O preconceito com quem não crê em Deus

“A necessidade de acreditar em um ser do além acompanha o homem desde os primórdios. Esta ideia nos é imposta como uma necessidade básica”.

 

Imagine a cena: um mendigo pede esmola no semáforo e recebe o dinheiro de uma pessoa. O pedinte agradece dizendo “Graças a Deus”!. “Obrigado, mas sou ateu”, responde o doador. Sem pestanejar, o mendigo devolve o donativo, deixando seu ofertante atônito. O episódio pode parecer insólito, mas é um exemplo de situações constrangedoras vividas por aqueles que se assumem ateus. Clique na imagem para ver galeria de fotos

 
Segundo uma pesquisa de 2008 da Fundação Perseu Abramo, esse grupo desperta repulsa e ódio em 17% da população e antipatia em 25%. Ou seja, 42% dos brasileiros tem aversão a ateus. No Nordeste, esse índice chega a 51%. Já uma pesquisa encomendada ao CNT/Sensus, a pedido da revista Veja em 2007, mostrou que 59% dos brasileiros não votariam em um ateu. 
 
“Pessoas são abandonadas pelo cônjuge por se declararem ateias. Algumas não são contratadas por causa do ateísmo, outras são despedidas. Há casos até de agressão dentro de casa, como um garoto de 12 anos do Paraná que se recusava a fazer o sinal da cruz e o pai o agredia com a ajuda da mãe. Sei que logo depois disso tiraram o acesso à internet dele”, diz o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), o engenheiro civil Daniel Sottomaior, 41 anos.
 
Foi com o intuito de combater este preconceito que a associação foi criada em 2008. Com sete mil membros, 200 mil fãs no Facebook e oito mil no Twitter, a Atea tem foco no ativismo, interesse na laicidade do Estado e respeito a quem não acredita em divindades. A página da associação na internet divulga casos de preconceito, mas a associação tem tido dificuldade em levar as denúncias à frente principalmente por causa do medo e do sentimento de culpa das vítimas. “Temos que estimular as pessoas”, afirma o presidente que recebe entre 5 e 10 denúncias por mês.
 
De acordo com o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil existem 15.335.510 de pessoas, das quais 486.914 são goianas. Entretanto, os números são incertos, já que o IBGE não utiliza o termo “ateus”, mas sim “pessoas sem religião”, o que inclui os agnósticos, aqueles que tem dúvidas sobre a existência de Deus.
 
Pressão social
 
Para a professora mestre da Universidade Federal de Goiás (UFG), Gisele Toassa, 34 anos, há uma repressão muito forte por parte da sociedade contra aqueles que se assumem ateus. “Esse é um termo pejorativo inventado pela Igreja, que foi atribuído a pessoas que não acreditam em Deus”, critica. Nascida em uma família católica, ela conta que foi na faculdade que suas concepções começaram a mudar. “Foi vital à minha formação. Na instituição, tive acesso a outros grupos, ao conhecimento da ciência que me fez negar a existência de Deus”. 
 
A professora conta que já sofreu discriminação, mas que aprendeu um método eficaz e hoje não sofre mais. “Eu mostro as contradições, devolvo as perguntas por que eu conheço muito bem a Bíblia, e por isso mesmo eu a nego. Não faço uma critica tola, mas sim fundamentada.”
 
O historiador Clovis Matos, de 57 anos, lembra que os pais não viram com bons olhos o seu afastamento da Igreja. “Por eles serem católicos cheguei a fazer primeira comunhão, mas desde aí já não tinha convicção da presença de Deus. Não se trata de acreditar ou não, é saber que esta figura tão idolatrada não existe”, enfatiza.
 
Estado laico
 
No Brasil, o ensino religioso faz parte do currículo de escolas públicas e particulares. Para o cirurgião dentista José Augusto Milhomem da Mota, 48 anos, essa prática é inconstitucional, já que o Estado se diz laico. “Não tenho nada contra a religião, desde que ela fique no seu domínio. A pessoa deve escolher quando tiver entendimento para tal, e não goela abaixo. Estão querendo fazer lavagem cerebral com as crianças”. 
 
O historiador Clovis Matos enxerga essa prática com mais severidade. “Vejo-a de forma mais ditatorial possível, já que a religião é uma escolha e não uma disciplina escolar. Não a aceito nem em escolas comandadas por religiosos. Nem todos que estudam nestas escolas estão ali procurando Deus e sim conhecimentos gerais”, reflete.
 
Daniel Sottomaior acha que a religião deveria ser escolhida pelas pessoas depois de um tempo mínimo. “A religião deveria ser como a bebida alcóolica, liberado só na maioridade, depois dos 18 anos, quando a pessoa já tem um senso mais crítico”. Ele também encara com extremo rigor a influência dos pais neste processo. “Os pais doutrinam as crianças. Não existe criança religiosa, assim como não existe criança marxista. Ela sofre um estupro intelectual, é uma vítima que não tem como se defender, não sabe o que é certo ou o que é errado”.
 
Visão de mundo
 
Muitos devem se perguntar em que os ateus e agnósticos acreditam, já que não há Deus para eles. “Acreditamos na natureza com base na vida e não em Deus. A ideia de que o universo foi criado é uma ideia religiosa”, responde Gisele Toassa. O historiador Clovis Matos faz coro com a professora. “Os maiores cientistas do mundo ainda não conseguiram provar o início de tudo. Nem vão”.
 
Para Milhomem da Mota, a ciência é o principal referencial. “Existe a teoria do Big Bang para o início do universo e a de Charles Darwin para a evolução das espécies. O bom da ciência é que se você provar que tudo isto está errado, não haverá nenhum problema em mudar de opinião. O que não é possível é estruturarmos toda uma sociedade, em cima de uma coisa (Deus/religião) que não tem a menor base cientifica”, conclui.

Fonte: O Popular