Indígenas “abandonam” língua natal

Apenas 4% dos índios residentes em Goiás permanecem em terras indígenas, segundo aponta o censo 2010, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme a pesquisa, 8.583 pessoas declaram serem indígenas, sendo que, do total, 336 ainda residem em aldeias. Apesar de lá viverem, 204 – daqueles com mais de 5 anos – se comunicam apenas em português. De todos os indígenas goianos acima dessa faixa etária (8.256), apenas 279 falam a língua nativa, sendo que apenas 5 se comunicam apenas desta forma.

Coordenador e professor pesquisador associado sênior do Laboratório de Línguas Indígenas (Lali) da Universidade de Brasília (UnB), o doutor Aryon Dall´Igna Rodrigues acredita que esses dados não confirmam a tendência de extinção das línguas indígenas no Estado. Segundo ele, com o método usado pelo IBGE – a autodeclaração – não é possível estabelecer esta conclusão. “Uma pessoa pode se dizer Tamoio, mas não ser comprovada sua descendência. Ela pode dizer que fala tupinambá, mas também nem falar ou falar outra, de outra grupo”, argumenta.

Além disso, o professor explica que a tendência analisada quanto ao número de pessoas que dizem se comunicar em português ou em sua língua natal não pode ser feita de maneira geral. Os povos indígenas possuem especificidades em relação a cada grupo ou tribo e isso faz variar qualquer análise. Rodrigues afirma ainda que não é uma questão de duvidar dos números do IBGE, mas também não se pode comprová-los, já que a autodeclaração dá “apenas uma noção do que aquela pessoa representa”.

O estudo mostra ainda que 15% das pessoas de 10 anos ou mais que vivem nessas aldeias não são alfabetizadas. Apesar disso, o índice de goianos indígenas alfabetizados chega a 90,5%, bem acima do atingido nacionalmente, de apenas 77,49%. Para se ter uma ideia deste fato, o curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal de Goiás (UFG) possui 168 alunos, todos indígenas. Wahuka Karajá, de 49 anos, deixou a aldeia Tytema, na Ilha do Bananal, no Tocantins, há mais de dez anos. Ele, que é professor, tomou a decisão depois que a esposa morreu.

Além disso, a vontade de lutar para que a cultura e a língua dos Karajás não fossem esquecidas era maior do que a de permanecer na aldeia. Atualmente, ele trabalha na Superintendência de Ensino Fundamental da Secretaria de Educação de Goiás (Seduc) e atua como técnico pedagógico em escolas indígenas – são duas no Estado, uma em Rubiataba e outra em Aruanã. Mas, para Wahuka acostumar fora da aldeia, ele teve de passar por um período de adaptação.

A primeira das mudanças foi ainda quando ele estava na cidade apenas para estudas, quando tinha apenas 10 anos. Ele teve mudar o nome para Sinvaldo Oliveira para poder estudar. E, há mais de dez anos, quando saiu para levar sua cultura a outras pessoas, ele teve de superar dificuldades como hábitos alimentares e costumes. “Foi um choque de culturas, mas, com o tempo, me acostumei. Valeu à pena”, diz. Ele acostumou tanto que se casou com uma mulher não-índia, com quem tem um filho de 8 anos – ele deixou filhos na aldeia, que já são casados.

Wahuka observa que, para ele, os índios acabam saindo das aldeias por questão de sobrevivência. Ele lembra que, nesses locais, se vive do que a natureza oferece. Mas, nos últimos tempos, por conta de desmatamentos, por exemplo, não se tem conseguido o suficiente. “Por isso, acabam saindo à procura de sobrevivência, de benefícios e de apoio. Por querer ter uma vida diferente”, acredita.

População

Em comparação com o Censo realizado em 2000, também pelo IBGE, o número de autodeclarados indígenas caiu 64,34% em dez anos. À época, foram 14.110 pessoas desta etnia vivendo em Goiás, contra 8.583 no último Censo, de 2010. Os números seguem em contramão ao que se vê no Brasil. Há dez anos, o IBGE registrou 734 mil indígenas em todo o país. No último ano pesquisado, foram 896,9 mil. O aumento é de 22,2%.

Fonte: O Hoje