Educação de dentro da Cartola

Professor goiano é vencedor do Prêmio Educador Nota 10, com projeto sobre a vida e obra do sambista carioca
 

O ensino de artes passa por experiências que vão além das simples atividades de recortar, colar e pintar. A matéria tem se revelado um aprendizado bem mais amplo e agregador do que se acreditava inicialmente.
Na Escola Municipal de Tempo Inte­gral José Carlos Pimenta, que fica no distrito de Vila Rica, em Goiânia, além das aulas tradicionais de artes, os alunos têm a oportunidade de conhecer melhor o mundo da música. Mas em que esse conhecimento acrescenta à sua formação educacional? 
Para Alessandro de Oliveira Branco, professor que ministra as aulas de música na instituição, as artes, em todas as suas manifestações, têm absolutamente tudo a ver com a evolução pedagógica do aluno.
Com essa visão, o educador elaborou o projeto Cartola, que foi eleito um dos on­ze vencedores da 15ª edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10, sendo pre­miado nacionalmente pela categoria de Artes.
Segundo Branco, “Cartola” surgiu da necessidade de mostrar aos seus alunos um outro universo musical, bem diferente daquele que estavam habituados. “A música hoje é encarada de forma muito superficial. Os mais novos dão um valor muito grande aos modismos, e eu quis justamente abrir a cabeça deles para uma infinidade de possibilidades musicais”, conta.
As aulas, que são voltadas para crianças de 6 a 14 anos de idade, englobaram não só a obra do cantor e compositor carioca, como também de nomes como Chico Buarque, Luiz Gonzaga e Pixin­guinha. Levar a seus alunos uma visão diferenciada e crítica dos estilos musicais é uma preocupação constante do professor. 
Segundo ele, o projeto acabou se tornando consequência de uma necessidade latente na escola. “A escolha de Cartola foi pelo fato de sua obra ser muito representativa para nossa música e principalmente pelo samba ser um gênero que diz muito sobre as raízes do povo brasileiro”, explica Branco.
Em um primeiro momento, os alunos conheceram a vida e obra do artista com trabalhos de pesquisa e leitura. Depois, foi a hora de tocar e cantar as músicas de Cartola. A escola inteira se mobilizou em diversas apresentações. Um verdadeiro miniespetáculo que foi apresentado em várias outras instituições.
Além da oficina de música e dança, a atividade envolveu disciplinas da grade tradicional, como matemática, educação física, artes e português. Com os alunos do Ciclo I, por exemplo, foi feito o estudo dos livros “Cartola – Mestre da música no Brasil”, de Mônica Ramalho, e “Cartola – crianças famosas”, de Edinha Diniz e Ângelo Bonito. 
Nas aulas de educação física, foram abordadas as brincadeiras da infância do sambista, como pega-pega e bolinha de gude. A professora de português trabalhou uma entrevista, em que um dos alunos fazia o papel do Cartola e os demais faziam as perguntas. 
“Os alunos perceberam que poderiam fazer algo de bom e que seriam recompensados por isso. Os convites e prêmios que recebemos desse e de outros projetos estimularam o envolvimento dos alunos em todas as ações”, conta o educador.
Os resultados do projeto atingiram não só as crianças da comunidade, como também os adultos. “Como aqui é uma região rural, o acesso a essas músicas é mais difícil e muitos acabam limitados a modismos”, argumenta. Com as atividades, muitos alunos levavam CDs com as músicas de Cartola para ouvir e ensaiar em casa e acabaram influenciando também no gosto dos pais.

Reconhecimento
Para Alessandro de Oliveira Branco, o seu maior objetivo foi alcançado, o que, por si só, já é uma grande vitória. “O que eu almejava era mostrar a eles um outro universo musical. Era trabalhar o seu senso crítico, e sei que consegui”, comemora.
Sobre o prêmio que receberá no mês de outubro por ser um “Educador Nota 10”, ele confessa que foi uma surpresa. “Não imaginava que poderia ganhar, concorrendo com tantas pessoas do país inteiro. Isso é o reconhecimento do nosso trabalho, hoje em dia tão desvalorizado”, conta
Branco, que se formou em Música pela Universidade Federal de Goiás (UFG) há seis anos, encontrou o mundo da artes ainda pequeno, e é isso que tenta fazer hoje com seus alunos. “Quando criança já tocava em regional de choro, passando mais tarde por bandas de bailes e barezinhos. Cheguei a seguir três anos do curso de Geografia na UEG até decidir fazer o curso de Educação Musical Escolar, na UFG”, conta, acreditando ter sido ele o escolhido pela música, e não o contrário.
Hoje, mesmo após encerrado, o projeto “Cartola” ainda está vivo na instituição. “As crianças estão sempre tocando e cantarolando as músicas”, conta o professor. Composições como “As Rosas Não Falam” marcaram a mente das crianças que, com toda certeza, não enxergam mais o mundo musical da mesma forma.