Oitenta anos depois...

Pesquisa sobre transferência da capital para Goiânia revela detalhes pouco conhecidos da mudança, mostrando que Pedro Ludovico impôs sua vontade

As suspeitas sobre as reais circunstâncias em que se deu a transferência da capital do Estado da cidade de Goiás para Goiânia, o centro urbano construído no meio do Cerrado, não são novas. Elas sempre existiram e colocavam em dúvida as versões mais aceitas de que tudo se deu democraticamente, observando critérios técnicos. Uma tese de doutorado defendida recentemente no Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da UFG vem polemizar ainda mais a questão.

O trabalho, do promotor de Justiça Jales Guedes Coelho Mendonça, defende que a escolha do município onde Goiânia foi construída – no caso, Campinas, localidade que depois tornou-se bairro da capital – foi uma escolha pessoal do interventor Pedro Ludovico Teixeira e não fruto de debate técnico, versão vendida à época e repetida posteriormente.

“Pedro Ludovico nomeou uma comissão que, oficialmente, escolheria o local em que Goiânia seria construída”, informa Jales. “Mas há muitas evidências de que essa comissão foi constituída apenas para dar legitimidade a uma escolha que já havia sido feita anteriormente.” Na tese, o promotor expõe vários dados que levam a esta conclusão. Artigos de jornais, entrevistas em que a decisão já tomada transparece e relatórios da própria comissão denotam que Pedro Ludovico impôs sua vontade, motivado por questões muito mais políticas que técnicas.

A comissão de oito membros que cuidaria da mudança foi nomeada em 20 de dezembro de 1932 e seu presidente, o então arcebispo de Goiás, d. Emanuel Gomes de Oliveira, tomou posse em 3 de janeiro de 1933. D. Emanuel, aliás, teria participação central nos episódios seguintes.

Debate

O debate sobre a transferência da capital chegou aos anos 1930, em certa medida, já amadurecido. Tentativas anteriores haviam sido feitas. Ainda no Império, o governador da província, Marcos de Noronha, o famoso Conde dos Arcos, sugeriu como capital o Arraial de Meia-Ponte, atual Pirenópolis. Em 1830, Miguel Lino de Morais, segundo governador de Goiás na era imperial, propôs a mudança para Água Quente, hoje Estado do Tocantins.

Couto de Magalhães, presidente da província entre 1863 e 1864, um entusiasta do projeto fluvial no Rio Araguaia, defendeu a mudança para a atual Aruanã. A revolução de 1930 e a estigmatização do poder do grupo político dos Caiado, então dominante, deu novo impulso à ideia. “Havia um sentimento contrário a Vila Boa, que parte do Estado via como único destino dos investimentos. Daí a ênfase em tirar o poder de lá”, diz Jales.

De acordo com o pesquisador, Pedro Ludovico, interventor no Estado nomeado por Getúlio Vargas, percebeu que o projeto da transferência seria uma boa oportunidade de marcar sua administração e esvaziar o poder de seus desafetos políticos. Além disso, o fundador de Goiânia, mesmo tendo nascido na cidade de Goiás, tinha como base política o sudoeste goiano, sobretudo Rio Verde, que rivalizava com a antiga capital. A região se sentia desprestigiada pelos Caiado.

Fonte: O Popular