Deputado goiano quer criminalizar prostituição

Proposta do deputado João Campos (PSDB) prevê punição para quem contrata serviços sexuais. Pena chegaria a 1 ano de prisão

Um novo capítulo no embate entre a bancada evangélica e parlamentares considerados progressistas deve ter início com a votação do projeto de lei (PL) que regula a prostituição. O PL 377/2011, apresentado pelo deputado federal João Campos, do PSDB de Goiás, modifica o Código Penal (CP) e torna crime contratar e aceitar a oferta de serviços sexuais. Atualmente, a proposição aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. 
Se aprovada, a pena para quem descumprir a determinação varia entre um ano e seis meses de prisão. “O cliente será punido, mas quem se prostitui, não”, salienta. Para ele,  a não criminalização da conduta dos profissionais do sexo pode dar mais tranquilidade para eles abandonarem suas atividades, uma vez que “não será necessária a preocupação com as consequências de se assumir publicamente o fato de ter sido prostituta.” 
A afirmação parece um tanto simplista, tendo em vista que nem mesmo a inclusão da prostituição na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2002, arrefeceu o estigma e o preconceito que cercam as garotas de programas e os chamados michês. “É mais fácil aceitarem um usuário de drogas do que uma prostituta”, sentencia Kaká Vegas, 25, que há três anos  deixou um emprego com um salário de cerca de R$ 800 para atuar como dançarina e garota de programa em uma boate de Goiânia. 
Paraense, ela veio para Goiânia ainda na adolescência e diz receber entre R$ 300 e R$ 400 por programa, valor que pode chegar até R$ 1.000, dependendo da negociação com o cliente. A frequência dos encontros, assegura Kaká, é definida por ela, obedecendo também a demanda. A jovem, que não revela sua profissão para os conhecidos, garante que está satisfeita com a ocupação, pelo menos financeiramente. “Não conseguiria ter a mesma renda se tivesse continuado em meu trabalho anterior”, explica.
A jovem afirma ter gastos com aluguel e com o filho, um garoto de cinco anos sobre o qual ela se recusou a dar mais informações.  Ela, porém, não vê a prostituição como um trabalho definitivo e planeja investir nos estudos. A meta é realizar um desejo antigo: estudar Direito e se tornar delegada. “Meu coração dispara quando penso em concretizar esse desejo”, revela Kaká, que conversou com a Tribuna por telefone e não quis informar seu nome verdadeiro nem fazer fotos.

Prostíbulos X Prostitutas 
Na visão de Campos, seu projeto atende os anseios da sociedade que reprovaria a contratação de serviços sexuais. “Não estamos entrando em uma questão de foro íntimo”, afiança. Ainda de acordo ele, quem se prostitui vive em condição degradante. “Tenho convicção que não há realização financeira, pessoal e profissional. Essas pessoas se sentem agredidas em sua dignidade humana”, enfatiza o tucano.
Mesmo assim, o deputado não incluiu em seu projeto nenhuma política pública educacional ou de inclusão social voltada para o segmento. “O que ele (João Campos) propõe é conservador e não contempla o que os profissionais do sexo anseiam enquanto cidadãos”, critica a professora Telma Ferreira Nascimento Durães, professora da pós-graduação em Sociologia e Ciência Política da Faculdade de Ciências Sociais da Uni­versidade Federal de Goiás (FCS/UFG). 
Para ela, as preocupações dos legisladores brasileiros deveriam estar voltadas para outro ângulo da questão: a exploração da prostituição alheia. No Brasil, é crime manter prostíbulos funcionando, o que daria margem a diversos tipos de abusos e corrupção. Legalizá-los seria uma forma de proteger as profissionais do sexo, acredita o deputado federal Jean Wyllys, do PSOL do Rio de Janeiro, autor do PL 4211/2012, que quer permitir o funcionamento dos bordéis que cobrarem menos de 50% do pagamento do programa.
A proposta – que recebeu o nome de Lei Gabriela Leite, fundadora da grife Daspu e presidente da ONG Da Vida – prevê também a formação de cooperativas de pessoas que atuam nesse ramo e a possibilidade de serem considerados trabalhadores autônomos. O projeto de Jean Wyllys aguarda parecer do relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Por lá, a briga promete ser acirrada.
É que o atual presidente da Comissão, o polêmico pastor Marco Feliciano, do PSC de São Paulo, designou o seu principal aliado, o deputado Pastor Eurico, do PSB de Pernambuco, para relatar a proposta. A manobra, vista como premeditada, pode barrar a aprovação do PL. Não é a primeira vez que uma iniciativa como a de Wyllys é levada a cabo no Brasil. Um projeto semelhante já havia sido proposto pelo ex-deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, mas o texto foi arquivado.

Propagandas sexuais podem ser limitadas

O deputado federal João Campos, do PSDB de Goiás, é relator de outro projeto lei (PL) envolvendo serviços sexuais. A proposta prevê a restrição de anúncios de acompanhantes e similares em jornais e revistas. Ao todo, são 12 projetos, apresentados desde o ano 2000 por diferentes deputados. Se aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), a proposta ainda deverá ser votada pelo Plenário.
Em relatório, Campos recomenda que o início da seção destinada a esses anúncios venha com a seguinte advertência: "A exploração sexual e a prostituição infanto-juvenil é crime previsto na legislação vigente". Segundo o parecer do deputado goiano, emissoras de rádio e televisão devem ser proibidas de exibir, durante o horário recomendado para o público infanto-juvenil, propagandas  de  serviços de sexo, prostituição e telessexo. 
Já as revistas destinadas a jovens e crianças não poderão veicular anúncios de prostituição e serviços de sexo, assim como já está previsto hoje para bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições. A exibição de propagandas ou anúncios de conteúdo incompatível com o horário, na avaliação do relator, deve ser punida com quatro a oito anos de prisão, além de multa.

“Medida é hipócrita. Quem vai fiscalizar?”

Talvez nenhuma figura tenha representado tão bem a prostituição – e as prostitutas –  na última década do que Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, garota de classe média que se tornou profissional do sexo depois de descobrir que era adotada. Os detalhes de sua vida íntima foram expostos, primeiro, em um blog na internet. Depois, viraram livro e até filme, protagonizado pela global Deborah Secco. 
Hoje casada, ela trabalha como escritora e DJ, mas ainda enfrenta os estigmas que envolvem a prostituição, considerada a mais antiga das profissões. Gerente de uma casa noturna em Goiânia, Mabio Moura, 36, classifica como “hipocrisia” a proposta do deputado João Campos de punir quem paga pelos serviços sexuais. “Se esse projeto entrar em vigor, quem vai fiscalizar?”, questiona. 
Para ele, parlamentares que propõe esse tipo de regulação querem angariar votos por meio da exposição midiática que a polêmica proporciona. Relacionada a pecado e à promiscuidade, a prostituição, quem diria, já esteve ligada a práticas sagradas, lembra o historiador Eduardo José Reinato, professor da Ponti­fícia Universidade Cató­lica de Goiás (PUC Goiás). “Na Gré­cia e no Egito, sacerdotisas se dedicavam ao ofício de entregar o corpo em forma de sacrifício”, explica. 
Além disso segundo ele, em séculos passados, a Igreja reconhecia – mesmo sem admitir publicamenente –  a necessidade da poligamia para a manutenção do casamento. Psicóloga e especialista em terapia comportamental, Letícia Guedes destaca também que a atuação das chamadas profissionais do sexo, atualmente, vai além da iniciação sexual.  “Elas ão também procuradas em nível de entretenimento, 'fuga' de relações amorosas conflituosas, assim como meio de satisfação de atributos que às vezes um dos cônjuges não possua”

Fonte: Tribuna do Planalto