Memórias da guerrilha

Jornalista gaúcha e professor da UFG lançam livros sobre a Guerrilha do Araguaia hoje

“Fiz 13 viagens para cidades dos locais dos conflitos, sozinha e também acompanhada de fotógrafo. Encontrei pessoas que falaram da época da guerrilha e que também relatam coisas bonitas”

 

Conflito armado ocorrido na década de 1970 na região do Bico do Papagaio, na divisa do então Norte Goiano com os Estados do Pará e do Maranhão, a Guerrilha do Araguaia é tema de dois livros que serão lançados hoje, às 19 horas, na Livraria Fnac. Antes do Passado – O Silêncio Que Vem do Araguaia, de Liniane Haag Brum (Arquipélago Editorial, 272 páginas) une prosa, poesia, história familiar e memória coletiva. O outro livro, de Romualdo Pessoa Campos Filho, é Guerrilha do Araguaia – A Esquerda em Armas (Fundação Maurício Grabois & Anita Garibaldi), que chega em segunda edição revista e ampliada (a primeira, da Editora da UFG, está esgotada) .

Gaúcha que mora em São Paulo, Liliane tem 41 anos e cresceu ouvindo uma mesma história que sempre a intrigou, envolta em medo e mistério: a do seu tio e padrinho Cilon Cunha Brum, que foi lutar na Guerrilha do Araguaia e desapareceu. “Isso se tornou um mito na minha família, que ficou anos sem notícias e não podia procurá-lo por conta da ditadura. A situação gerou em mim uma inquietude, que culminou no livro”, conta.

Ela explica que a Guerrilha do Araguaia é um tema tratado mais no final do livro, pois a obra se prende mais na busca pelo jovem de 25 anos que em 1971 viajou dizendo que em seis meses voltaria e sumiu deixando um “vácuo” na família, que o viu pela última vez em 9 de junho daquele ano. Liniane conta que começou a coletar depoimentos gravados em vídeo em 2001, pois a ideia inicial seria a produção de um documentário. Segundo a autora, graduada em publicidade no Rio Grande do Sul e que atua como jornalista em São Paulo, a conquista da bolsa Criação Literária da Funarte, em 2010, possibilitou o lançamento da obra.

EMOÇÃO

Ela explica que resolveu escrever o livro para compartilhar uma história que a acompanhou durante anos. “A ideia foi emocionar as pessoas com a saga do Cilon, que também foi parecida com a de muita gente. Para isso eu encontrei um formato que une realidade com ficção, como as cartas no livro que eu envio para a minha avó Loia. Ela era uma mulher que não tinha ligação com política e morreu em 1989, sofrendo por nunca ter recebido notícias do filho desaparecido”, adianta.

A obra mescla a narrativa em primeira pessoa com recortes de jornais e fotografias. Além das fotografias de Cilon, que na época de seu desaparecimento já tinha trocado Porto Alegre por uma carreira promissora em uma agência de publicidade na capital paulista, onde começou a militância no PCdoB, quando era estudante de economia na PUC, o livro mostra imagens da região palco da Guerrilha, como uma pista de pouso do exército em Xambioá.

“Fiz 13 viagens para cidades dos locais dos conflitos, sozinha e também acompanhada de fotógrafo. Encontrei pessoas que conheceram meu tio, mas, mais que isso, falaram da época da guerrilha e também relatam coisas bonitas. O livro é uma narrativa que traz mais que aspectos históricos ou jornalísticos”, descreve a autora.

A vida de camponeses que sobreviviam da caça, da venda de peles e de garimpeiros também é abordada na obra, que mostra ainda como camponeses foram cooptados pelo exército na última fase do conflito, com a meta de acabar com o foco de guerrilheiros. O assentamento de jovens militantes que chegavam dos grandes centros e arrumavam emprego entre as populações locais para disfarçar a condição de militante também é lembrado n a obra.

Liniane Brum diz, que depois de publicar o livro, começou a ser procurada por antigos militantes ou pessoas que de alguma forma passaram por situações semelhantes com familiares vítimas da Guerrilha do Araguaia. Ela conta que, por meio de veteranos do PCdoB como o ex-deputado federal José Genoíno (condenado na semana passada no Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão), ficou sabendo que seu tio era um “aglutinador”, que fazia uma preparação teórica e ideológica de novos militantes.

“Quem não nutre uma simpatia pela esquerda tem até uma resistência ao meu livro no início. Mas a obra não se restringe à política e foca na busca por um desaparecido”, alerta a escritora.

Lançamento dos livros:

Antes do Passado – O Silêncio Que Vem do Araguaia, de Liniane Haag Brum (272 páginas, Arquipélago Editorial, 39 reais) e Guerrilha do Araguaia – A Esquerda em Armas, de Romualdo Pessoa Campos Filho (340 páginas, Fundação Maurício Grabois & Anita Garibaldi, 40 reais)

Data: Hoje, às 19 horas

Local: Fnac do Shopping Flamboyant (Av. Jamel Cecílio, nº 3.300,  Jardim Goiás)

Fonte: O Popular