Ebooks ainda longe de conquistar os brasileiros

Altos preços e escassez de títulos é barreira para crescimento do mercado. 45% da população desconhece novidade, diz pesquisa

 

Demorou, mas elas chegaram! Quase simultaneamente, as livrarias da Amazon, Google e Apple começaram suas vendas no Brasil com a promessa de alavancar o mercado de livros digitais no país. Mas, qual será o impacto na leitura do brasileiro com a possível popularização do ebook?
Nos Estados Unidos, o maior consumidor de tablets e e-readers do mundo, as pessoas que possuem o aparelho estão lendo mais do que aquelas que leem apenas livros impressos. Segundo a pesquisa do Pew Internet Project, os leitores digitais consumiram, em média, 13 títulos por ano, contra seis de papel. 
De acordo com o professor de Comunicação da UFG (Universidade Federal de Goiás), César Viana, o sucesso dos livros digitais se deve aos diversos recursos que eles oferecem. “Você tem a possibilidade de não só virar páginas, mas de entrar profundamente dentro dos tópicos que você queira dentro do próprio e-book. Você sublinha, marca, vai de um capítulo a outro só com um clique e aí surgem novas formas de literatura, de escrita e até outras maneiras de lidar com o livro”, explica. 
O ebook também é acessível em vários dispositivos como tablets, computadores e smartphones, pode ser atualizado remotamente e é de fácil distribuição, elementos que podem ajudar a formar um novo público leitor. “Ele não tem frete e você consegue baixar na hora sem nem precisar ir à livraria. Temos aí uma nova oferta que pode alcançar um público muito maior”, completa Erick Cardoso, editor de livros digitais da Editora Globo.
Mas a popularização dos livros digitais está diretamente relacionada com a adesão a novas tecnologias e, no caso dos ebooks, ao seu expoente mais luxuoso: o tablet. O aparelho conquistou as classes A e B brasileiras ao proporcionar não só a leitura, mas uma série de recursos como acesso a internet e aos aplicativos. 
Só no último semestre de 2012 foram vendidos 52,5 milhões de tablets no Brasil, segundo um levantamento feito pela International Data Corporation (IDC). 
Para este ano, a previsão é de que sejam vendidas mais de 5,4 milhões de unidades. “Temos relatos de alguns editores que, entre novembro e dezembro de 2012, viram as vendas de seus e-books mais do que duplicarem. Claro que esse número se deu sobre uma base pequena, mas essas rápidas mudanças indicam que quanto maior for a oferta de títulos e equipamentos, mais acelerado será o processo de digitalização do mercado editorial brasileiro”, acredita a presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Karine Panso. O outro lado
Apesar do otimismo do setor, algumas dificuldades estruturais do mercado brasileiro podem dificultar a entrada dessa nova tecnologia no país. 
Pouco acesso a internet, conexão lenta e de má qualidade, altos preços dos aparelhos e livros, além da falta de títulos em Português são os principais desafios das editoras e livrarias. 
Por isso a expectativa no Brasil é que os e-books não tragam um impacto na leitura do brasileiro, de imediato. “A tendência é de que o mercado cresça e se consolide nos próximos anos. Mas não acreditamos que o livro digital ultrapassará o impresso no Brasil em curto prazo, até porque temos um consumo ainda bastante baixo se comparado com outros lugares do mundo. Acreditamos que ambos os mercados devem crescer em paralelo nos próximos anos”, defende Karine. 
A presidente da CBL diz ainda que a entrada de mais editoras nesse segmento poderá ampliar o número de títulos disponíveis nesse formato. 
Mas para o editor de livros digitais, a principal dificuldade ainda está na liberação dos direitos autorais, já que as negociações das obras mais antigas não previam o acesso digital.
Já em relação aos altos preços dos ebooks, Cardoso se defende e afirma que, pelo menos na editora em que trabalha, há uma política de redução no valor de, no mínimo, 30% em relação ao preço das versões impressas. 
Além disso, o editor afirma que é necessária uma conscientização do leitor quanto aos custos da edição de um livro digital. “Se esse valor for diminuído haverá perda da qualidade da publicação”, argumenta.
Karine complementa que os preços desproporcionais estão relacionados à pouca demanda e a outros tipos de custos dos ebooks . “Com o crescimento do consumo desses produtos, a tendência é a redução do preço. E, embora não haja os custos de impressão e distribuição no livro digital, permanecem os custos relativos aos direitos autorais, produção, marketing e divulgação, além do surgimento de novos custos, como a necessidade da criação e manutenção de departamentos mais parrudos de TI pelas editoras.”
Contudo, depois de dois meses da abertura das grandes livrarias internacionais no Brasil, os preços continuam altos e os títulos, escassos. 
Sem concorrência ou disputa verdadeira entre as editoras, os leitores continuam mais atraídos pela facilidade e novidade do produto do que propriamente com a economia que ele proporciona em outros países.

Impactos negativos

A popularização dos livros digitais nos Estados Unidos teve outra consequência: o fechamento de algumas livrarias, inclusive da Borders, a segunda maior rede americana. 
No Brasil, o crescimento no consumo de e-books também poderá trazer reflexos para esse mercado, mas a presidente da Câmara Brasileira de Livros, Karine Pansa, não trabalha com a possibilidade de um impacto negativo. 
Para ela, todos os segmentos do mercado terão de se adaptar às mudanças. “Nos EUA, a Barnes & Noble, por exemplo, lançou seu próprio e-reader para competir com o Kindle, da Amazon. Claro que não descartamos que algumas lojas físicas possam ser fechadas, mas é importante lembrar que a tendência de crescimento do e-commerce não está vinculada exclusivamente ao mercado editorial. Hoje, as pessoas estão comprando de tudo pela internet”, ressalta. 
Esse novo modelo de negócios tem obrigado as livrarias a buscarem alternativas para se adequarem às tendências do setor, afirma o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Francisco Edmi­lson Xavier Gomes. 
Na opinião dele, entretanto, o impacto dos ebooks no Brasil será bem menor do que nos Estados Unidos, por conta das diferenças entre os leitores desses países. “Lá há uma adesão muito forte em relação ao livro digital, mas é em função de um mercado que consome, em média, 18 livros per capita por ano. Então o impacto é diferente de inserir o ebook numa cultura onde os índices de leitura são sofríveis, como é o nosso caso.”

Adesão do governo

O governo federal incluiu, pela primeira vez, os ebooks no edital de seleção de livros didáticos do Ensino Médio para o ano letivo de 2015. A iniciativa vai de encontro ao Programa Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo), que prevê a distribuição de tablets para estudantes da rede pública brasileira. 
De acordo com o edital, não serão aceitos livros digitalizados simples, sem recursos multimídia. Eles devem trazer o mesmo conteúdo que o impresso integrado a “objetos educacionais digitais”, como vídeos, imagens, áudio, gráficos, jogos, entre outros. 
Todos os ebooks também deverão ser convertidos para o formato Daisy, que adapta o conteúdo para os deficientes visuais. Contudo, o MEC ainda demonstra cautela na adesão a essa nova tecnologia, já que os ebooks devem vir acompanhados de uma versão impressa, com o mesmo ordenamento de páginas do livro digital e indicar, através de ícones, os trechos de conteúdo multimídia. 
A ideia é de que o livro tradicional possa, sozinho, ser suficiente para o aprendizado do aluno. Karine Panso, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), defende que não existe motivo para este receio. “As editoras brasileiras têm investido cada vez mais na capacitação de suas equipes e em soluções tecnológicas para atender a esta nova demanda. Do ponto de vista do setor editorial, a adesão do governo ao livro digital é uma boa notícia, pois deve tornar este novo segmento viável economicamente.”
Segundo ela, os ebooks podem trazer inúmeras vantagens, como a redução dos gastos do governo com a distribuição e a possibilidade de atualizações remotas do conteúdo, já que os livros técnicos e didáticos estão constantemente em revisão.
O professor César Viana também comemora a iniciativa. Ele acredita que atualmente a alfabetização digital é tão importante quanto a audiovisual. 
Além disso, os ebooks proporcionam vantagens ecológicas e podem aproximar os estudantes brasileiros da realidade educacional de países mais desenvolvidos. “E nós estamos muito atrás na educação e precisamos acompanhar o passo que os asiáticos e americanos estão dando. O ebook nas escolas é o mínimo que podemos fazer nesse cenário que tanto precisa mudar no brasil.”

A opinião dos adeptos dos ebooks

Frederico Henrique Galves Coelho da Rocha, 28, sociólogo e professor 
Eu nunca gostei de ler em computador porque achava extremamente cansativo e a leitura não era produtiva. Como eu sou professor universitário e sociólogo, preciso ler muitos artigos em PDF e fica inviável imprimir tudo, além de não ser ecologicamente correto. Quando decidi comprar o e-reader estava pensando em aumentar a minha produtividade de forma prática. Por isso procurei um Ipad com tela de retina, que não cansa os olhos. Acho que a compra valeu a pena porque agora leio os arquivos digitais com mais produtividade. Com relação aos e-books, além do preço que, na maioria das vezes, é mais acessível, as possibilidades de conjugação de texto, imagens e sons tornam os produtos muito interessantes.”

Neli Barros Sousa Santana, 23, designer
Eu tenho um Kindle, modelo mais básico, e o outro da marca Wolder. Eu os comprei porque encontro muitos títulos, na maioria técnicos, gratuitamente na internet e não tinha onde ler. Depois que adquiri os e-readers passei a ler dois livros de uma vez, mas sempre preferi os impressos. Além disso, alguns ebooks não valem o preço cobrado e é comum um livro digital ter o mesmo valor do impresso. Acho que o valor abaixo de R$20 ainda é razoável, mas já vi e-books custarem entre R$30 e R$35. Eu entendo que esse valor não é só o produto em si e sim , o conteúdo que foi gerado por uma pessoa que merece ter o trabalho valorizado. Mas é preciso levar em consideração que não houve custo de reprodução física desse produto e essa economia precisa ser repassada ao consumidor”.

Elissandro Scarpato, 23, estudante de Publicidade
A vantagem do livro digital é que você consegue levar mais de um livro num dispositivo e ele proporciona mobilidade: eu posso ler em qualquer lugar! A facilidade em poder levar mais livros num aparelho, que pesa muito menos do que um livro de papel, me fez ler mais. Por isso, eu prefiro o livro digital. Contudo, ainda hoje é difícil encontrar livros acadêmicos e comprar é bem complicado porque faltam títulos. Os preços também dificultam; se compararmos aos praticados no mercado americano a diferença ainda é grande!”

Alliston Carlos Rosa Aleixo, 24, analista de sistemas
O que mais acho legal no livro digital é que você pode levar para qualquer lugar, sem se preocupar com o peso adicional. Você pode ter mais de 500 livros, uma biblioteca inteira, depende da capacidade da memória do seu e-reader. E eu passei a ler mais por causa disso.
Além disso, tem muitos títulos gratuitos disponíveis para download. O ruim é que tem algumas lojas vendendo o digital praticamente pelo mesmo preço que o impresso. O valor poderia ser menor, mas eu espero que em dois anos, no máximo, esse cenário já tenha mudado.”

 

Fonte: Tribuna do Planalto