Ruas de explosão, caos e esperança

Protestos em Goiânia e pelo país evoluem da luta contra reajuste em tarifas para o combate à corrupção, apesar do vandalismo

Um mar de gente to­mou conta das principais ruas de Goiâ­nia, na última quinta-feira, 20. Os organizadores dos protestos, que se espalharam por todo o Brasil no rastro de reivindicações contra o aumento do preço da passagem de ônibus e a favor passe livre, estimam que pelo me­nos 50 mil pessoas estiveram na manifestação. No Face­book, 70 mil ha­viam confir­ma­­do participação.
Já a Polícia Militar de Goiás (PM/GO), que em uma ação bem articulada – a distribuição de rosas e a divulgação de cartazes que conclamavam a paz - conseguiu evitar o enfrentamento com a população, informou que 20 mil pessoas protestaram. Protestaram contra o que? A pauta de reivindicações, ampla e até mesmo controversa, é retrato da reviravolta que o movimento sofreu nas últimas semanas.
Iniciadas há cerca de um mês, em Goiânia, as ações ti­nham como meta evitar o au­mento da passagem de ônibus. Cada bilhete de Sitpass, até en­tão vendido a R$ 2,70, saltaria para R$ 3,00, preço pago para embarcar em ônibus lotados e atrasados. Ou seja, em um transporte coletivo que deixa cla­ro a preocupação do Poder Público com os cidadãos: nenhuma.
Com o apoio de órgãos como o Ministério Público Estadual de Goiás (MPE/GO) e o Procon Goiás, o movimento e seus militantes, até então taxados como vândalos, conseguiram reverter o aumento do preço da passagem, em uma conquista histórica. O mesmo ocorreu na cidade de São Paulo. Lá, R$ 0,20 de aumento também geraram manifestações e confrontos entre polícia, manifestantes e jornalistas, em protestos encabeçados pelo Mo­vimento Passe Livre (MPL).
No total, prefeitos de ao menos sete capitais e 11 cidades do interior e do litoral paulista também reduziram os valores das tarifas de ônibus e trens depois do início da onda de manifestações que se espalhou por todo o País. Entre as capitais estão Curitiba, Vitória, Cuiabá, Aracaju, Natal e Belo Horizonte, além de Goiânia.

#OGiganteAcordou
Em um dos embates – um dos mais simbólicos até agora – a repórter da TV Folha, Giuliana Vallone, foi atingida, no olho, por uma bala de borracha disparada por um policial. A imagem da jovem com o rosto coberto de sangue rodou o Brasil pelos veículos tradicionais e pelas redes sociais. Foi a deixa para uma mudança drástica na cobertura da imprensa.
Alçados ao posto de promotores da “Primavera brasileira”, uma referência aos mo­vimentos de contestação em países árabes, a horda de ma­nifestantes ganhou o reforço de uma parcela da população que sempre passou longe das ruas. Até en­tão “deitados em berço esplêndido”, saíram do Face­book – rede social usa­da para agendar as passeatas – e uma espécie de muro das lamentações dos brasileiros.
Tags como #Ogigan­teAcor­­­dou #BrasilAcordou #VemPra­Rua e #BrasilNaRua pipocaram – e ainda pipocam – nos perfis dos manifestantes de véspera, ávidos por participar de um “mo­mento histórico”. Articula­das pelas redes so­ciais, em especial pelo Face­book, as ações espalharam pe­lo Brasil. Em um só dia, na últi­ma quinta-feira, 21, pelo menos 100 cidades realizaram, simultaneamente, protestos. Só em Rio Verde, no Su­doeste do Estado, 5 mil pessoas saíram às ruas.

#FilhoTeuNãoFogeÀLuta
O cientista social Francisco Mata, professor da Universi­dade Federal de Goiás (UFG), explica que as manifestações começaram a partir da revolta e da indignação dos jovens trabalhadores da periferia. “As ações não eram de massa e reuniam en­tre 300 e 600 pessoas. Agora, vivemos outro momento, que é de indefinição. Temos, ao mes­mo tempo, um levante popular  com uma agenda mais inclusiva e também a participação de grupos com orientação fascista e não democrática”, avalia.
Mata acompanha o movimento desde as primeiras ma­nifestações. Ele é um dos coordenadores de um estudo  que quer identificar a influência da escolaridade dos pais no po­sicionamento político dos jo­vens. O pesquisador  tam­bém esteve na passeata dos 20 mil, na última semana, em Goiânia, e relata a presença de grupos anti-partidários que, segundo ele, expulsaram militantes de esquerda, presentes no movimento des­de o começo, e entoaram cantos homofóbicos.
“A atuação política da PM, com a distribuição de rosas, é algo que não vemos desde golpe militar. Eles não têm que panfletar, mas garantir a ordem”, critica. Ele lembra que a mídia, ao endossar os protestos, conseguiu incluir na agenda dos manifestantes temas como a votação da PEC 37, me­dida que retira do Minis­té­rio Público a atribuição de rea­lizar investigações criminais.


A opinião dos goianos

Vereador Djalma Araújo (PT)
“Os protestos são fruto da insatisfação popular com os políticos, com a corrupção e com a impunidade. As manifestações precisam de um foco, de uma liderança. O povo não quer só comida, quer dignidade, segurança, tudo aquilo que a Constituição Federal assegura.”

Deputado Francisco Junior (PSD)
“As manifestações expressam a revolta da população com muitas situações que precisam ser mudadas. Mas observo que muitos protestos sequer conseguem emplacar palavras de ordem. Falta foco. Além disso, o fato de, continuamente, resultarem em violência, é preocupante. No entanto, a mobilização é mais positiva do que negativa.”

Vereador Thiago Albernaz  (PSDB)
“Sou totalmente a favor dessa mobilização que pode mudar o País. Mas sinto falta de um foco, como no movimento 'Fora, Collor', por exemplo. Temos que empunhar bandeiras, como a briga contra a PEC 37 e a reforma política.”

Iêda Leal, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás (Sintego)
“Fui aos protestos em Goiânia junto com minhas filhas e foi emocionante. As reivindicações que os manifestantes fazem são legítimas e reafirmam conquistas históricas, como o passe estudantil. As marchas servem como uma alerta: a população está de olho naquelas pessoas que foram eleitas”


#VaiPraCasa

Crescem rumores sobre tentativa de golpe

A presença de pautas conservadoras, além da hostilidade aos partidos políticos, resultaram em novos posicionamentos. Na sexta-feira, 21, o Movimento Passe Livre (MPL) anunciou o fim das convocações para os atos em prol da melhora do transporte coletivo.  Até o fechamento desta matéria, os hackativistas do grupo Anonymous assumiram uma espécie de liderança nas manifestações.
Depois que a meta de redução da tarifa foi atingida e deixou de ser a “força motriz” das passeatas, eles assumiram de vez a dianteira ideológica.Em contrapartida, crescem rumores sobre a tentativa de golpe de estado. O Governo Dilma se tornou um dos principais alvos dos manifestantes, que, em uma lufada apolítica, chegaram a queimar bandeiras de partidos e a expulsar manifestantes da ação realizada em São Paulo. Em Goiânia, episódios assim também aconteceram (leia matéria nesta página). Ainda em Goiás, membros da Frente de Luta Go chegaram a ser detidos, acusados de atos de vandalismo, informaram pelo Facebook.
As primeiras mortes ligadas às manifestações já ocorreram. Em Ribeirão Preto, in­terior de São Paulo, um rapaz foi atropelado e em Belém, no Pará, uma gari se assustou com o barulho das bombas e não resistiu a duas paradas cardíacas. Os episódios criam um clima de apreensão. Perplexa com a invasão ao Palácio do Itama­raty, na quarta-feira, 19, a presidente Dilma Rousseff convocou reunião com ministros e realizou pronunciamento em rede nacional na sexta-feira, 21.
“Não temos uma base empírica para afirmar que um golpe está a caminho, mas podemos fazer analogias históricas. No Chile, em 1973, o resultado foi a ditadura instaurada por Pinochet”, compara o cientista político Francisco Mata, da Universidade Federal de Goiás (UFG), lembrando que as manifestações que aconteceram em 1968 tiveram resultado positivo, como a democratização das universidades.
As passeatas que movimentam capitais e até cidades do interior de todo o Brasil brotaram em um dos momentos mais aguardados para o Brasil: a Copa das Confederações. Rumores de que a Fifa, entidade máxima do futebol mundial e um dos alvos dos protestos, cancelaria a realização dos jogos e que a Seleção da Itália já ameaçava deixar o País, chegaram a circular e foram negados.

Fonte: Tribuna do Planalto