Mais globais e mais regionais

Pode parecer contraditório – e talvez seja mesmo –, mas o mundo, ao mesmo tempo em que se globaliza, eliminando as barreiras para a comunicação entre pessoas e nações, também sente a necessidade de se apegar a elementos regionais que possam estabelecer vínculos de identidade. Com tal debate em mente, o antropólogo e professor Ruben George Oliven, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, proferiu a palestra Identidade e Região na manhã de ontem no auditório da Faculdade de História da UFG.

O evento, promovido em conjunto pelo POPULAR e pela Faculdade de História da UFG, integrou as comemorações dos 75 anos do jornal e repercutiu ainda a publicação da pesquisa Por Que A Gente É Assim, apresentada num caderno especial na edição de ontem e cujo conteúdo está disponível online.

Oliven disse que a questão da identidade se manifesta de formas diferentes atualmente, muitas vezes em movimentos separatistas, o que se vê em várias regiões da Europa, como a Catalunha, na Espanha. “Isso mostra a necessidade de ter algo regional a que se vincular.” O pesquisador, porém, fez uma ressalva. “Nacionalismo é como colesterol: há o bom e o ruim”, brincou.

Ambos, porém, demonstram que o sentimento de pertencimento, mesmo em uma sociedade globalizada em que tudo parece se diluir, mantém sua enorme importância para entendermos quem somos. Uma conclusão para a qual a pesquisa Observatório/O POPULAR também aponta, como mostrou a editora-chefe do jornal, Cileide Alves, no encontro de ontem, ao apresentar os principais resultados do levantamento.

O professor Ruben Oliven fez um amplo panorama da história da criação do Estado-nação para uma plateia em que estavam presentes professores e estudantes de vários cursos da UFG, além do reitor da instituição, Edward Madureira, e o diretor de Jornalismo do Grupo Jaime Câmara, Luiz Fernando Rocha Lima. “Se não falarmos do que é nacional, não podemos discutir o que é regional”, explicou.

Ele lembrou que o conceito moderno de nação é algo muito recente, que só ganhou impulso com a Revolução Francesa, no fim do século 18. “Antes nós tínhamos impérios e quem vivia nos impérios eram súditos e não cidadãos. Eles não tinham direitos. As decisões dos governantes tinham como base algo divino e não eram contestadas. Não havia a exigência de uma língua única e o nível de instrução era baixo.” Isso mudou com a chegada da noção de País.

“Com o conceito de nação, os súditos passam a ser cidadãos, com deveres e direitos. O Estado passa a ser secular, separando política e religião, e há uma maior exigência para que as pessoas falem um mesmo idioma. Mas essa nação só faz sentido se as pessoas puderem se identificar com ela e isso é feito por uma construção simbólica violenta”, ponderou o professor. Ele citou, entre os elementos usados, a adoção de bandeiras, hinos, escudos que promovam esse sentimento de pertencimento a um lugar específico.

Ruben Oliven mencionou ainda algumas definições dadas por teóricos a este processo de criação de um lugar para chamar de seu, como a de “comunidade imaginária”, em que algo em comum, simbólico, é compartilhado.

Patrimônio simbólico

Essa construção da nação, de acordo com o professor, passa pela participação de intelectuais que contam sua história, o que vai sendo introjetado no patrimônio simbólico de gerações e gerações. Algo que fica mais complexo num lugar tão amplo como o Brasil.

“O Brasil Império era um lugar de grande centralização de poder, em que ordens e notícias demoravam muito a chegar a seus destinos. Isso facilitou que muita revoltas ocorressem, como a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, que chegou a decretar um Estado independente”, exemplificou. O medo da desagregação da nação brasileira, segundo o professor, persistiu por muito tempo e teve seu maior combate, ironicamente, dado por um gaúcho, o ex-presidente Getúlio Vargas.

O governo Getúlio tirou poderes dos governadores e retirou dos Estados a noção de que eram administrações totalmente independentes do governo central, algo que ocorria de fato desde a proclamação da República Federativa do Brasil. “Getúlio cria o Ministério da Educação e Cultura, o MEC, para ensinar isso aos estudantes e chama autores modernistas para implementar, na área cultural, seus ideais de brasilidade que divulgaram na Semana de Arte Moderna de 1922.”

Ruben Oliven salientou a importância das ideias introduzidas por Gilberto Freyre, que refutou a visão de que no Brasil nunca teria uma civilização. “Diziam que aqui era muito quente e a população tinha a raça muito misturada. Ele vem contestar isso e dizer que o brasileiro, em sua miscigenação, era perfeitamente adaptado aos trópicos.”

O professor não ignora que essa discussão levou ao que ficou conhecido como “democracia racial brasileira”, algo que depois foi relativizado, até mesmo por dados sociais que mostram o quanto os negros são discriminados. “Mas Gilberto Freyre também diz que não é possível analisar o Brasil unitariamente e sim a partir das regiões. É um país como um mosaico de culturas e o Estado como agente organizador.”

Ele afirmou ainda que depois da ditadura militar, quando essa centralização se exacerbou, o Brasil conheceu o nascimento de movimentos sociais fortes, com a criação de partidos políticos, novas expressões da religiosidade e iniciativas da sociedade civil, como as lutas feministas e pelo direito dos gays. “E também mais manifestações regionais. As pessoas buscaram inserções sociais e pessoais nesse contexto.”

Fonte: O Popular