“Precisamos ouvir as demandas da área”

Planejamento, parcerias e transparência. Este é o tripé com o qual pretende trabalhar a nova secretária de Cultura de Goiânia, Glacy Antunes, em suas próprias palavras. O nome da professora titular da Universidade Federal de Goiás foi anunciado oficialmente pelo prefeito Paulo Garcia na sexta-feira, junto com a maior parte do novo secretariado da capital, embora, conforme apurou O POPULAR, estivesse definido e confirmado desde o final do ano passado. Ela substitui o maestro Joaquim Jayme, que assumiu o cargo interinamente em março de 2011, após afastamento de Kleber Adorno, à frente da pasta de 2005 a 2012 e afastado após virem à tona denúncias de corrupção na pasta.Pianista, doutora em Música e figura atuante na cena musical goianiense, Glacy aceitou o convite em um das raras vagas em que houve indicação técnica, já que ela não tem qualquer ligação político-partidária. Glacy atendeu com prontidão o convite, com certa intimidade com trâmites da Secretaria Municipal de Cultura (Secult Goiânia), já que foi por duas vezes coordenadora do Festival Internacional de Artes Cênicas -- Goiânia em Cena, ainda na administração de Kleber Adorno. Esta, no entanto, é a primeira vez que assume cargo diretivo no Poder Executivo.Na entrevista a seguir, concedida momentos após o anúncio de seu nome, a nova secretária traça um panorama do que acredita encontrar nos próximos dias assumindo a secretaria, cujo suposto esquema de beneficiamento de empresas e desvio de dinheiro durante a administração Adorno ainda está sob análise na Justiça.

 

Embora tenha experiência no serviço federal na UFG, esta é sua primeira vez no Poder Executivo. O que espera?

Sinto que a pasta da Cultura não tenha tido um plano determinado. Precisa de planejamento. E eu gostaria de trabalhar com pessoas que atuem diretamente na área. Além disso, precisamos de parcerias, muitas. A Cultura abraça a cidade inteira, não pode ser restringir a somente um setor. Serão parcerias com as universidades, Sesi, Sesc, Senai, pontos de cultura, para que o trabalho seja efetivo. E tem de ter transparência. Uma das queixas grandes da área é que não tem havido transparência na Secult. Eu não sei ainda quais são as verbas para a Lei de Incentivo, do Fundo de Cultura e do orçamento da própria secretaria. Mas tudo estará no site da Secretaria de Cultura, que aliás precisa ser feito. E, além de tudo, sinto que a gente precisa ouvir as demandas da área, trabalhando com o Conselho Municipal de Cultura. A legislação, por exemplo, necessita de revisão e ainda precisamos de uma inserção positiva no Sistema Nacional de Cultura.

 

Uma das questões que sempre foram problemáticas na Secult foi a falta constante de nomes técnicos nos cargos diretivos, que deveriam ter conhecimento do que fazem. Haverá indicações políticas internas?

O prefeito disse que o plano que eu trouxer ele vai examinar com o maior cuidado, que vou ter toda a atenção e que vou poder escolher a minha equipe. Precisamos, por exemplo, de um advogado que também conheça profundamente a legislação ligada à cultura. Precisamos de técnicos, pessoas da área trabalhando. Claro que, em algumas funções, precisamos de alguém forte de finanças, de administração e esses serão especialistas da área. Mas para a divisão de Ação Cultural, para o gerenciamento dos espaços culturais, quero buscar especialistas da área.

 

A senhora já pensou em nomes?

Não. Desde que o prefeito conversou comigo, eu, claro, comecei a cogitar, mas não defini. Eu sabia que ele estava enfrentando um desafio indicando um nome técnico para a Cultura e acho que demonstrou coragem ao indicar alguém da área. Por isso, tenho uma expectativa muito positiva.

 

A senhora falou sobre algumas preocupações que ele apresentou sobre a área. Ele chegou a definir o quê?

Ele crê e concorda comigo que a cultura é a grande integradora da comunidade. Imagine que ele acabou de indicar várias secretarias novas. Todas elas têm de trabalhar em parceria com a Cultura. A Educação, por exemplo. A pasta tem de ter atividades integradoras e ele parece pensar assim.

 

A senhora já trabalhou em parceria com a Prefeitura de Goiânia, pela UFG, no Goiânia em Cena (festival de teatro), um dos eventos da Secult envolvidos nas denúncias de suposto esquema de desvio de dinheiro. Por isso, conhece bem a situação. Como espera enfrentar este desgaste?

Olha, é uma situação extremamente delicada. Perguntei ao prefeito, no dia em que conversamos, se poderia providenciar os últimos pagamentos do Goiânia em Cena 2011. É um dos compromissos que terei, já que fui coordenadora. Os fatos foram muito desgastantes e prejudicaram enormemente o desenvolvimento das atividades culturais da cidade. Hoje eles estão entregues a organismos e instituições competentes, que estão procedendo a julgamentos e avaliações. Creio que cabe à nova gestão primeiro assumir essa responsabilidade. E, principalmente, resgatar a imagem da secretaria. Quero pensar daqui para frente, sem esquecer que os problemas anteriores são nossos também.

 

Como resgatar essa imagem diante de uma categoria artística que não confia mais na secretaria?

Se alguém perguntar qual é minha característica, digo que é conversar. Gosto de ouvir. Preciso ouvir para me posicionar. Um das primeiras providências que farei é chamar representantes de várias linguagens artísticas e discutir como veem a situação. Temos de rever, verificar quais eventos serão realmente realizados e realizá-los com qualidade e sem dívidas.

 

A senhora citou o Goiânia em Cena. O Festcine já não foi realizado no ano passado e neste já não haverá também o Goiânia Canto de Ouro dentro do período normal (janeiro a março). O calendário de eventos permanece?

Talvez algumas reformulações sejam necessárias, mas penso que alguns desses eventos já fazem parte do calendário da cidade. O Goiânia em Cena é muito forte e atingiu um nível internacional, que fomos perdendo diante dos últimos acontecimentos (refere-se ao atraso de pagamento dos artistas e grupos locais e de fora). Acho que eles têm de ser repensados e fortalecidos. O Festcine é uma pena que não tenha acontecido. O Canto de Ouro foi um projeto tão bonito enquanto foi desenvolvido. Sobre a Revirada Cultural, não achei que tenha sido bem realizada. Temos de pensar. Acho que a secretaria não tem de realizar muitos eventos. Ela tem de escolher alguns e bem realizá-los, mas a função principal está em apoiar o que os grupos locais fazem. Acho que a gente tem que ter mais editais da Lei de Incentivo à Cultura, para a cultura produzida em Goiânia ser valorizada e divulgada.

 

O Goiânia Canto de Ouro tem chances de ainda ser realizado neste ano?

Eu acho que ele foi dos melhores já desenvolvidos na secretaria. Eu gostaria de realizá-lo sim, o ano está só começando. E penso que ele tem de ser ampliado e ser levado para outros lugares da cidade e não ficar somente preso ao Goiânia Ouro. Esses artistas precisam ser divulgados, porque os nossos sertanejos já são muito divulgados pela televisão. Sei que temos de corrigir coisas do passado, mas também ir realizando o futuro. Se não, vamos ficar dois anos só resolvendo problemas.

 

Estamos falando de um sistema público de financiamento cultural que perdeu muito de sua credibilidade. Será possível tê-la de volta?

Será um grande desafio. Temos de pensar bem na comissão que analisa os projetos inscritos. Eu não sei legalmente com está, quem foi nomeado, como podemos mexer nela, mas eu gostaria que essa comissão tivesse mais de um representante por área e que os assuntos fossem mais bem discutidos. Acho também que o processo da lei de incentivo está fora da contemporaneidade. Você vê que todos os grandes projetos em editais nacionais são todos feitos pela internet. A documentação não pode ser a coisa principal do projeto. Ela é necessária para execução do projeto, mas deve haver uma análise de mérito dos projetos. Eles têm de ser apresentados de outra forma e não com tanto papel.

 

Um dos pontos que assustou seu antecessor, o maestro Joaquim Jayme, ao assumir a secretaria há dez meses, após a saída de Kleber Adorno, foi a quantidade de servidores lotados na pasta: 720 funcionários, segundo ele. A secretaria muitas vezes chegou a ser classificada como “cabide de empregos”. O que pensa fazer em relação a isso?

Imagino que trabalhando seja somente 10% disso. Eu não sei ainda o que fazer. Temos que tomar pé da situação. Há profissionais muito capacitados no Centro Livre de Artes, que precisa funcionar como um centro de educação artística realmente. Temos o Museu de Arte de Goiânia, com um acervo fantástico e que precisa ser compartilhado com a sociedade. Temos uma Orquestra e Coro (Sinfônicos) de grande qualidade, que podem prestar um serviço muito grande para a comunidade. Temos o Goiânia Ouro, o Grande Hotel, o antigo Palácio da Cultura (na Praça Universitária), onde há uma exposição de escultura ao ar livre que precisa ser vista imediatamente. É possível que a gente precise dos 720 funcionários, mas primeiro eu tenho de localizá-los, ver o que cada um faz e saber por que estão na secretaria, qual sua especificidade. E que trabalhem.

 

A Cultura historicamente fica relegada a segundo plano e não foi diferente durante a campanha de reeleição do prefeito Paulo Garcia. A senhora acredita que isso dificulta a vida da pasta?

Eu notei no prefeito um interesse em valorizar a Cultura. Sou representante da área, por ser artista. Cabe a mim evidenciar para ele os problemas e fazer com que ele a veja como necessidade que é. Espero que a Cultura da nossa cidade impressione o prefeito, a ponto de fazer dela um carro-chefe da administração dele.

 

A senhora já planejou qual será seu primeiro ato como secretária?

Ainda não. Eu estava esperando o prefeito confirmar a indicação, embora ele tenha feito o convite com segurança. Mas espero fazer o quanto antes um mapa da secretaria para saber como está. Gostaria de fazer bem rapidamente e se for preciso paralelamente como outras ações. Também gostaria de conversar com o maestro Joaquim Jayme, meu particular amigo, para saber como ele viu essa administração lá e seguir em frente.

Fonte: O Popular