Menores no crime. O que fazer?

O assassinato brutal do menino Walison Manoel de Jesus, de seis anos, reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos. O garoto foi morto por asfixia e pode ter sido violentado sexualmente pelo autônomo Wemerson Araújo Silva, 18, em Goianira, na região Metropolitana de Goiânia. Os pais do garoto, que moram na Vila Mutirão, na região Noroeste da capital, passavam o dia das mães na casa da avó materna do garoto. 
Em depoimento ao delegado Gilberto da Silva Ferro, do 20º Distrito Policial (DP), que iniciou as investigações, o jovem afirmou que não teria nenhuma razão específica para matar Walison e que já havia cometido outro homicídio aos 17 anos. O crime, porém, foi apagado de sua ficha criminal porque aconteceu antes que ele atingisse a maioridade penal. Casos em que adolescentes e jovens protagonizam crimes brutais já não são novidade. 
Em abril, dois deles provocaram comoção: a morte da dentista Cinthya de Sousa, 47, queimada por um menor de idade após um assalto, na região do ABC Paulista, e o assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, 19, na capital paulista. Ele foi morto por um adolescente prestes a atingir a maioridade penal (leia mais no quadro). A reação  à morte de Deppman foi forte: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, propôs alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Conflitos
A mudança não diminuiria a maioridade penal, mas aumentaria de três para oito anos o período que um menor pode ficar internado. Além disso, ele deixaria de ser réu primário. De acordo com Al­ckmin, a ideia é que o infrator, ao completar 18 anos, saia da Fundação Casa, instituição que em Goiás corresponderia aos centros de internação, e siga para um regime especial em fundações distintas. Aos 21 anos, ele poderia ser transferido para penitenciárias comuns. 
Para Alckmin o ECA “não consegue atender as novas demandas”, por isso punições maiores para crimes hediondos, como homicídios, estupros e latrocínios seriam necessárias. Para se ter uma ideia, o conjunto de normas aprovadas em 1990 e elogiadas internacionalmente como uma das legislações mais modernas do mundo não contemplam questões relevantes atualmente, como a epidemia do crack. 
Há quem concorde com Alckmin, como o como o advogado e hoje vereador de São Paulo, Ari Friedenbach (PPS-SP), pai da estudante Liana Friedenbach, morta aos 16 anos por um menor de idade (leia quadro). Militante de mudanças legislativas pela redução da maioridade penal, ele lembra que apenas o endurecimento do ECA não trará as respostas que o cidadão espera contra a violência. 
Entretanto, organizações de defesa dos direitos humanos e organismos internacionais de atenção às crianças entendem que a diminuição da idade penal não resolve o problema da violência juvenil. Coorde­nador do Centro de Referência em Direitos Hu­manos da Casa da Juventude (Caju), Eduardo Mota, lembra que o modelo implantado no Brasil atualmente, apesar das falhas, ainda é o melhor. 
“Ainda há várias questões para serem resolvidas, como a estrutura dos Centros de Internação de Adolescente (CIA), que funcionam em más condições”, critica, referindo-se aos em espaços cedidos pelos Batalhões da Polícia Militar (BPM). Em Goiânia, são dois centros: no 1ª BPM; CIP, no 7º BPM de Goiânia, além do Centro de Internação para Adolescentes de Anápolis (CIAA),  no 4º BPM da cidade. As unidades de Itumbiara e Porangatu estão em área cedida pela prefeitura municipal.

Celeridade
O prazo entre a apreensão do menor infrator e a decisão do Judiciário sobre qual medida socioeducativa será adotada é de, no máximo, 45 dias. Essa celeridade, que na opinião de Mota ajuda a diminuir a criminalidade entre jovens, pode ser perdida se as crianças e adolescentes passarem a responder pelos crimes como adultos. 
Ele lamenta o “terreno fértil” para que propostas como a do tucano Geraldo Alckmin sejam aprovadas. A Câmara dos Deputados já articulou comissão especial que debate o endurecimento do ECA (leia correlata), como a maioria dos brasileiros deseja. Pes­quisa realizada pelo Instituto DataFolha mostra que 93% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade pe­nal para 16 anos e querem que o adolescente capaz de cometer atos hediondos seja tratado como adulto.
“Temos um sistema carcerário que pode ser comparado com com as masmorras me­dievais”, critica o representante do Centro de Referência em Direi­tos Humanos da Caju, projeto ligado à secretaria de Direitos Humanos da Pre­si­dência da República. Na visão de Mota, os números mostram que as medidas socioeducativas são mais eficientes: en­quanto 70% das pessoas que já passaram pelas prisões no Brasil voltam a cometer cri­mes, apenas 30% dos menores são reincidentes.

Câmara debate endurecimento do ECA

A Câmara dos Deputados criou, no último mês, uma comissão especial para enfrentar um tabu: propor alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O objetivo dos deputados é endurecer as punições aplicadas aos menores infratores. No caso de reincidência e crimes hediondos, como homicídio e estupro, o prazo máximo de internação saltaria dos atuais três anos para oito.
Para acelerar os debates, o presidente da Câmara, Eduar­do Alves (PMDB-RN) limitou as discussões a 13 propostas, encabeçadas pela do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,  que tratam da questão dos menores infratores. Desde 2000 já foram criados 12 projetos de lei para alterar o estatuto, mas nada sai do papel (veja quadro). Enquan­to isso, a situação se agrava. Nos últimos dez anos, o número de jovens infratores aumentou 138%.

Preocupação
O governo federal já manifestou preocupações com o en­durecimento do ECA. O ministro Gilberto Carvalho, da Se­cretaria-Geral da Presidência, se posicionou de forma crítica à proposta enfatizando a opinião contrária do governo a uma redução da maioridade penal. Para ele, as tentativas de mu­dan­ça nessa área são inconstitucionais e “nossos presídios são verdadeiras escolas de criminalidade”, disse, em entrevista ao Estadão. 
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Fede­ral de Goiás (FD/UFG), Barti­ra Macedo de Miranda Santos, classifica projetos como os debatidos pela comissão especial como “uma falácia” e “uma solução fácil para um problema que não se resolve apenas com a mudança da lei.” Na opinião dela, é preciso investir em políticas efetivas para juventude, com investimentos em educação e em espaços de lazer. 
Bartira aponta o aumento da população carcerária como uma das possíveis consequências da redução da maioridade pena. “Não há vagas nem para os atuais presos, o que ocorrerá se essas mudanças forem concretizadas. Aumentar a clientela do sistema carcerário não é a solução”, sentencia.


Penas mais duras para menores infratores

* Câmara dos Deputados cria comissão especial para propor mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e estabelecer maior punição aos adolescentes criminosos. 
Confira as possíveis alterações


O que vigora hoje

* Internação de até três anos para menores infratores 
* Todos os menores infratores ficam reclusos no mesmo lugar 
* A idade máxima para um interno em reclusão é de 21 anos
* O adulto que comete o crime de corrupção de menor é julgado pelo Código Penal e tem pena que varia de 1 a 4 anos de reclusão


O que o projeto propõe

* Internação de até oito anos para menores a partir dos 12 anos que cometerem crimes hediondos, ou seja, reincidentes em infrações
* A partir dos 18 anos, os internos seriam direcionados a um novo internato ou colocados em uma área separada dos mais novos
* A idade máxima para o interno será de 26 anos. A partir dessa idade, será feita uma avaliação para verificar a condição para o reingresso ao convívio social 
* Penas mais duras para o adulto que cometer o crime de corrupção de menor
* A internação compulsória no caso de doença mental será por prazo indeterminado e passará por reavaliação de cada seis meses


Histórico

* Desde 1999, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria do ex-senador José Roberto Arruda e que tinha como relator o senador cassado Demóstenes Torres, tramita no Senado. Trata-se da da PEC 20/99, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos
* Desde 2001, outras quatro PECs para a redução da maioridade penal foram apresentadas na Câmara e no Senado
* Há quem defenda 12 anos como idade-limite e proponha punições mais severas, como o aumento do tempo de permanência nas instituições de três para 10 anos
* Sete propostas para a realização da plebiscito sobre o assunto já foram apresentadas
* Em agosto, a PEC 20/99 entrou novamente em discussão por causa das votações da reforma do código penal. Até agora, porém, nada de alterações: os juristas ainda avaliam se a redução da maioridade penal é ou não uma cláusula pétrea – que não pode ser modificada


Onda de violência

Crimes envolvendo menores de idade aumentam o clamor da opinião pública em torno da urgente redução da maioridade 
penal e de punições mais severas para os jovens infratores

Cinthya de Souza, 47, dentista: 
Em abril, um grupo de ladrões invadiu o consultório de uma dentista em São Bernardo do Campo (ABC Paulista). Ao verificar que ela tinha apenas 30 reais na conta bancária, resolveram atear fogo na vítima. Um dos suspeitos tem 17 anos. E, segundo a polícia, foi ele quem acendeu o isqueiro que culminou na morte de Cinthya de Souza, 47 anos.

Victor Hugo Deppman, 19, estudante: 
No último mês, o estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi assassinado na porta de sua casa com um tiro na cabeça, apesar de não reagir a um assalto, em São Paulo (SP). Ele foi morto por um jovem prestes a completar 18 anos e que, por ser menor de idade quando cometeu o crime, permanecerá no máximo 3 anos na Fundação Casa (antiga Febem).

Liana, 16, e Felipe Caffé, 19, estudantes: 
Liana, 16, e o namorado, Felipe Caffé, 19, foram sequestrados e mortos em novembro de 2003 quando se preparavam para acampar em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo. O grupo que os sequestrou tinha quatro adultos, liderados por Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, então com 16 anos. Felipe foi executado com um tiro na nuca horas depois do sequestro. Liana foi estuprada pelos integrantes do grupo durante cinco dias até ser morta por Champinha com 16 facadas.

João Hélio, 6, estudante: 
Em 2007, O menino João Hélio Fernandes Vieites, 6, estava no carro com a mãe em Madureira, na zona norte do Rio de Janeiro, quando quatro homens renderam a mulher para roubar o carro. O menino tentou sair do veículo, mas ficou preso pelo cinto de segurança. Foi arrastado por sete quilômetros e morreu. Ezequiel Toledo da Silva, então com 16 anos, foi detido pouco depois do crime, cumpriu três anos de internação em um abrigo para adolescentes infratores. Depois de solto, ele voltou a praticar crimes.

Fonte: Tribuna do Planalto