Mistura Fina

Alceu Valença abre hoje a temporada 2013 do Projeto Musica no Campus

Forró, baião, frevo, maracatu, rock psicodélico e música de câmara. Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Bob Dylan, Beatles e literatura de cordel. As formas de Alceu Valença se expressar são várias; mas se mantêm sempre fiel a Pernambuco. Estado natal que lhe deu a formação musical e cultural. Estado que faz questão de colocar em suas músicas e sempre reverenciar. Esse é o caldo de referências que o músico oferece para o público goianiense hoje, às 20h, no Centro de Cultura e Eventos da UFG.

 

 

Alceu tem cinco tipos de shows. Um para cada ocasião. Das Valencianas, com a Orquestra de Ouro Preto; passando pelos frevos e maracatus que entoa no carnaval pernambucano; indo até o baião e cânticos sertanejos das festas de São João; chegando ao rock psicodélico dos festivais alternativos. O show preparado para Goiânia envolve todas as fases. “A apresentação que levo para a capital goiana pega um pouco de tudo. Tem forró, tem sucessos, tem tudo da minha carreira. É uma mistura fina”, diz em entrevista por telefone.

 

 

Sucesso não falta. Com carreira iniciada na década de 1970, Alceu já cantou metáforas contra a ditadura, embalou o primeiro Rock in Rio com Morena Tropicana e levou o carnaval de Olinda para o Festival de Montreaux, na Suíça. Agora prepara lançamento do filme Luneta do Tempo, um projeto de 13 anos que finalmente sai do papel. 

 

 

A apresentação de Alceu em Goiânia faz parte da abertura da temporada 2013 do Música no Campus, evento produzido em parceira entre a Universidade Federal de Goiás e o Sesc. Confira entrevista do artista ao DMRevista.

 

 

Show de Alceu Valença no Projeto Música no Campus

 

 

Onde: Centro de Cultura e Eventos da UFG – Campus Samambaia 

 

 

Quando: Hoje, às 20h

 

 

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$10 (meia)

 

 

Informações:

 

 

(62) 3521-1000

 

 

DMRevista – Como descobriu a música?

 

 

Alceu Valença – Na cidade onde nasci, São Bento do Una, no agreste de Pernambuco. Aos 5 anos de idade participei de um concurso para crianças no Teatro Rex, cantei um frevo. Outro garoto cantou uma música chamada Granada. Ele ganhou. A música era americana, a minha pernambucana. Mas eu gostei das luzes da ribalta. Aquilo ali nunca me saiu da cabeça. Já com 9 anos fui para o Recife com meu pai, fui morar lá. Em Recife não ouvia muita música. Meu pai não gostava. Ele tinha irmãos que tocavam violão e nunca se formaram. Ele queria que eu me formasse. Me proibia de ouvir música. Só pelo rádio. Meu pai gostaria que eu fosse advogado. Até que mais tarde minha mãe me deu um violão, sem meu pai saber. Deu o violão, mas deu a aula. Então passei a mexer no instrumento. Na minha rua tinha uns vizinhos que faziam aula de violão com professor e tudo. Passei a observar como eles faziam as posições e tal e fui aprendendo. Tinha o ouvido bom.

 

 

DMRevista – Foi aí que descobriu que queria ser artista?

 

 

Alceu Valença – Aos 19 anos fui a Boston numa conferência de estudantes, na Universidade de Havard, e fui tocar música no meio da rua. Um jornal de lá se interessou e me entrevistaram. Eu disse a eles que fazia música de protesto. Eles colocaram na manchete: Alceu Valença – o Bob Dylan brasileiro. Aquilo para mim foi tudo. Depois fui para Nova York, lá fiz uma música chamada Ciranda Eletrônica. Voltei para o Recife, fiz show na faculdade, que deixou todo mundo entortado, inclusive eu mesmo. Era muito maluco, numa faculdade de Direito, pedindo para as pessoas tirarem a camisa. Os professores e colegas pensavam que eu era maluco. O nome do show era Erosão. Esse show me corroeu [risos]. Daí fui para o Rio de Janeiro, tentar carreira. Na verdade fui tentar arrumar um emprego. Não arrumei, acabei virando músico. Pois bem, no Rio de Janeiro me apresentei com Zé Ramalho da Paraíba, com música minha, no Festival Abertura, tocando Vou Danado Pra Catende. O Boni, diretor da Globo, gostou tanto que instituiu um prêmio para mim.

 

 

DMRevista – Nesse período você já tinha incorporado o rock na sua música?

 

 

Alceu Valença – Eu não incorporei o rock na minha música. Na verdade, incorporei o timbre do rock. Tocando no Carnagie Hall, na década de 1980, num festival de Jazz, um jornalista disse a mim que o que eu fazia era um rock sem ser rock. Achei perfeito. É isso, eu faço um rock que não é rock. O que fiz foi trazer a distorção da guitarra para meu universo musical. Coloquei distorção no acordeon. E é uma coisa que perdura até hoje.

 

 

DMRevista – Certa vez o Geraldo Azevedo disse que tomou consciência de que era artista quando foi preso pela ditadura militar, que as coisas que dizia e fazia tinham consequências. Como foi esse período para a sua carreira?

 

 

Alceu Valença – Na ditadura eu sofri. Peguei cana. Nunca fui comunista, mas eu queria liberdade. Expressava isso através de metáforas, gostava de cutucar, então fui preso. Vivemos hoje uma democracia, mas uma ditadura midiática. Uma ditadura da notícia. Todo mundo, a todo momento sendo bombardeado com coisas desinteressantes e sempre mais do mesmo. Eu gosto de saber outras coisas, tudo, de outros lugares do mundo. Me aprofundar. Não dessa superficialidade.

 

 

DMRevista – Nos anos 1980 você fez bastante sucesso radiofônico. O que mudou de lá para cá? 

 

 

Alceu Valença – Fazer sucesso em rádio hoje em dia é impossível. Os donos das bandas de forró do nordeste são donos também das rádios por lá. E o ciclo fica vicioso. Não há o que fazer. Uns tocam as músicas dos outros. As rádios promovem essas bandas que se vendem através das rádios e dominam os circuitos de shows. Pelo menos no nordeste é assim. De outro lado, tem o jabaculê [espécie de suborno em que gravadoras pagam a emissoras de rádio ou TV pela execução de determinada música de um artista]. Para ter uma ideia, para se tocar um mês em rádio é preciso pagar 300 mil. Imagina para tocar no Brasil todo? É impossível. Estou me lixando para rádio. Antes era mais honesto e democrático. Eu não preciso de rádios. E sou sucesso. 

 

 

DMRevista – O carnaval pernambucano é muito tradicional, na rua e gratuito. Qual é a importância da festa para a cultura local?

 

 

Alceu Valença – O carnaval do Recife ser aberto e gratuito é maravilhoso. Mas particularmente acho que deveria ter mais abertura para o frevo e maracatu. Por conhecer, ter estrada nessa ambiente me dou ao luxo de fazer um show mais assim, mais carnavalesco por lá. Por um lado incorporo a cultura nordestina do agreste, sertaneja, de Luiz Gonzaga. Por outro lado, quando fui para o Recife, entrei em contato com a cultura litorânea, mais africana, mais lusitana, então equilibro as duas coisas. Um lado mais São João, outro mais carnaval. Isso se deu porque fui abrindo meu leque com o tempo, nada premeditado. Foco meu show carnavelesco nessa mistura. 

 

 

DMRevista – Como você

 

 

lida com a internet?

 

 

Alceu Valença – Meus discos estão disponíveis nela, tenho uma rádio no meu site oficial. A internet ajuda nisso. Fiz show agora recentemente em Lisboa e encontrei um casal de espanhóis que foi ver minha apresentação. Eles haviam descoberto minha música pela internet. Eu tenho o direito de ouvir outros tipos de música, não só o que as rádios impõem. Música mediterrânea, música portuguesa, espanhola. Que beleza que é música portuguesa, o fado. Nós atavicamente somos mais mediterrânicos. Não temos muita ligação com a música inglesa. No entanto só o que se ouve é música norte-americana, em todo lugar. É um ruído. Há domínio da indústria do entretenimento norte-americana, mas não é só aqui, não é exclusividade do Brasil. É o que um amigo disse, é a glamourização do lixo industrial. É isso que vivemos, que ouvimos o tempo todo. A internet é uma solução para isso.

 

 

DMRevista – E como você vê a cena musical atual?

 

 

Alceu Valença – A música de hoje é dominada pela indústria do entretenimento. São dois tipos de música. A primeira é essa da industria. Da repetição. Um faz tchu tchu outro vem com tche tche. E vai por ai. E a rádio e as TVs ainda são poderosas. É puro entretenimento. Os veículos estão direcionados para isso. Mas existe outro tipo de música. Que não tem muito espaço. Primeiro veio a geração de Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa. Depois veio a minha, de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Elba, etc. Depois outra, de Lenine, Zeca Baleiro, Chico César. Agora você consegue identificar alguma? Não é falta de artista, tem muitos, muitos bons aqui no Rio, em Pernambuco, no Rio Grande do Sul, aí em Goiânia. Mas onde estão eles? Onde estão tocando? Não há muito espaço.

 

 

DMRevista – Ano passado, você comemorou 40 anos de carreira homenageando o centenário de Luiz Gonzaga.

 

 

O que pretende fazer em 2013?

 

 

Alceu Valença – Tenho meu filme A Luneta do Tempo. É um musical que fiquei trabalhando por 13 anos. Ficção e musical. Vou mandar para festivais na Europa, depois vou lançar aqui no Brasil. Tem um documentário por sair com minha história também, que deve sair em breve. Tenho outras coisas gravadas também. Seis DVDs no Festival de Montreaux, na Suíça. Outro com a gravação da Valencianas e por aí vai. 

, realizado no Centro de Cultura e Eventos da UFG

Fonte: DMRevista