Pesquisa inédita sobre o Meia Ponte

Jornal O Hoje - 17/10/2012

A bacia hidrográfica do Rio Meia Ponte detém importância singular para a economia e abastecimento público de Goiás. Judiado e degradado pela intensa urbanização em suas margens, o rio virou objeto de pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG), que mobilizou todas as áreas de estudo para traçar até 2015 o diagnóstico da bacia, a partir de seis grandes diretrizes de análise. A intenção, além de promover ações de recuperação e conscientizar a população sobre o papel essencial do Meia Ponte, é subsidiar o poder público de informações, inclusive tendências futuras, capazes de fundamentar a criação inédita de um plano diretor para o rio.

O Meia Ponte e seus afluentes passam por 39 cidades do Estado, entre Itauçu e Cachoeira Dourada. Nesses municípios estão 50% da população goiana e mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) de Goiás. São números como esses, que somados ao índice preocupante de sétimo rio mais poluído do Brasil, divulgado, recentemente, pela Agência Nacional de Águas (ANA), que motivaram a reitoria da UFG a definir o projeto como ação estratégica e institucional, que vai envolver todas as áreas do conhecimento. “Em se tratando de meio ambiente, entendemos que esta é a pesquisa de maior impacto”, afirma um dos coordenadores técnicos escolhidos, o professor da Engenharia Civil Maurício Sales.

A universidade possui mais de 50 programas de pós-graduação e em todos eles já existem pesquisas isoladas que estudam o rio sob diversos focos. A intenção inicial desde o final de 2010, quando o projeto foi idealizado, é aglutinar todas as informações que a UFG já detém para traçar os planos de ação. O trabalho serviu, até o momento, para delimitar as seis grandes áreas de análise que vão compor o diagnóstico: hidrologia, meio físico, biodiversidade, socioeconomia, educação ambiental e saúde da população abastecida pelas águas do Meia Ponte.

Mais de 40 pesquisadores já foram escalados para participar da pesquisa e divididos de acordo com as áreas de estudo. Maurício diz que esse número vai aumentar, à medida que o tempo for passando. A fase atual consiste em relacionar os estudos desenvolvidos isoladamente na UFG para elaborar a sistemática do projeto e fechar parcerias com órgãos públicos e instituições privadas para facilitar o financiamento. O cronograma prevê que os trabalhos de campo sejam iniciados em janeiro de 2013. “Em 24 meses, teremos mais de 80% do diagnóstico finalizado e com dados suficientes para repassar ao poder público”, calcula o professor. As demais informações serão complementadas posteriormente.

Plano diretor é visto como caso de urgência

Maurício Sales destaca que a postura defendida pela UFG é a de que o Meia Ponte não precisa apenas de um diagnóstico, mas de um plano diretor, em caráter de urgência. A experiência já foi atestada em outros rios do Brasil e com bons resultados. Em Goiás, seria inédita, mas completamente possível e necessária, conforme o superintendente de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), Bento de Godoi Neto. A Secretaria já se prontificou em apoiar o projeto da UFG e, em evento na última segunda-feira, Bento disse que a intenção é atuar diretamente nos trabalhos.

O rio pertence a uma bacia maior, que é a do Paranaíba, a qual possui um plano de gestão específico. Bento de Godói diz que com o diagnóstico da UFG será possível fazer o recorte da área correspondente à Bacia do Meia Ponte e trabalhar os principais pontos poluidores. O superintendente cita o exemplo do Rio das Velhas, em Belo Horizonte (MG), que vivia situação semelhante e teve melhora substancial na qualidade da água, após treinamento da população, trabalho de conscientização e despoluição. Um bioindicador que ilustra bem a conquista foi o surgimento de espécies sensíveis de peixes, como o Dourado, que começaram a subir o rio, depois da diminuição de poluentes.

A situação do Meia Ponte é considerada crítica, mas ainda possível de ser revertida. A bacia hidrográfica é emblemática para o Estado. Ao passo que a concentração urbana e populacional é elevada, a área de ocupação é irrisória, correspondendo a menos de 4% do território goiano. “É uma área pequena. Não está entre as maiores de Goiás, mas é totalmente estratégica”, diz Bento. A parte norte do rio é cercada por cidades; a sul, de propriedades. 

Goiânia é a grande vilã 
Dentre os 39 municípios que dependem do Meia Ponte, Goiânia é considerada a vilã, responsável pela maior parte da degradação e das más consequências geradas ao rio. Fato que demonstra isso é a medição da qualidade da água antes e depois da capital. O porcentual de contaminação é significativamente maior na parte do rio que fica após a capital. Os números já foram identificados tanto no levantamento feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), quanto no monitoramento realizado pela Semarh. O fator principal que contribui para isso é o despejo irregular de esgoto e a concentração de indústrias próximas à margem.

O fato é o suficiente para colocar como prioridade do diagnóstico da UFG a análise da qualidade. O professor Maurício Sales diz que, ao longo do tempo, o rio vem perdendo parcela da água, mas ainda assim preserva uma quantidade boa. Já a qualidade é preocupante. “Ela vem se alterando drasticamente”, diz. Ele afirma que a questão do esgoto sanitário melhorou com a criação da Estação de Tratamento (ETE) da Saneago, mas ainda precisa melhorar muito para chegar ao ponto ideal. “A ETE não consegue tratar 100% do esgoto de Goiânia. Parte é feita de maneira incompleta, outra de forma irregular, e tudo despejado nos afluentes”, observa.

Outros problemas pontuados é a ausência de drenagem urbana, na capital, o que favorece o escoamento de toda a sujeira urbana para o rio e a recorrência de plantios e lavouras ao longo da bacia facilita, também, o despejo de agrotóxicos, hormônios e demais substâncias que são utilizadas no campo e nocivas à água. 

DIAGNÓSTICO DO MEIA PONTE
Seis áreas de estudo
1° Hidrologia – estudar a quantidade e qualidade da água, com auxílio de instrumentos, que serão posicionados no decorrer do rio e em pontos estratégicos. 
2° Meio físico – analisar as questões relativas ao solo, como a geologia, incidência de erosão, terra laminar, agricultável e ocupação. 
3° Biodiversidade – levantar toda a parte viva da bacia, envolvendo fauna e flora. A intenção é fazer a listagem das espécies e utilizar bioindicadores, que consistem na avaliação da qualidade da água a partir da presença ou não de alguns animais e plantas.  
4° Socioeconomia – estudar a evolução da bacia e como isso se deu historicamente, por meio da expansão do agronegócio e da fronteira agrícola. As informações obtidas vão servir para prever tendências e traçar cenários futuros. 
5° Educação Ambiental – o estudo pretende entender a relação do sujeito com o rio e se ele percebe a importância do Meia Ponte para a sua sobrevivência. O objetivo é envolver a população dos 39 municípios e conscientizá-la sobre a relevância da preservação.  
6ª Saúde da população – existe uma série de doenças que são transmitidas por vetores híbridos, que geralmente se reproduzem em situações de má qualidade da água. O estudo vai correlacionar a saúde pública nos municípios com a sanidade da água do rio.

Divisão da Bacia do Meia Ponte
1) Alto Meia Ponte, que engloba a região das nascentes até a foz no Ribeirão João Leite;
2) Ribeirão João Leite, que abrange sete municípios e é delimitada como Área de Proteção Ambiental;
3) Rio Caldas, que abrange parte de nove municípios goianos;
4) Rio Dourados, que também engloba nove municípios;
5) Baixo Meia Ponte, que possui a maior área territorial, abrigando quinze municípios.