Entidades criticam aprovação de projeto

Cleomar Almeida
14 de agosto de 2012 (terça-feira)

Depois de passar pela aprovação do Senado Federal, o projeto de lei que assegura metade das vagas das instituições federais a estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas da rede pública levanta debate sobre a política de cotas. A maioria dos especialistas ouvidos ontem pelo POPULAR rebate a proposta, que aguarda sanção ou veto da presidente Dilma Rousseff. Para um deles, o projeto é inconstitucional. Mas há quem defenda a medida como um meio para diminuir as injustiças sociais.

Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Goiás (Sinep), Krishnaaor Ávila classifica o projeto como “populista”, já que, avalia, beneficia alguns e prejudica outros. “Vai igualar o ensino por baixo. O professor terá de nivelar o ensino entre alunos de escolas privadas, mais bem preparados, e públicas, que poderão, em tese, não conseguir acompanhar o ritmo de aprendizagem”, critica. “O caminho natural seria melhorar o ensino na rede pública, de modo geral”, sugere. Ele frisa que o governo federal também deve considerar os problemas sociais que prejudicam diretamente o processo de ensino-aprendizagem, como desemprego, falta de moradia e professores sem cursos de qualificação e plano de carreira adequados.

O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino de Goiás (Sepe), Alexandre Umbelino de Sousa, também condenou o projeto de lei, frisando que o Estado deve garantir o direito à educação de qualidade, conforme prevê a Constituição Federal, em vez de implementar políticas compensatórias. Para ele, se sancionada, a medida não vai gerar muito impacto na rede de ensino particular. “Essa alternativa não prejudicará as escolas privadas porque, como sempre, demonstrarão capacidade muito maior que a das escolas públicas”, acredita.

INCONSTITUCIONALIDADE

“O projeto de lei é profundamente inconstitucional, por tratar os desiguais de modo desigual”, na avaliação do advogado Marisvaldo Cortez Amado, presidente da Comissão do Advogado Professor da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO). Segundo ele, o governo deve criar condições de igualdade no ensino básico para que o acesso ao ensino nas instituições federais seja menos desigual.

Marisvaldo defende mais investimentos no ensino público, inclusive com a oferta de cursos de qualificação para os professores, e rechaça o atual sistema de educação no País. “Hoje, o professor faz de conta que ensina, o aluno faz de conta que aprende e o Estado faz de conta que cumpre o seu papel de garantir o direito à educação”, ironiza. “As oportunidades devem ser iguais, independentemente da origem.”

MENOS INJUSTIÇA SOCIAL

Apesar de o projeto de lei não se propor a dar fim às injustiças sociais, é um passo importante para diminuir as disparidades no acesso às instituições federais de ensino. É o que acredita o professor João Ferreira de Oliveira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em Políticas Educacionais, ele lembra que o projeto de lei ganhou força depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido, em abril, pela constitucionalidade das cotas raciais.

Segundo o professor, os alunos de escolas particulares não terão prejuízo, se a presidente sancionar o projeto. Ele cita o último Censo da Educação Básica, segundo o qual apenas 15% do total de matriculados no ensino médio no País são da rede privada. Os outros 85% estão na rede pública, aponta. “Considerando esses índices, ainda há injustiça na concorrência”, diz.

João ressalta que já existem cursos com 50% das vagas ou mais ocupados por estudantes oriundos de escolas públicas, como é o caso das licenciaturas. “O impacto será nas áreas cursadas, em geral, por filhos da classe média, como Medicina, Direito, Engenharias e Odontologia”, afirma. “Dificilmente, há um aluno de escola pública em um desses cursos”, lamenta.

Para o professor, a defesa de investimentos apenas na educação básica é “claramente elitista.” “É preciso atacar o problema de vários ângulos. Depois de 10 anos, caberá avaliação se essa experiência deu certo, ou não”, pondera.

O secretário estadual de educação, Thiago Peixoto, foi procurado pela reportagem para comentar a medida. Sua assessoria de imprensa prometeu retorno, que não ocorreu até o fechamento desta edição.

Fonte: O Popular