Fumo ainda mais devastador

Cigarro pode matar 1 bilhão de pessoas no século 21. São 5,4 milhões por ano. Sem medidas de controle, número deve aumentar para 8 milhões até 2030, muito mais do que a soma das vítimas de tuberculose, malária e aids. Consumo avança nos países em desenvolvimento. Professor da Faculdade de Medicina da UFG diz que tabagismo é doença que precisa ser tratada

 

Embora o tabagismo seja comprovadamente pela ciência uma das principais causas globais de óbitos e enfermidades, o seu uso continua a aumentar, principalmente à custa do consumo nos países em desenvolvimento.
No mês passado, uma pesquisa divulgada pela Organi­zação Mundial de Saúde (OMS) revelou que se o número de fumantes não diminuir, o tabagismo pode matar 1 bilhão de pessoas no século 21, nos países em desenvolvimento, cujo grupo o Brasil faz parte.
O relatório aponta que somente 5% da população mundial vive em países que mantêm medidas abrangentes de controle do tabagismo, ficando, o restante, vulneráveis às agressivas estratégicas de marketing das grandes companhias transnacionais de tabaco.
E mais: O cigarro mata 5,4 milhões por ano no mundo, podendo aumentar para 8 milhões em 2030, o que é muito mais do que a soma das vítimas de tuberculose, malária e Aids, por exemplo.
Professor titular da Fa­culdade de Medicina da Univer­sidade Federal de Goiás (UFG), o pneumologista Mar­celo Fo­uad Rabahi é categórico ao afirmar que o tabagismo é uma doença como qualquer outra e como tal necessita de tratamento.
“O tabagismo é uma doença que precisa ser tratada, antes que as complicações apareçam. Por isso, as pessoas têm de buscar ajuda para parar de fumar”, reforça Rabahi.
Para o pneumologista, dados das políticas públicas de controle do tabagismo confirmam que elas têm surtido efeitos positivos. Segundo ele, no Brasil, nos últimos trinta anos, a prevalência caiu de 35% para 17%.
“Agora, como a população aumentou, temos ainda muita gente dependente. Quer dizer, 17% de 200 milhões, são 130 milhões de fumantes ainda no País. Esse índice é altíssimo, levando-se em conta que o tabagismo é nocivo tanto para os seus seguidores quanto para os fumantes passivos, que ocupam o terceiro lugar na lista de mortes evitáveis”, destaca.
O especialista explica que apenas um cigarro é capaz de reunir, aproximadamente, 5 mil substâncias tóxicas diferentes, muitas delas cancerígenas. E que embora os problemas cardiovasculares sejam a maior causa de mortes no mundo, o tabagismo está diretamente ligado às suas complicações.
O jornalista Hugo Oliveira começou a fumar quando cursava o Ensino Médio. Nesta época, ele tinha 16 anos. Há dois meses Oliveira abandonou o vício, porque percebeu que a sua saúde já dava sinais de algumas complicações.
Ele conta que após decidir se exercitar, que num primeiro momento foi em uma academia, sentia dificuldades de manter a respiração e a frequência cardíaca, o que piorou ao decidir praticar Muay Tai, uma luta tailandesa, que exige muito mais da condição física.
“Eu ia e saía da academia fumando. Não porque o cigarro faz falta, mas é pelo hábito, e esse, é difícil abandonar. Mas com a luta isso ficou quase impossível, porque a minha condição respiratória era ruim. Então, fui diminuindo o número de cigarros por dia, até conseguir deixar de vez, o que não foi fácil.”

O cigarro como a perigosa companhia

O fotógrafo Raniery No­gue­ira, 32, já passou metade de sua vida fumando. Ele conta que sempre achou o cigarro muito prazeroso e que pela sua atividade profissional, de trabalhar por várias horas de madrugada, o cigarro lhe é uma companhia.
Nogueira já tentou parar de fumar algumas vezes, mas não teve sucesso. Ele conta que não se sentiu frustrado por não ter alcançado o objetivo, como acontece com muitos fumantes, pois o sentimento sempre foi de que “se o cigarro lhe proporciona tranquilidade”, por que parar de fumar?
Porém, ele cita que como tem consciência de que os riscos para a sua saúde são grandes, até pelo tempo que tem como fumante, desde o início da Quaresma está sem fumar e, ago­ra, pretende deixar o vício de vez, com o apoio da mãe e dos amigos.
Raniery conta que nos primeiros dias ficou muito nervoso, sem sono e a todo tempo tinha um desejo incontrolável de fumar, mas está apostando na sua força de vontade pra ser um ex-fumante.
“Posso até estar sendo hipócrita, mas o que as pessoas precisam é de determinação para deixar o cigarro, e não de remédio. É vergonha na cara, mesmo.”
De acordo com o professor titular da Faculdade de Me­dicina da UFG, o pneumologista Marcelo Fouad Rabahi, a tomada de decisão é necessária, mas ela, por si só, na maioria dos casos, é insuficiente e pode gerar frustração.
Rabahi explica que ninguém tem o hábito de fumar. Isso é um mito. As pessoas fumam porque têm dependência, são viciadas, e muitos fumantes dificilmente conseguem parar, mesmo após serem diagnosticados com doenças crônicas respiratórias.
Isso porque a maior parte se enquadra no comportamento de adição, ou seja, que precisa do consumo diário do cigarro, em que a privação é um processo muito penoso.
O médico afirma que o desejo incontrolável de fumar é um dos sintomas de abstinência, que envolvem outros, como a irritabilidade, falta de concentração, ansiedade, impaciência, alteração de sono, e de apetite.
“Primeiro passo é a intenção e o segundo tem de ser o tratamento, porque o tabagismo é uma dependência que requer tratamento e abordagem como outra qualquer para se aliviar os sintomas, que podem causar traumas.”

Quanto antes, melhor
Conforme o pneumologista Marcelo Fouad Rabahi, os benefícios de parar de fumar o quanto antes são inúmeros, porque, após os 35 anos, aumentam-se os riscos de complicações, pela carga desfavorável de anos de tabagismo.  
Segundo Rabahi, hoje, conhecendo os mecanismos de dependência, tem como fazer intervenções específicas antes mesmo de amadurecer na pessoa a vontade de abandonar o cigarro, o que, em geral, acontece somente aos 40, 50 anos.
“Normalmente as pessoas esperam a doença chegar para ser fator motivacional para parar de fumar. A prevenção não pode ser secundária quando pode ser feita 10, 20 anos antes de aparecimento das consequências dos anos fumados.”
O médico enfatiza que os benefícios de deixar o tabagismo são inúmeros e o resultado pode ser observado rapidamente, com a diminuição da frequência cardíaca e pressão arterial.
“Até 72 horas normaliza-se a concentração de monóxido de carbono, com a melhora da função respiratória e da oxigenação dos tecidos. Num período de 10 anos, tem-se o benefício expressivo em risco de aparecimento de doenças neoplásicas, como o câncer”, reforça o médico.   
Quanto à maneira, se lenta ou de uma vez, Marcelo diz que depende da técnica para tratamento, porque a intervenção nada mais é do que diminuir os sintomas de abstinência.
Como na tentativa de parar de fumar a pessoa desencadeia vários sintomas desagradáveis, segundo o médico, é preciso estratégicas terapêuticas, como a de repor a nicotina por adesivos, por exemplo.
“Dependendo da estratégia, requer-se a parada abrupta ou devagar até parar, mais ou menos, em 3 semanas do uso de medicamentos específicos para o tabagismo.”

Saiba mais...

Tabagismo no mundoa O fumo é uma das principais causas de morte evitável, hoje, no planeta. Ele tira dez anos de vida de um fumante adultoa A OMS estima que um terço da população mundial adulta seja fumante e somente 5% vive em países que adotam medidas restritivas ao tabagismo• Nos países em desenvolvimento, os fumantes constituem 48% da população masculina e 7% da população feminina, nos países desenvolvidos a participação das mulheres mais do que triplica: 42% dos homens e 24% das mulheres• O cigarro mata 5,4 milhões por ano no mundo, podendo aumentar para 8 milhões em 2030

Leis antifumo no Brasil

Estimativas dos impactos das medidas sobre o tabagismo no País em 20 anos*  Entre 1989 e 2008, o tabagismo no Brasil praticamente caiu pela metade
* Em 1989, cerca de 43% dos homens e 27% das mulheres fumavam. Em 2008, esse número caiu para aproximadamente 23% e 14% respectivamente
* 46% da redução ocorreu por causa do aumento das taxas sobre os produtos derivados de tabaco
* 14% da redução veio em decorrência das leis de restrição do cigarro em ambientes fechados
* 14% da redução também é devido à restrição de publicidade desse tipo de produto
* 10% dessa queda se deve aos programas de tratamento contra o tabagismo
* 8% tem por causa das advertências dos problemas de saúde nas embalagens
* 6% da queda é em decorrência das campanhas na mídia contra o cigarro

Complicações do Tabagismo

* Riscos cardiovasculares
* Maior risco de tromboses em mulheres usuárias de pílula contraceptiva
* Afecções respiratórias
* Desenvolvimento de diversos tipos de câncer: do pulmão, da laringe, da garganta, do pâncreas, do rim (a urina fica ácida e isso pode provocar um câncer no rim).

Fonte: Tribuna do Planalto