A política vai às ruas

Com base nas manifestações populares que tomaram conta do país, o historiador Romualdo Pessoa avalia que tendência, a partir de agora, é de alunos questionarem mais os professores sobre política
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Romualdo Pessoa

A recente onda de protestos uniu pessoas de todas as idades em diversas partes do país. Inúmeras pessoas, a maioria estudantes, que antes viviam circunscritos à internet, resolveram ir às ruas para reivindicar por melhores investimentos
em saúde, educação, transporte e tantos outros. As discussões levantadas pelos manifestantes abrem espaço para um questionamento importante: qual o papel das escolas frente a esse novo contexto político.
Demonstrar interesse por política não é algo comum entre os jovens brasileiros. A política tem como base o cumprimento de papéis específicos de cada poder, no entanto, é grande a porcentagem de alunos que não sabem a diferença de funções entre os três poderes e a importância da política e do voto.
Desse modo, cabe à escola moderna assumir a missão de conduzir o aluno a desenvolver o senso crítico, estimulando-o a questionar os fatos para tomar suas próprias decisões e cumprindo, assim, uma das funções vitais da escola, que é a formação de cidadãos conscientes de seu papel social.
A ausência dos debates políticos na família e na escola leva o aluno a uma descrença quanto ao futuro, não percebendo que as melhorias dependem de uma boa gestão.
Nesse sentido, a escola deve ter por objetivo estimular a participação do jovem na política e ajudá-lo a qualificar o seu voto, abrindo, portanto, um caminho para o voto consciente e dando o primeiro passo para uma política diferente e um país melhor.
Nesta entrevista exclusiva, o historiador e doutorando em Geopolítica Romualdo Pessoa Campos Filho busca fomentar o debate entre o educador e o aluno, bem como mostrar a importância de envolver mais a juventude nas questões políticas, contribuindo, assim, para a construção do sentimento de pertencimento e de cidadania.


Primeiramente, como começou sua história com a política?
Começou na década de 1980, logo depois que eu entrei no curso de História na UFG (Universidade Federal de Goiás). Atuei durante três anos à frente do Centro Acadêmico (CA), depois fui para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e, em seguida, para a União Estadual dos Estudantes (UEE), mas foi na direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) que assumi, entre 1984 e 1986, o ápice. Lutei pelas Diretas já e fiz parte da Comissão Nacional da Juventude em apoio ao Tancredo Neves. Após isso, voltei para Goiás, assumi a vice-presidência da UEE e a secretaria regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) por duas vezes, além de outras atividades.

O senhor acredita que a escola pode contribuir para desenvolver a percepção política nas crianças e jovens?
Em teoria, sim! Essa questão está mais ligada ao aspecto da cidadania na medida em que quanto mais atuante o indivíduo, maior será o seu envolvimento, mas a escola pode promover essa aproximação também através das Ciências Sociais. Contudo, é no cotidiano dos espaços democráticos que, de fato, o aprendizado toma forma. Cabe às escolas instigarem a juventude para esses estudos de democracia.

Porque dentro das escolas não existem muitos estímulos à conscientização política?
Houve um período da ditadura militar em que várias disciplinas, que trabalhavam conceitos políticos, foram retiradas dos currículos escolares, assim como as revoluções foram excluídas dos livros de História. No lugar foram introduzidos temas que apregoavam a obediência cívica. Na década de 1980, a preocupação estava voltada para a formação profissional e as disciplinas que abordavam a política também foram desprezadas. Em São Paulo, por exemplo, foram retiradas, no último ano, as disciplinas de História e Geografia e o MEC, com a intenção de adequar o currículo ao Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] fundiu tais disciplinas.
Hoje nós temos um segundo grau com ênfase na preparação do aluno para a universidade e esta para o mercado de trabalho. Desse modo, não se tem a preocupação de fazer um discurso político. O que me preocupa é que a juventude, tipicamente rebelde em sua maioria, mesmo com os protestos progressistas, possui um comportamento conservador, recusando ações políticas. E nós sabemos que apenas a inserção do cidadão no âmbito político é capaz de gerar mudanças. É importante que isso seja debatido para termos cidadãos que possam agir contra os bloqueios impostos pelos setores conservadores.

Com as recentes movimentações, a escola pode mudar o comportamento em relação à política e ao ensino da mesma?
Acredito que sim! Isso vai acontecer por conta da pressão feita pela própria juventude. A maioria dos professores da década de 1980 é conservadora e realiza suas manifestações a partir de interesses financeiros, mas acredito que vá surgir entre os alunos o anseio pelas causas sociais possibilitando, assim, novas lideranças.

Qual a importância da política para a formação social do educando?
A política possibilita conhecer o que é ser cidadão. Raul Seixas já dizia: “Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego, sou um dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês”... Isso não é ser cidadão! Ser cidadão é lutar pelos seus direitos. Tradicionalmente no Brasil, a luta é sempre tratada como caso de polícia, mas é direito do cidadão protestar. Isso é sinal da democracia, o que não é da democracia é a opressão. O jovem, independente da classe social, tendo conhecimento da política, vai aplicá-la no sentido literal do que é ser cidadão.

O que é necessário para um professor trabalhar com política sem entrar na esfera político partidária?
É difícil. É claro que um professor, se ele tem respeito pelo que transmite, vai procurar a isenção, mas é praticamente impossível ele não ter um viés ideológico no que está ensinando. É impossível ser isento diante dos valores que ele recebe e que os influencia na abordagem. Contudo, ele tem que ser honesto com os alunos apontando que aquelas são as concepções dele e que existem outras. Portanto, é complicado transmitir os valores com isenção, porém é possível trabalhar dentro dos limites da ética e das disciplinas de História, Geografia, Sociologia e Filosofia de forma transversal.

O que fazer para estimular os jovens e crianças a se interessarem pela política?
Tem que participar das entidades secundaristas e grêmios estudantis. A tendência é que, uma vez no meio de tais ambientes, cresça o envolvimento. Todas as escolas devem se organizar e apoiar tais entidades, como UEE, DCE, grêmios, CAs e outros. São essas as formas mais importantes para a manifestação da participação política. Mas me preocupa ver nas ruas uma juventude avessa à política, enquanto que nos templos e tabernáculos, aos gritos de "aleluia!" se fabricam lideranças que irão elaborar leis que tornarão esse país mais retrógrado, com menos liberdade e democracia. Que surjam das ruas novas lideranças, com novos comportamentos, a fim de frear esse conservadorismo crescente. Que se acrescentem, nessa pauta tão extensa dessas manifestações, a seguinte frase "abaixo o fundamentalismo religioso”.

Quem é e o que faz?

Romualdo Pessoa Campos Filho possui graduação e mestrado em História pela UFG (Universidade Federal de Goiás), onde leciona desde 1995. Foi secretário regional da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), regional Goiás, por duas vezes, superintendente de Ciência e Tecnologia (Sectec/GO) de 2003 a 2004, presidente da Associação dos Docentes da UFG (Adufg) de 2005 a 2007 e atualmente cursa doutorado em Geografia na UFG.
Tem experiência na área de História com ênfase em História das Sociedades Agrárias, Geopolítica e Questões Ambientais Contemporâneas. É especialista também em temas ligados à Guerrilha do Araguaia; globalização; fronteiras; territórios e redes; estudos regionais da América Latina; geopolítica; geografia política; geopolítica da água; geopolítica da biodiversidade e economia marxista.

Fonte: Tribuna do Planalto