Todo começo é difícil, mas há alguns que parecem ser mais complicados. O nascimento da Universidade Federal de Goiás, com todos os riscos que correu de não sair do papel, é um desses casos. Ficou famosa a história do primeiro reitor da instituição e um de seus fundadores, o professor Colemar Natal e Silva, literalmente correr atrás de Juscelino Kubitschek e de seu ministro da Educação para que o decreto da criação da UFG fosse assinado, no apagar das luzes do governo JK, antes que Jânio Quadros, que já havia se posicionado contrário à instalação de uma universidade federal em Goiás, tomar posse, em 1960.
Uma das unidades da instituição pode testemunhar, como poucas, os percalços do início e o desenvolvimento que se seguiu no meio século que viria. O curso de Letras da UFG comemora esta semana 50 anos de existência, com direito a lançamento de um livro que conta sua história e a inauguração de um novo prédio.
A obra 50 Anos de Letras na UFG – Um Projeto em Construção (Cânone Editorial), da professora Vera Maria Tietzmann, será lançado hoje, às 20 horas, no Espaço Cultural da UFG, na Praça Universitária. Nele, ela faz um amplo apanhado dos episódios, dificuldades e conquistas da unidade nesse meio século de existência. “Eu fui testemunha ocular de boa parte dessa história, já que dei aula na Faculdade de Letras durante mais de 30 anos”, afirma.
A obra indica que caminhos foram trilhados pelo curso de Letras que o fizeram ser uma das grandes referências na cultura e na educação do Estado. Nessas cinco décadas, as contribuições da unidade nesse sentido foram enormes, da formação de gerações de professores que lecionaram e lecionam em escolas e universidades públicas e privadas de Goiás à pesquisa de um sem-número de autores e livros em níveis de graduação e pós-graduação, além de uma forte presença, também, na extensão e em projetos interdisciplinares.
“Este livro é fruto de um projeto de pesquisa que eu coordenei por muitos anos, mas que acabou tendo alguns contratempos. A ideia original era a de fazê-lo para os 40 anos do curso de Letras, mas não foi possível”, conta Vera Tietzmann. “No início, eu havia pensado em elaborar um livro que contivesse a contribuição de várias pessoas que viveram o curso em diferentes momentos de sua história. Pedi textos a companheiros e ex-companheiros de faculdade, como também a ex-alunos, em que dessem, num formato mais cronístico, o testemunho de suas vivências na unidade, mas a adesão não foi tão grande assim. Recebi poucos textos como resposta.” Foi quando, numa conversa com a professora Maria Zaíra Turchi, atual presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás, Vera foi aconselhada a mudar o perfil do trabalho.
OUTRO FOCO
A sugestão foi aceita e a professora, que é uma referência nacional em estudos de literatura infanto-juvenil, já tendo sido agraciada com o Prêmio Jabuti – o mais importante da área no Brasil – por um de seus livros, mudou o foco de apuração. “Resolvi eu mesma contar essa história, dividindo-a em capítulos, cada um contemplando uma década. Ouvi muita gente para isso. Cheguei a propor um encontro entre ex-alunas da primeira turma do curso e fiquei lá, escutando e tomando notas de suas histórias”, recorda.
Ela, que queria fazer uma coletânea de textos que trouxessem a memória sentimental de quem passou pelo curso, acabou elaborando um livro diferente, mas que respeitou muito esse espírito. “Evitei fazer um relatório porque isso é muito chato, ninguém lê. Coloquei um pé na narratividade para contar uma bonita história.”
Estrutura inicial era precária
Diomicio gomes
Novo prédio da Faculdade de Letras será inaugurado na quinta
Segundo Vera Tietzmann, o período mais dramático para a Faculdade de Letras da UFG foram seus 20 primeiros anos, quando não contava nem mesmo com uma sede própria e a estrutura, como um todo, era capenga. “Ela chegou a funcionar em um sobrado na Rua 20, no Centro, e na Faculdade de Engenharia, na Praça Universitária. Nessa época houve episódios engraçados”, realça Vera. “O curso de Engenharia era eminentemente masculino e o curso de Letras, feminino. Os alunos da Engenharia, vendo aquela invasão, começaram a implicar com as meninas, a fazer brincadeiras, a pregar peças nas moças.”
Apenas na década de 1970 o curso, ainda sob a égide do extinto Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), ganhou prédio próprio. Um edifício que, com o tempo, também ficou pequeno, dada a quantidade de aulas e projetos que são levados adiante em suas instalações.
CONFRATERNIZAÇÃO
Na quinta-feira, a UFG fará uma grande confraternização para inaugurar o segundo edifício da Faculdade de Letras, ao lado do original. O mais antigo ganhou, recentemente, o nome de Cora Coralina. O novo prédio será batizado de Bernardo Élis. Uma homenagem justa a autores que nunca deixaram de frequentar este espaço dedicado às letras.
Sem a unidade da UFG e suas pesquisas, talvez o alcance da obra destes dois autores goianos, assim como de outros – José J. Veiga, Gilberto Mendonça Teles, Hugo de Carvalho Ramos, Marieta Teles Machado –, não seria tão amplo como é hoje. Por meio de suas aulas na graduação, dos projetos de pesquisa de professores e alunos, das dissertações e teses defendidas na pós-graduação, a hoje Faculdade de Letras da UFG, que começou como uma parte da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da universidade, se consolidou como uma referência.
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Referência nacional
Ao longo do tempo, a Faculdade de Letras da UFG se destacou em alguns aspectos:
■ A unidade é referência nacional em estudos de literatura infanto-juvenil. Com projetos como o Primeiros Voos, que trouxe a Goiânia autores do porte de Lygia Bojunga, Ana Maria Machado e Marina Colasanti para debater suas obras, a unidade tem estimulado, cada vez mais, publicações na área, como estudos sobre Monteiro Lobato.
■ Outro campo em que a faculdade é referência nacional é o do estudo de línguas indígenas. Poucos lugares do País têm pesquisas tão avançadas nesta área, recuperando dialetos, pesquisando fonéticas e a semiologia de línguas raras, quando não praticamente mortas. Há projetos da faculdade em parceria com o Museu Antropológico da UFG.
■ O Centro de Línguas da UFG, mantido pela Faculdade de Letras, é um dos projetos de extensão mais populares da universidade. Com preços subsidiados, em que os alunos fazem apenas um pagamento semestral pelo curso, são dadas aulas de vários idiomas, como inglês, francês, espanhol, italiano e até libras. Além de atender a comunidade estudantil e o público em geral, o projeto também serve de estágio para os futuros professores formados na faculdade. A demanda é tão grande que o novo edifício da faculdade teve de ser construído também para abrigar o crescimento do Centro de Línguas, que funciona desde 1995.
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Ao mestre Egídio Turchi
Walter Alves
Egídio Turchi: homenagem ao fundador do curso de Letras
A professora e escritora Vera Tietzmann dedica o livro 50 Anos de Letras na UFG a um dos principais personagens dessa história vitoriosa. “Não poderia deixar de homenagear o professor Egídio Turchi. Sem ele, a história da faculdade seria diferente.” Foi um telefonema de Colemar Natal e Silva que fez o professor Egídio desistir de deixar Goiânia, com toda a família, rumo a Brasília, onde já havia um emprego lhe aguardando.
“O Colemar o convenceu a ser o primeiro diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFG, que estava sendo criada. Financeiramente nem era algo vantajoso para o professor Egídio, mas ele sentia tanto prazer no que fazia que aceitou”, relata a autora. Com uma boa dose de idealismo, Egídio, que já era conhecido no meio docente de Goiânia por ter dado aulas em vários colégios da capital, encarou o desafio de fundar um dos cursos que baseariam a nova universidade.
Não foi uma tarefa das mais simples, mas Egídio era um homem que gostava de superar barreiras. Imigrante italiano, chegou ao Brasil no início dos anos 1930, aos 10 anos de idade, com toda a família. Antes de vir para Goiânia, onde chegou em 1944, morou em Cuiabá. Culto e muito simpático, Egídio, que morreu em setembro do ano passado, aos 91 anos de idade, foi minando as resistências em torno da criação da nova faculdade.
Em entrevista reproduzida no livro de Vera Tietzmann, ele lembra que ninguém era contrário à instalação da nova unidade e sim que ela ocorresse naquele momento específico. Segundo ele, essa resistência se dava porque os recursos da nova universidade tinham de ser divididos entre os outros cursos pioneiros, que eram Direito, Engenharia, Farmácia e Odontologia, Medicina e Música. Esses empecilhos foram contornados e o curso começou a funcionar, primeiro com alguma modéstia, depois se posicionando como um dos mais prestigiados da UFG.
Lançamento do livro: 50 Anos de Letras da UFG – Um Projeto em Construção (Cânone Editorial), de Vera Maria Tietzmann
Data: Hoje, às 20 horas
Local: Centro Cultural UFG, Av. Universitária, nº 1.533, Setor Universitário
Mais informações: 3209-6251