Religiões no Brasil

Informações divulgadas na semana passada sobre o Censo de 2010 acerca das religiões merecem alguns comentários. Os dados apontam que a população brasileira está dividida da seguinte maneira: 64,6%, Igreja Católica (em 2000 eram 73,6%); 22,2%, Igrejas Evangélicas (15,4% antes); 2%, Espíritas (1,3% no Censo anterior); 0,3%, Umbanda e Candomblé (mesma porcentagem dos dados de 2000); 2,7% outras religiões (eram 1,8%); 8% sem religião (eram 7,4%); e 0,1% não sabe ou não declarou (o porcentual anterior era de 0,2%).

Com relação aos católicos e evangélicos, em Goiás o crescimento evangélico continua sendo maior em comparação aos dados nacionais: são 28% hoje, sendo que em 2000 eram quase 20%. A queda de católicos também é mais acentuada no Estado: em 2000 eram 68% e em 2010 são 58,9%. Com relação a esse tema, os dados da cidade de Goiânia são ainda mais significativos: em uma população de 1,3 milhão de habitantes, há apenas 50,7% (662.570) de católicos e 32,3% (422.455) de evangélicos.

Portanto, Goiás tem contribuído significativamente no País com o declínio católico e o crescimento evangélico, principalmente sua vertente pentecostal. Há inclusive o caso de religiões que nasceram em Goiânia e já estão presentes em todos os Estados da Federação. No caso da Igreja Fonte da Vida, ela também pode ser encontrada em países do exterior. Em contrapartida, o índice de espíritas e pessoas que se declaram sem religião no Estado é bem parecido com os encontrados em todo o País, ou seja, 2,46% de espíritas e 8,11% de pessoas sem religião.

Mas há alguns elementos que os dados do Censo não identificam e que são importantes para uma compreensão adequada do cenário religioso no Brasil.

O primeiro elemento diz respeito ao trânsito religioso. Diversas pesquisas na área de sociologia, antropologia, história e ciências da religião apontam para o crescimento das duplas e até mesmo múltiplas pertenças religiosas. O caso tradicional é o dos espíritas e católicos. Mas há atualmente trânsitos também entre as igrejas pentecostais e até mesmo de indivíduos que frequentam grupos religiosos diversos. Trata-se da pessoa que vai à missa (católica) no domingo, no terreiro (umbanda) na quarta e na sessão de descarrego (pentecostal) na sexta-feira.

Significa afirmar que as pertenças religiosas estão se desinstitucionalizando e os fiéis frequentam os espaços que melhor atendem a suas necessidades, independente da instituição e sem compromisso ou fidelidade com qualquer uma delas. O Censo aponta que 8% da população se declaram sem religião. Todavia, nem todos são ateus. Provavelmente mais da metade desses sujeitos vivenciam uma realidade sincrética em sua relação com o universo religioso. São aqueles que participam quando lhes convém e não possuem compromisso institucional com nenhuma denominação religiosa.

Outro dado importante que não pode ser percebido pelo Censo diz respeito à realidade das religiões de matriz africana. Os 0,3% apontados na pesquisa não evidenciam a condição geral dessas religiões, principalmente a Umbanda. Em Goiânia, por exemplo, existem dezenas de terreiros espalhados pela cidade. Então, por que esses números não aparecem no Censo? Principalmente pelo fato dessas religiões sofrerem ainda hoje muito preconceito no Brasil. Muitas pessoas adeptas de religiões de matriz africana preferem ficar no anonimato e não declaram sua pertença religiosa na pesquisa.

Atualmente continuam sendo recorrentes situações de constrangimento sofridas pelos adeptos de religiões não cristãs no Brasil. Não podemos esquecer que o Brasil é um país predominantemente cristão, e os católicos, apesar do declínio de seu porcentual, são cerca de 123 milhões de pessoas. Ao juntarem-se com os evangélicos, protestantes e pentecostais, com quase 43 milhões de adeptos, somam-se 168 milhões em um universo de 190 milhões de brasileiros.

As religiões não cristãs são marginalizadas e muitas vezes precisam se adaptar ao contexto cristão. O caso principal no Brasil é o do espiritismo, que em sua origem francesa não tinha nada de cristão e ao chegar ao País assume diversas características do catolicismo. Outro caso menos evidente é o do Seicho-no-ie que teve de incorporar elementos da cultura católica em suas práticas como estratégia de sobrevivência no Brasil.

Assim, quando se fala em diversidade religiosa no Brasil, recorre-se a um equívoco, visto que na verdade o que há é uma diversidade de igrejas cristãs e não de religiões de diferentes matrizes. Estas somadas são menos de 3% da população (judaísmo, islamismo, hinduísmo, religiões orientais, etc.). Todavia, o caso das religiões de matriz africana é uma exceção que o Censo não mostra, visto que são numerosas, mas para se protegerem vivem quase que no anonimato.

Por fim, um elemento importante a se considerar nos dados do Censo de 2010 diz respeito ao crescimento pentecostal e declínio católico. Alguns pesquisadores da área de Sociologia da Religião, como Paul Freston, apontam para a estagnação dessa tendência. Provavelmente os evangélicos já chegaram ao seu limite de crescimento e a Igreja Católica tenderá a manter-se como religião predominante. Isto é, daqui a 20 ou 30 anos, diferentemente da tendência apontada nas estatísticas, esse cenário não mudará muito.

Dessa forma, aqueles que sonham com efetivação de um país predominantemente evangélico-pentecostal poderão talvez se decepcionar com o futuro das religiões no Brasil. Por outro lado, aqueles que apostam no fim das religiões devem se convencer de que elas continuarão fortes e atuantes no cenário nacional.

 

Flávio Munhoz Sofiati é professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG

 

Fonte: O Popular