Ainda dá tempo

Modelo matemático mostra que redução no ritmo de desmatamento da floresta amazônica e regeneração de áreas devastadas podem evitar extinção de espécies já condenadas a desaparecer.

Por: Célio Yano

Pelo menos oito espécies de anfíbios, 20 de aves e 10 de mamíferos devem desaparecer da Amazônia brasileira nas próximas décadas, caso não se reverta o processo de desmatamento da maior floresta tropical do mundo e não se recuperem as áreas jácomprometidas. Não adianta apenas parar de cortar árvores agora; esses animais estão condenados por causa da devastação ocorrida nos últimos 30 anos.

É que entre o momento da destruição do hábitat de uma espécie e sua extinção nesse local há um intervalo de tempo de algumas décadas. As gerações seguintes dessa população até serão capazes de se deslocar e sobreviver, mas com a alta densidade de indivíduos acabarão por competir entre si por recursos e entrarão em colapso.

Pelo que já desmatou, o ser humano está ‘devendo’ 38 espécies para a lista de animais extintos

Ou seja, pelo que já desmatou, o ser humano está ‘devendo’ essas 38 espécies para a lista de animais extintos, e, se o ritmo de devastação da floresta amazônica crescer, a dívida aumentará.

Resumidamente, é isso o que sugerem pesquisadores do Imperial College de Londres, em um artigo que será publicado na edição desta sexta-feira (13/07) da revistaScience.

Usando um modelo matemático inédito, criado a partir de dados históricos de desmatamento, distribuição e extinção de espécies na Amazônia, eles projetaram quatro possíveis cenários de perda de biodiversidade da floresta para 2050.

As previsões são baseadas em quadros de desmatamento propostos pelo geólogo Britaldo Silveira Soares Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, em estudo publicado em 2006 na Nature.

Calote no débito de extinção

No mais otimista dos cenários, que considera a manutenção das áreas de proteção e o cumprimento da legislação ambiental brasileira, a taxa de desmatamento deve cair gradativamente dos atuais 6,5 mil km2 por ano até se estabilizar por volta de 2016. Nesse caso, o chamado ‘débito de extinção’ (número de espécies condenadas à extinção local) deve permanecer nos níveis atuais.

No cenário mais pessimista, os pesquisadores levam em conta um aumento do ritmo de devastação da floresta amazônica a níveis acima do recorde histórico de 29 mil km2registrado em 1995. A consequência seria a extinção de pelo menos 10 espécies de anfíbios, 30 de aves e 15 de mamíferos, que hoje se distribuem em uma área equivalente à metade da Amazônia brasileira.

O artigo apresenta o número de espécies sentenciadas à extinção por estado brasileiro que tem área de floresta amazônica: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Para se ter uma ideia, em Rondônia, o débito de extinção de mamíferos é de quatro espécies, mas esse número pode saltar para 14 caso o desmatamento volte a aumentar no ritmo dos maiores níveis históricos. Já no Amapá, onde hoje não há espécies de aves condenadas, o débito de extinção nesse grupo poderia chegar a 27.

“Mas há uma janela de oportunidade para atenuar os efeitos do desmatamento histórico, concentrando os esforços de conservação em áreas com maiores débitos”, afirmam os pesquisadores no artigo. Em outras palavras: é possível dar o calote nessa dívida.

“A medida mais eficiente para mitigar os efeitos do desmatamento é regenerar a floresta por meio da conexão de áreas devastadas com áreas de floresta madura”, explica o ecólogo Thiago Rangel, da Universidade Federal de Goiás (UFG). O pesquisador brasileiro assina na mesma edição da Science um artigo em que contextualiza os resultados do trabalho do Imperial College no cenário político-econômico.

Nas mãos do Legislativo

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que desde 1988 monitora o desmatamento da Amazônia, mostram que a área desmatada por ano caiu 77% entre 2004 e 2011. Caso essa tendência persista nos próximos anos, a perspectiva é que 2050 chegue com o mais otimista dos cenários propostos pelos autores do artigo da Science.

Mas, para Rangel, a mudança no Código Florestal, defendida pela bancada ruralista no Congresso Nacional, representa um risco de o pior dos cenários se tornar real.

“A discussão do Código Florestal saiu da agenda midiática assim que a [presidente] Dilma [Rousseff] vetou alguns trechos do texto, mas a novela ainda não acabou”, explica. Ele lembra que as mudanças e vetos feitos pela presidente ainda voltarão ao plenário da Câmara e do Senado para discussão.

A definição quanto à mudança ou não do Código Florestal será crucial para traçar o futuro da floresta amazônica

Além disso, parlamentares favoráveis às mudanças no código recorreram ao Supremo Tribunal Federal questionando a legalidade da medida provisória que a presidente assinou em substituição aos itens vetados por ela.

O ecólogo acredita que a definição quanto à mudança ou não do Código Florestal será crucial para traçar o futuro da floresta amazônica. O cenário de desmatamento em 2050 está na dependência de uma decisão política.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR

 
 
 

Fonte: cienciahoje.uol.com.br