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Que consequências a espionagem da presidente Dilma Rousseff pelos EUA pode ter nas relações entre os dois países?

Diplomacia e espionagem sempre foram próximas, ainda que dificilmente se assumam de forma pública. Os estadunidenses não são os únicos a chafurdar nos negócios domésticos de outros países, esta é uma atividade de intensa competição e atividade mundial. Todavia, as aspirações brasileiras de hoje não são as mesmas de algumas décadas atrás e para uma política externa que se pretende altiva, pragmática e que almeja alavancar o País ao primeiro escalão do cenário internacional, não há como deixar de protestar as graves ações estadunidenses. Ainda é cedo para mensurar todos os desdobramentos das revelações de que Washington espiona o primeiro escalão do governo brasileiro, até porque esse assunto não está restrito ao Planalto e ao Itamaraty, e a política doméstica de ambos os países pode complicá-lo. Mas é certo que os eventos complicam e desgastam as relações bilaterais. Dilma Rousseff dá indícios que não deixará o assunto sem uma resposta contundente.

 

O Brasil cogita recorrer a órgãos internacionais, como a ONU. Em que pode resultar esse tipo de medida?

O Brasil é um dos proponentes nas instâncias da ONU por reformas no sistema de internet e comunicações, arquitetado e gerenciado pelos EUA mas compartilhado por todos. As negociações multilaterais nessa seara ainda são incipientes, há pouco consenso e enorme resistência dos EUA em ceder o que lhes fornece enorme poder. De forma geral, ainda que a busca pela regulação no plano multilateral das Nações Unidas deva continuar, talvez fosse mais produtivo o Brasil começar a tratar de forma mais séria a questão pelas vias domésticas, avançando e investindo em programas de proteção à informação e em contraespionagem cibernética.

 

Houve realmente quebra de soberania?

A revolta do governo brasileiro tem plena justificativa. A história dá mostras abundantes de como a região latino-americana é tratada com desprezo e como “quintal” dos EUA. Washington parece não ter mensurado bem a dimensão do problema, pois trata formalmente a questão com desdém e não parece dar-se conta de que os recentes eventos podem despertar sentimentos longevos que acusam o imperialismo ianque. A construção da imagem dos EUA enquanto “violadores da soberania latino-americana” faz parte do imaginário na região, tem respaldo histórico e constitui lugar-comum do discurso local quando trata de relações internacionais.

 

Acredita em resultados de uma CPI no Congresso sobre espionagem?

Acredito que uma CPI pode trazer desdobramentos relativamente significativos. É óbvio que em relação aos EUA ou à embaixada deste país em Brasília, não há nada a ser feito além de retórica. Os parlamentares podem aprovar um “voto de censura”, por exemplo, o que é uma manifestação de aversão aos fatos revelados. Resultados mais produtivos poderiam vir caso os parlamentares consigam desdobrar os trabalhos da CPI em projetos que pretendam reforçar a rede de segurança brasileira, como desengavetar a Política Nacional de Inteligência, ou conseguir formar o comitê sobre segurança cibernética. Esta seria uma via mais fecunda, mas dado o histórico recente das CPIs no Brasil, é temeroso manter as expectativas em alta.