Projeto quer fim de contraceptivos

Tramitam na Assembleia duas propostas que devem provocar debates acalorados sobre o tema

Malu Longo 24 de maio de 2013 (sexta-feira)
Cristina Cabral
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Deputados e d. Washington à frente de manifestação contra a descriminalização do aborto ontem, na capital

Contrariando políticas de planejamento familiar implantadas no País há mais de 15 anos, o deputado estadual Francisco Rodrigues Vale Júnior (PSD) apresentou duas propostas de projeto de lei na Assembleia Legislativa, que são candidatas a gerar debates acalorados. Já em análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), os projetos de lei nº 100, de 7 de fevereiro de 2013, e nº 77, de 9 de abril de 2013, possuem ingredientes suficientes para fomentar os ácidos debates entre ciência e igrejas.

O primeiro prevê a proibição de propaganda e da distribuição de microabortivos, incluindo o uso, a implantação e prescrição na rede pública de saúde. Na opinião do parlamentar são considerados microabortivos o dispositivo intrauterino (DIU), a pílula do dia seguinte, a vacina HCG “e qualquer outro dispositivo, substância ou procedimento que provoque a morte do ser humano já concebido, mas ainda não implantado no útero”.

O segundo projeto estabelece que a administração estadual deverá oferecer, para o exercício do direito ao planejamento familiar, métodos e técnicas de contracepção natural, como o método de Billings, que se baseia na identificação do período fértil através da observação das características do muco cervical, secreção produzida no colo do útero. “Os métodos contraceptivos naturais garantem ao casal uma eficácia próxima a 100%, sem causar qualquer alteração no organismo feminino”, diz Francisco Jr. em sua justificativa.

“Nenhum método dá 100% de garantia. O método de Billings, na prática, pode chegar a 10% de falha, isso se a mulher não tiver nenhum tipo de intercorrência como infecção uterina e irregularidade no período menstrual”, afirma a presidente da Sociedade Goiana de Ginecologia e Obstetrícia (SGGO), Zelma Bernardes Costa. Esses números, entretanto, são discordantes. Um médico que já atuou como voluntário numa obra social de cunho religioso na capital estima em 30% o índice de falha de métodos naturais, porcentual que aumenta quanto mais jovem for a mulher. Esse profissional desistiu das consultas voluntárias por não poder prescrever métodos que considera mais seguro, como pílulas anticoncepcionais. “Atendi várias adolescentes grávidas, vítimas de estupro. Sofri muito por não poder ajudá-las a se prevenirem”, comenta.

Também à frente do Serviço de Adolescência do Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Goiás (UFG), a médica Zelma Costa defende uma ampla discussão de ambos os projetos de Francisco Jr. “Essas propostas não podem ser aprovadas sem que os órgãos médicos competentes se manifestem. Elas podem não levar a uma anticoncepção efetiva para a mulher da saúde pública, além de limitar os inúmeros métodos anticoncepcionais que são bons e eficientes”.

Nos postos de saúde e hospitais públicos brasileiros são disponibilizados oito tipos de contraceptivos. Os mais procurados pelas mulheres em idade fértil são a pílula anticoncepcional e os injetáveis. O uso do DIU vem aumentando desde 2006, em função de sua oferta no Sistema Único de Saúde (SUS). A preocupação da presidente da SGGO é com o fato de que as mulheres atendidas pela rede pública, diante da dificuldade de acesso ao atendimento médico, costumam ter mais problemas, como infecção, o que reduz a eficácia dos métodos naturais.

Zelma Costa lembra que organismos médicos não consideram abortivos a pílula do dia seguinte e o DIU. “A grande ação deles é impedir a implantação do espermatozoide no óvulo, portanto para nós não são microabortivos”. Criada em 2011 pelo Ministério da Saúde, a Rede Cegonha, que oferece ações de planejamento reprodutivo, mantém em sua página na internet o protocolo para utilização do Levonorgestrel, indicado para a anticoncepção hormonal de emergência.

Secretário estadual de Saúde, Antônio Faleiros prefere não se manifestar sem conhecer o teor de ambos os projetos, mas antecipa que não há nenhum problema em falar dos métodos naturais na rede pública. “O que não tem cabimento é excluir os demais. Isso é uma política do Ministério da Saúde”, afirma. O secretário também condena a imposição de dogmas religiosos na rede de saúde pública. Francisco Jr. tem audiência marcada com o titular da pasta estadual de Saúde para segunda-feira.

Há mais de 15 anos o governo brasileiro adota medidas para atender as mulheres que não querem ter filhos ou adiar o crescimento da prole, como a distribuição gratuita de métodos anticoncepcionais. Em 2007, com a criação da Política Nacional de Planejamento Familiar, preservativos também passaram a ser distribuídos sem nenhum custo. No ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou em 200 mil as curetagens na rede pública de saúde brasileira, a grande maioria delas por abortos malfeitos. No ano passado, Goiás liderou os índices de mortalidade materna no Centro-Oeste com 2.081 casos, dos 4.728 registrados pela região no Painel de Monitoramento da Rede Cegonha, do Ministério da Saúde.

Ontem, o Comitê Goiano da Cidadania em Defesa da Vida realizou a 5ª Marcha Goiana da Cidadania em Defesa da Vida, em protesto contra a descriminalização do aborto.

 

Fonte: O Popular