Goiânia vê a face mais cruel da violência

Cidade está entre as 40 capitais mais perigosas do mundo. Em oito meses, extermínio de 30 moradores de rua revela o drama maior do aumento contínuo da violência urbana, com predominância do uso de arma de fogo. Segundo o Mapa da Violência 2013, taxa de homicídios no Brasil ficou em 20,4 para cada grupo de 100 mil habitantes no país. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), acima de 10 já é epidemia

 

Com 1,3 milhão de habitantes, Goiânia está entre as 40 ca­pitais mais perigosas do mundo, sendo o Estado de Goiás considerado um dos 10 mais violentos do Brasil.
Em oito meses, a série de assassinatos de moradores de rua, com um total de 30 mortes, que revela o aumento contínuo da violência e o uso de arma de fogo em toda a Região Metro­po­litana, é uma tragédia que não se difere da situação de todo o País.
São 100 brasileiros assassinados todos os dias por armas de fogo, o que coloca o país em primeiro lugar no número de mortes em todo o mundo.
São crimes e acidentes que ocorrem tanto nos grandes centros como no interior dos estados, alarmando a população que se vê vulnerável com a bandidagem que desafia o Estado, que tem a atribuição da segurança coletiva.
Segundo dados do Mapa da Violência 2013, a taxa de homicídios ficou em 20,4 para cada grupo de 100 mil habitantes no país. A Orga­nização Mundial de Saúde considera taxas acima de 10 como epidêmicas. 
E cada vez mais o cidadão, que se desarma em busca de paz, se depara com tragédias que colocam em dúvida a segurança oferecida pelas polícias e a capacidade dos bandidos de se sentirem cada vez mais à vontade frente a uma sociedade indefesa.
E é essa relação de desarmamento e violência urbana, e em busca de um sentimento de maior de confiança e segurança, que faz com que ainda haja discordância, após quase uma década, sobre o direito dos brasileiros portarem ou não armas de fogo.
Em 2003, entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, que trouxe mais rigor para o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e munição no Brasil.
A lei proíbe, entre outras coisas, que as pessoas andem armadas nas ruas, com exceção para civis que declarem real ameaça de vida, militares, polícias e algumas categorias que trabalham na segurança pública e particular.
A proposta também considerou a idade mínima para compra e porte de armas, que foi elevada, à época, de 21 para 25 anos e instituiu a realização das campanhas de de­sarmamento e as indenizações para quem entrega armas.
Para que as decisões fossem reforçadas pela proibição da venda de armas, em outubro de 2005, foi organizado um referendo popular que consultou a população sobre a proibição.
A maioria votou contra a proibição da venda de armas de fogo, com o argumento de que o direito de defesa não deveria ser retirado do brasileiro, e que os criminosos não compram armas de forma legal. O não à proibição teve 63,94% dos votos.
A nova legislação, que veio para tentar diminuir a violência, teve grande impacto, com reflexos em uma queda inédita de 11% no nú­mero de mortes no país em 2004, após treze anos de au­mentos consecutivos.
A venda de armas no mercado nacional também caiu e hoje representa 10% do que foi há dez anos: em 2001, foram vendidas mais de 560 mil armas, e em 2012, esse número caiu para apenas 12,5 mil armas.
Anualmente, o Ministério da Justiça investe R$10 mi­lhões para desarmar a população e já conseguiu tirar das ruas mais de meio milhão de armas com as entregas voluntárias, desde a implantação do Estatuto do Desarmamento.

Desarmamento pode ajudar, mas não é a única solução

Dados colocam em dúvida a relação de quantidade de armas em circulação entre a população civil e as taxas de mortes por seu uso, a exemplo do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Acre e Roraima, que juntos têm 33% das armas registradas, mas são responsáveis por apenas 9% dos homicídios.
Em outro cenário, o estado de São Paulo, que tem o maior número de armas recolhidas, uma onda de assassinatos aterrorizou a população no final do ano passado. 
No Rio de Janeiro, o massacre na Es­cola Municipal Tasso da Sil­vei­ra, em Realengo, no dia 6 de abril de 2011, terminou com a morte de 12 crianças. 
Para os contrários ao Estatuto, leis restritivas à posse e ao porte de armas apenas desarmam os cidadãos que cumprem as leis, deixando os bandidos cada vez mais à vontade para aterrorizar a população.
De acordo com a socióloga e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Dalva Maria Borges de Souza, é falsa a impressão do cidadão de que a arma traz segurança e é um instrumento de defesa.
Para Dalva, não se pode descartar a política do desarmamento como uma ação avançada para diminuir a violência no país, em especial os homicídios, que são, segundo ela, em decorrência de relações interpessoais.
A professora acrescenta que essa ação de desarmamento, que ainda precisa ser efetivamente implantada, deve vir aliada a outras medidas, porque, na verdade, o problema da criminalidade está ligado a vários outros fatores, como, por exemplo, o tráfico de drogas.
Dalva Maria cita que, no caso dos Estados Unidos, onde a maioria da população, inclusive jovens, possui armas de fogo, acontecem tragédias incomparáveis a outros países – são 300 milhões de armas em circulação.
“De qualquer forma, retirar a arma da mão de pessoas que não estão preparadas para usá-la é o ideal. A falta de conhecimento de re­gras de segurança no manuseio e a situação de estresse no momento têm ocasionado mortes ou ferimentos de inocentes”, avalia.
Atualmente, 84 projetos de lei, que alteram o Esta­tuto do Desarmamento, es­tão em tramitação na Câ­ma­ra dos Deputados.
Entre eles, o do deputado Rogério Penino, do PMDB, quer a revogação do estatuto. Ele prevê a permissão do uso da arma por critérios técnicos bem definidos e a redução da idade mínima para se comprar uma arma de 25 para 21 anos.

Fonte: Tribuna do Planalto