Não é difícil andar por Goiânia e encontrar diversas manifestações de grafite. No Setor Sul, entre as ruas 115 e 116, na Praça Maria Angélica, conhecida como Bacião, o que não falta são intervenções dos grafiteiros André Morbeck e Valtecy Ferreira Batista – que adotou o nome artístico Decy, como era chamado carinhosamente na infância por sua mãe – em uma parceria que surgiu no primeiro semestre do ano passado. “Nossa intenção é reunir ainda mais artistas e transformar a região numa galeria aberta 24 horas”, pretende Morbeck, que é formado em design gráfico pela UFG.
O encontro entre artistas urbanos é prática muito comum no meio. A união do talento desses dois nomes da nova geração, por exemplo, ocorreu em um mutirão realizado em uma escola pública para pintar um muro. Decy havia desenhado um rosto realista, seu estilo característico. Morbeck já havia trabalhado com um artista neozelandês também especializado no realismo, em passagem pela Austrália e Europa entre 2009 e 2011. Por isso, tinha consciência de que funcionariam bem juntos, chegando a um resultado que revela a liberdade de expressão de cores, formas e estilos.
“Decy foi bem generoso e depois gostou muito do resultado daquela união do real com o abstrato”, comenta Morbeck, que fez ilustrações e animações que foram exibidas na televisão australiana e, em Sydney, trabalhou durante um ano em um estúdio de tatuagem. “Nesse tempo buscava bicos para pintar em alguns lugares e foi aí que vi que realmente minha pegada era mexer com tinta, me sujar, trabalhar na rua, todo dia em um lugar diferente”, lembra.
“Nosso trabalho deu muito certo logo no primeiro contato”, complementa Decy, que se interessou por esta forma de manifestação em 2008 para acompanhar o filho, na época com 13 anos, que fazia desenhos pelas ruas. “Tive medo que se envolvesse com algo errado e comecei a grafitar com ele. No final das contas, meu filho se cansou, seguiu outro rumo e o grafite é minha profissão, meu ganha-pão”, pontua o artista.
Reconhecimento
Da combinação entre as ruas e o spray, o grafite feito em Goiânia revelou Márcio Mendanha de Queiroz, o popular Kboco, um dos mais conhecidos e conceituados artistas plásticos do gênero, que mora e trabalha em São Paulo desde 2005 e é representado pela Galeria Marília Razuk. O talento nato o levou a expor em importantes bienais, como a de Valência, na Espanha, e em galerias internacionais, como a Lu Magnus, em Nova York, nos EUA. Também participou da maior feira de arte do mundo na Suíça, a Art Basel.
Desde os 13 anos ele faz grafite, mas seu primeiro contato com o estilo deu-se ao acompanhar a mãe para comprar telas na Feira Hippie. Estudou e passou a pintar com influências geométricas. O convite para ir à capital paulista partiu do curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Felipe Chaimovich. Depois de ver um mural de Kboco em Goiânia, o especialista fez o convite para que ele reproduzisse a obra numa parede do museu, como parte da mostra Panorama, de 2005.
As técnicas
08 de setembro de 2013 (domingo)
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GRAFITE
O que é: consiste em uma forma de arte de rua em que os desenhos feitos com spray exprimem ideias e modificam a paisagem urbana.
Quando surgiu: as inscrições em grafite são conhecidas desde o Império Romano, quando os antigos romanos utilizavam carvão para escrever palavras de protesto nas paredes. O ressurgimento dessa forma de expressão se deu na década de 1970, em Nova York, nos Estados Unidos. No Brasil chegou no final da década de 1970, em São Paulo.
ESTÊNCIL
O que é: é a técnica usada para imprimir uma ilustração através da aplicação de tinta, em spray ou não, em qualquer superfície ou objeto.
Quando surgiu: teve início por volta de 500 a.C., quando era usada basicamente para estampar tecidos, porém foi só no século 20 com a Revolução Bolchevique, na Rússia, que o gênero começou a ser usado como intervenção urbana, na produção de cartazes de propaganda política – que posteriormente foi adotada na Segunda Guerra Mundial – e em 1980 começou a se espalhar e estampar as paredes das ruas das metrópoles pelas mãos de artistas.
AEROGRAFIA
O que é: uma técnica de pintura e ilustração semelhante ao grafite, mas que utiliza aerógrafos – instrumento em que a tinta é expelida pela pressão da fonte de ar – para sua execução.
Quando surgiu: para alguns historiadores, na Pré-História, quando homens da caverna assopravam pigmentos (tinta) através de bambus e de tubos derivados de ossos de animais. No mundo moderno, foi utilizada na indústria fotográfica do século 19 como equipamento de retocagem de fotografias. Posteriormente, sua utilização se deu em nível industrial para pintura de peças e acessórios.
STICKERS
O que é: uma modalidade que consiste na aplicação de adesivos em qualquer local, trazendo críticas políticas e sociais ou simplesmente fazendo com que a arte interaja com as ruas.
Quando surgiu: é uma manifestação da arte pós-moderna popularizada na década de 1990 nos EUA por grupos urbanos ligados à cultura alternativa. No Brasil, essa arte começou por meio de adesivos para decorar residências e lojas nas ruas.
LAMBE-LAMBES
O que é: é uma arte livre de rua em que cartazes ou pôsteres são colados em paredes, muros, viadutos das cidades, sob forma de protesto ou simplesmente arte.
Quando surgiu: há séculos é usado para a publicidade, divulgação e comunicação (quem nunca viu um lambe-lambe de algum ladrão procurado em filmes de faroeste?). No Brasil, é comum para divulgação de shows.
3D
O que é: geralmente feitas em grandes dimensões, as expressões expõem um estilo de vida urbano, contemporâneo e, embora a maior parte das imagens retrate temas industriais, há artistas que estão fazendo arte 3D diferente e que optam por assuntos ligados à natureza, como penhascos e geleiras, além de construções antigas.
Quando surgiu: há relatos de que as primeiras formas de expressão surgiram no século 17, na Itália, apenas a partir de representações em tintas e giz (também pelas ruas). Porém, os desenhos em três dimensões atuais são complexos, e um de seus expoentes é Kurt Wenner, que realizou suas obras artísticas iniciais na década de 80.
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Grupo Pincel Atômico foi pioneiro na cidade
08 de setembro de 2013 (domingo)
Pioneiro do grafite em Goiânia, o grupo Pincel Atômico foi criado em 1987 pelos artistas Edney Antunes e Nonatto Coelho. O nome escolhido era uma ironia ao preconceito que a cidade sofria naquele momento por conta do acidente radiológico do césio 137, que tinha ocorrido no mesmo período. “Algumas pessoas já usavam spray naquela época de uma forma não direcionada ao gênero, apenas com algumas palavras de ordem em manifestações contra a ditadura. Além disso, a pichação se fazia presente antes mesmo dessa fase”, se recorda Antunes.
A iniciativa em trazer o grafite para a cidade, segundo Antunes, foi influenciada pelo trabalho que era desenvolvido pelo grupo Tupi Não Dá, em São Paulo, e que estava recebendo um aval muito grande da população, assim como o respeito da mídia. “Participei de uma bienal na capital paulista, tive o contato direto com o estilo, fiquei deslumbrado e senti que Goiânia estava pronta para receber essa manifestação. Escolhemos o Centro da capital, que é o seu coração e aglutinador da periferia, para receber as primeiras intervenções”, conta.
As temáticas trabalhadas inicialmente na cidade eram variadas e partiam geralmente de informações veiculadas nos jornais, desde o aniversário do personagem Batman como temas que afligiam a geração dos anos 80, como a aids, por exemplo. Depois de dois anos, no início de 1990, o Pincel Atômico esfriou e cada artista seguiu seu rumo.
“A cena grafiteira goianiense permaneceu ativa, porém mais discreta, voltando a se aquecer nos anos 2000. Isso me deixou alegre porque percebi ali que o movimento não havia morrido”, opina Edney.