Qual é o ‘real’ humor das ruas?

Pesquisa do Instituto DataPopular realizada no mês de maio de 2013, em 100 cidades do Brasil, com 1.202 pessoas, na faixa etária de 18 a 30 anos,  revela que 75% dos jovens, hoje, não confiam nos parlamentares do País, 59% rejeitam o Judiciário e 35% torcem o nariz para a Presidência da República.  O levantamento foi feito antes das manifestações que sacudiram a Nação, durante a Copa das Confederações.

  • Olha que legal, o Brasil parou e nem é carnaval!
  • Copa do Mundo eu abro mão, quero dinheiro para a saúde e educação.
  • Mãos ao alto, R$ 3,00 é um assalto!

Essas eram palavras de ordem e cartazes que emolduravam os protestos. Sociólogo, Demétrio Magnolli diz, no entanto, que a sequência dos atos desafia a lógica convencional. Preto no branco: ele constatou nas ruas as marcas da juventude e de uma “diversificada” classe média.  O articulista de O Globo e de O Estado de S. Paulo constata o óbvio: que as pessoas estão fartas do governo e da oposição, da corrupção e impunidade. 

Doutor em história e professor da Universidade de São Paulo (Usp), Lincoln Secco diz ao Diário da Manhã que as manifestações mostram certa predominância da classe média. “Portanto, uma manifestação indecisa e sem direção. Isto reflete ainda um fator internacional: o esgotamento da forma partido. Mas resulta também de uma insatisfação local com todos os governos, com os limites do atual desenvolvimentismo”, explica.

“Acabei de escrever um artigo sobre os movimentos sociais espanhóis, onde peguei o mote do cartaz de uma manifestante: 'povo manso, povo escravo'”, observa, da Rússia, ao Diário da Manhã, o historiador Daniel Aarão Reis Filho. “Os que lutam nas ruas não são mansos. Os que lutaram em 68 não eram mansos. Eis aí um traço comum: o repúdio à mansidão servil e acrítica. Uma atitude desafiadora em relação aos 'podres poderes'”, analisa.   

Sócio-diretor do Instituto Data Popular, o publicitário Renato Meireles avalia ao Valor Econômico que a alta na taxa de trabalhadores de carteira assinada teria aumentado as exigências e as demandas sociais, econômicas e culturais. Também sociólogo, o petista Edinho Silva lembra que esse fenômeno já havia ocorrido na Primavera Árabe, na Europa [Espanha, França, Grécia], nos EUA e até em “nuestra América Latina caliente”. 

Doutor em História pela USP, o jornalista e escritor Gilberto Maringoni (SP) diz ao Diário da Manhã que, há duas semanas nenhum indicador objetivo conseguiu captar essa insatisfação social que levou centenas de milhares de pessoas às ruas. “Nem índices de emprego, renda inflação ou mesmo a popularidade da presidente Dilma Rousseff (houve queda mas ela segue com mais de 50% de aprovação)”, registra. 

Segundo ele, temos, hoje, uma nova onda de mobilizações políticas e sociais, algo não visto desde o 'Fora Collor', em 1992. “Se aconteceram melhorias nos últimos 10 anos é preciso ver que elas são insuficientes. Não basta integrar as pessoas pelo consumo. Precisamos melhores serviços públicos e ampliação de direitos. Resta saber se o modelo Lulista pode fazer isso, o que implica real distribuição de renda”, destaca.

Historiador, Marcantônio Dela Côrte (GO) afirma que, até então, a vontade popular nunca encontrava respaldo entre os políticos. “Essa mobilização em grande escala de populações nas ruas pode influenciar, sim, as ações dos governos e mudar os fatos”, dispara. Tanto assim que todos os aumentos das tarifas dos ônibus foram revogadas, observa. “O povo na rua é um problema sério para os governantes. E isso é ótimo”, fuzila.

Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o historiador Romualdo Pessoa Campos Filho relata que existem demandas, revoltas represadas, reivindicações justas. “Mas nada disso será possível de ser mudado sem organização. As vozes das ruas, da multidão, criam motivações, cuja adrenalina explode e os empurra com força para o embate. É natural e importante que isso aconteça. Mas o que virá depois disso depende da política”.

Para ele, pós-Primavera Árabe, houve retrocesso na condução política. “Governos mais conservadores e direitistas foram eleitos, ou fundamentalistas religiosos, resultando em menos democracia e no fim do Estado laico e o controle de partes dos países por milícias armadas”, constata. Nada seguirá bem se a política não funcionar, atira. Existem coisas que precisam ser melhoradas, mas a possibilidade de piorar não é remota, afirma. 

Historiador, Paulo Winícius (GO) diz que as manifestações se dão por um descontentamento com a incapacidade de o Estado atender as demandas sociais ao mesmo tempo que privilegia os setores econômicos mais abastados.”Porém, a realidade é que os movimentos, que começaram bem, agora foram infiltrados pela direita, que junto à grande mídia empresarial se aproveita de um senso comum para atacar os partidos de esquerda. Há o risco de uma ofensiva de direita com apoio popular tomar as ruas”, alerta

O protesto não é só pelo aumento das passagens do transporte coletivo, acredita Haendel Bittes (GO). Estamos no início de um novo século, mas as práticas políticas e administrativas, nas três esferas de poder, não se modernizaram, observa. “Somente querem se locupletar do Estado, mantendo suas castas intocáveis e se colocando acima do bem e do mal”, desabafa. Ele conta ter visto infiltrações da direita nos atos.

Alerta

O cientista político Fábio Wanderley Reis vê visão ingênua, romântica e desinformada dos movimentos das últimas semanas. Mais: ele lembra que não se constrói democracia sem atividade partidária. “Retirar a legitimidade dos atores institucionais é perder os mecanismos efetivos para resolver as questões reivindicadas”. Filósofo, o heterodoxo Renato Janine Ribeiro detecta para a Folha de S. Paulo um “tédio” na juventude. 

Antropólogo, Massimo Canevacci aponta o esgotamento do modelo de democracia representativa formal. “Ninguémquer mais ser representado”. O filósofo Vladimir Safatle detecta o humor das ruas e interpreta o clamor por democracia direta e por um Welfare State (Estado do Bem-Estar Social). O filho do economista goiano Fernando Saflate diz que agora “é a hora de luta”.

Fonte: Diário da Manhã