento.  
Gerente de resíduos sólidos da Semarh, Thalyta Lopes Rego, alerta que os municípios que  chegarem a 2014 sem cumprir a meta em relação a destinação do lixo devem ter dificuldades para conseguir recursos junto à Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). O jeito será correr contra o tempo. A favor das cidades a tecnologia e a parceria com universidades.