Surpresa até mesmo para o grupo

Integrantes da Frente de Lutas Goiás não esperavam que atuação alcançasse o tamanho da repercussão

Alfredo Mergulhão 23 de junho de 2013 (domingo)
Wildes Barbosa
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Manifestantes no viaduto da T-63, na quinta-feira da semana passada: movimento ganhou repercussão mundial

Eles queriam “sacudir” o poder público e a sociedade. Mostrar que há uma disputa na cidade entre empresários, governo e população, esta última punida com um transporte coletivo caro e de péssima qualidade. Com a pauta específica de impedir o aumento da passagem de ônibus, a Frente de Lutas Goiás não esperava que seus gritos se tornassem um berro tão alto que chamasse a atenção do Brasil e do mundo, agregando temas diversos à proposta inicial e até mesmo contrários aos seus ideais. Após seis atos públicos e uma vitória marcante – a manutenção do preço da tarifa sem reajuste – eles resolveram interromper as manifestações. Mas deixam claro: não pretendem parar.

Ainda existem outras reivindicações que, para alcançá-las, o grupo pretende repetir a estratégia bem-sucedida. Ocupar espaços públicos não é uma forma de ativismo político recente. Mas o método poucas vezes conseguiu mobilizar tanta gente em Goiás. “Defendemos a ação direta para conseguir mudanças na sociedade e atingir objetivos. Nossa causa é popular, por isso vamos às ruas mostrar que esses espaços não pertencem ao governo ou aos empresários, mas ao povo”, diz um dos membros. Eles se classificam como autônomos, horizontais e apartidários. Por isso, preferem não identificar alguém como líder do grupo.

Confronto

Para eles, essa oposição entre os interesses privados e governamentais de um lado, em detrimento da população do outro, ficou clara nos dois confrontos que tiveram com a Polícia Militar (PM) durante protestos em Goiânia. O grupo marchava pelas avenidas da capital acompanhado pela cavalaria da PM e observado pela tropa de choque da corporação. O enfrentamento ocorreu quando eles tentaram entrar nos terminais da Praça A, no dia 16 de maio, e no da Bíblia, no dia 28 do mês passado, durante a realização do congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).

“Não nos deixaram entrar nos terminais porque supostamente eles pertencem ao governo e são administrados por empresários. A PM reproduziu essa ideia, ao nos reprimir violentamente. Mas a gente faz essa negação”, explica um estudante do Instituto Federal de Goiás (IFG). Outro membro da Frente explica que as possibilidades de diálogo haviam esgotado.

“Mandamos cartas de reivindicações para a Companhia Metropolitana do Transporte Coletivo (CMTC), para o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e participamos de audiência pública. Nunca tivemos respostas. O protesto foi o mecanismo que restou porque a Câmara Deliberativa do Transporte Coletivo (CDTC) não tem participação popular”, diz.

Em tese, os assentos reservados “ao povo” na CDTC são ocupados por um deputado estadual e prefeitos. Mas o grupo não se contenta com o sistema representativo de políticos eleitos que sempre prometem soluções posteriores nem com o sistema jurídico. “A ação direta é nossa resposta. Precisamos ocupar essa lacuna”, afirma um estudante. Eles sustentam que têm financiamento próprio, com recursos provenientes de arrecadações “passando o chapéu em festas” e doações de professores.

O grupo é composto sobretudo por jovens universitários ou do ensino médio, todos bem articulados, pois passaram por formação teórica ao engajarem nessa causa. A Frente de Lutas Goiás começou a discutir o transporte coletivo há pouco mais de dois meses em reuniões presenciais, feitas semanalmente, e outras atividades, como exibição de filmes seguidas de debates. “Essa história de que nos organizamos pela internet é um mito, até porque os hackers podem facilmente interceptar nossas conversas. Somente divulgamos as ações nesse meio. Nem mesmo levamos em conta os comentários que surgem em nossas postagens no Facebook”, explica um membro.

A Frente de Lutas Goiás é uma coalizão com pauta específica composta por movimentos sociais distintos, como centros acadêmicos, grêmios estudantis, diretórios centrais de estudantes, representantes dos movimentos negro, feminista e de gays, lésbicas, travestis e transgêneros. O Coletivo Tarifa Zero – que integra a federação nacional do Movimento Passe Livre (MPL) - também compõe o grupo.

O Movimento Passe Livre foi criado em 2005, em Porto Alegre (RS), durante o Fórum Social Mundial. Antes disso, houve campanhas pela tarifa zero no transporte coletivo nas cidades de Florianópolis (SC) e Salvador (BA). Os movimentos sociais que criaram o MPL também integravam a Ação Global dos Povos, criada em 1998 em Genebra durante reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) com intenção de combater a globalização.

Embora apartidários, os membros da Frente de Lutas Goiás não são antipartidaristas. No grupo existem membros com militância partidária, sobretudo esquerdistas ligados ao PSTU e ao PCB. “Suas participações se dão enquanto usuários do transporte coletivo. Não nos opomos aos partidos, mas também não nos submetemos a eles. O grupo é plural”, ressalta um estudante de jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG). Depois da repercussão dos protestos, a Frente de Lutas Goiás passou a receber contatos e apoio de outras entidades, como sindicatos, associações, instituições públicas e até mesmo de torcidas organizadas.

Apesar da pluralidade, o grupo está unido por uma questão pontual. “Temos de lutar por causas específicas, porque une as pessoas e é pedagógico. Se perdermos em alguma demanda, as pessoas saberão pelo menos quem é o inimigo”, analisa outro membro. No caso do transporte coletivo, os adversários são governantes e empresários que “decidem em gabinetes mudanças que afetam nossas vidas”. “Ter foco é importante para manter a continuidade da luta e para o amadurecimento político do grupo”, completa.

Demandas

Mesmo mirando um rumo definido, a Frente de Lutas Goiás reconhece que suas reivindicações começaram a entrelaçar com outras demandas após a repercussão dos protestos em todo o Brasil. “A crítica à Copa do Mundo ocorre porque o evento traz consigo um modelo de cidade que é imposto a partir do evento, sem discutir com a população. Não só em relação aos estádios, mas toda a infraestrutura urbana necessária”, analisa um estudante.

Nem todos os temas que vieram à tona após os cinco primeiros protestos agradam o grupo. Na sexta manifestação, realizada na quinta-feira, ficou evidente que a Frente de Lutas Goiás perdeu o controle sobre o ato público. Surgiram pautas que eles consideram relevantes, mas que não foram discutidas internamente. E outras pelas quais discordam totalmente. “Não pretendemos barrar a manifestação de ninguém, mas não apoiamos grupos fascistas, conservadores e de direita que tentam se apropriar das manifestações”.

Eles são especialmente críticos aos manifestantes e levaram para as ruas a bandeira do Brasil, cantaram o Hino Nacional, vestiram branco e condenaram “atos de vandalismo”. “Nós não protestamos porque estamos felizes. Não consideramos este um momento de festa”, rebatem. Para eles, depredar ônibus na luta pelo transporte coletivo não os torna vândalos. “Vandalismo é quando não há um objetivo específico. Temos uma causa. E um ônibus é só um bem material. A gente se importa com os usuários vandalizados diariamente nos terminais”, afirma.

 

Outras organizações foram às ruas

23 de junho de 2013 (domingo)

Outros grupos organizados também foram às ruas na última quinta-feira em Goiânia, alguns deles ligados a partidos políticos. Eles enfrentaram a animosidade de alguns manifestantes radicais que tentaram impedir a participação de agremiações partidárias. Essa cena se repetiu em várias cidades brasileiras e levantou o debate sobre a existência de nazifascistas por trás de atos violentos contra quem portava símbolos dessas entidades.

Um grupo composto por membros do PCB, PSTU e PSOL, além de representantes de movimentos sociais ligados à moradia e reforma urbana, foi atacado. “Eles tomaram uma faixa e queriam que tirássemos as camisetas. Também quebraram nosso microfone”, afirma Paulo Vínícius Maskote, membro do PCB. “O discurso contra os partidos políticos insuflou o senso comum das pessoas, de que as agremiações partidárias não poderiam se manifestar”, afirma.

Assim como a Frente de Lutas Goiás, Paulo Vínícius e membros do movimento Fora Marconi – que também participou do evento – consideram a generalização da pauta prejudicial à mobilização política. “Foi decepcionante ver gente de branco, feliz e defendendo causas nada progressistas. Eles não acordaram coisa nenhuma. Isso é sonambulismo. Os movimentos sociais nunca dormiram e estão na luta diariamente”, diz Caius Brandão, que organizou uma das marchas do evento.

“Tinha gente protestando por causas genéricas, como corrupção, sem ter um alvo certo. Isso serve para despolitizar a manifestação”, afirma. Um membro do Fora Marconi – que não possui líderes – considerou como oportunistas as pessoas que tentaram se apropriar da manifestação. Havia um carro com faixa do Fora Marconi. Michely Coutinho afirma que não houve deliberação para essa iniciativa e acredita que interesses partidários estão por trás da atitude.

Fonte: O Popular