A difícil labuta de 500 mil goianos

Eles deixam suas cidades para trabalhar em outros municípios todos os dias em busca de uma renda melhor

Diomício Gomes
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2 dias e 2 horas dentro do carro

Por dia, ele percorre 100 quilômetros entre sua casa, em Inhumas, e a empresa onde trabalha, no Setor Sul, em Goiânia. São 2 mil quilômetros por mês, um gasto médio de R$ 600,00 com combustível, além de desembolsos extras com eventuais consertos de seu veículo. De segunda a sexta, vive 2h30 dentro do carro (1h10 para ir para o trabalho, pela manhã, e 1h20 para voltar para a casa, no fim da tarde). Em um mês de trabalho, são 2 dias e 2 horas gastos com deslocamento. O zootecnista reconhece que economicamente o esforço não compensa. O perigo de se trafegar por uma rodovia todos os dias também existe. Mas, mesmo assim, as vantagens de viver no interior são maiores. “Não troco a minha vida no interior. Posso sentar na frente da minha casa, conversar com a vizinhança, dormir com a janela aberta. A segurança justifica minha vida em outra cidade e vale mais que qualquer dinheiro”, justifica.

Antelmo Teixeira Alves49 anos, zootecnistaPercurso: Inhumas - Goiânia - Inhumas
Cristina Cabral
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Dez ônibus diferentes por dia

São dez ônibus diferentes por dia para ir e voltar do trabalho. Ela mora em Trindade e trabalha em Aparecida de Goiânia. A rotina se repete de segunda a sexta-feira. Seu roteiro é impressionante: pega um ônibus no Setor Sol Dourado e desce no Terminal Rodoviário de Trindade; ali toma um coletivo para o Terminal Padre Pelágio; de lá entra no Eixo para descer no Dergo. Sua odisseia ainda está só na metade. Do Dergo toma um ônibus até o Terminal Bandeiras; neste local, enfim, toma a linha que vai para o Bairro Cardoso. Gasta 2h30 para ir e 1h30 para voltar. Ao todo são 4 horas no trajeto – que inclui o tempo de espera nas paradas. A recepcionista enfrenta empurra-empurra para entrar nos ônibus. Ela reconhece que não é fácil sua rotina. Mas não deixaria sua cidade para morar próximo do trabalho. “Em Trindade não encontro serviço, mas tenho moradia. O problema é que as empresas estão em Goiânia e Aparecida”, diz.

Lúcia Ferreira Mota 33 anos, recepcionista Percurso: Trindade - Aparecida - Trindade
Ricardo Rafael
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1.570 quilômetros a cada mês

Há oito anos, ela percorre 35 quilômetros para deixar sua casa, em Nerópolis, para estudar e trabalhar em Goiânia. São 70 quilômetros para ir e voltar. Nos primeiros cinco anos, o trajeto era feito de ônibus. Saia de casa às 6 horas e só voltava meia-noite. Gastava boa parte de sua bolsa como estagiária com deslocamento. Nos últimos três anos, começou a ir de carro. Por mês, roda 1.570 quilômetros (se somado a ida para um curso de língua duas vezes por semana). O gasto com combustível é de R$ 400,00. Já pensou em morar na capital, mas desistiu depois de fazer todas as contas. Além das oportunidades de emprego mais próximas estarem em Goiânia, o custo de vida aqui tornaria a mudança desvantajosa. “Apenas a moradia levaria R$ 1.000,00. Isso é mais que o dobro do que gasto com combustível. Sem contar que lá estão minha família e minha história. Prefiro ficar na estrada todos os dias a mudar para a capital”, avalia.

Juliana Souza 26 anos, analista em Comércio Exterior Percurso: Nerópolis - Goiânia - Nerópolis
Cristina Cabral
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Longas esperas por coletivo

A rotina de 4 horas por dia dentro de quatro ônibus lotados não é fácil para uma senhora prestes a se aposentar. Ela diz que em sua cidade, Goianira, dificilmente encontraria emprego com carteira assinada como costureira. Por isso, tem de vir para Goiânia todos os dias. Angelita levanta às 5 horas, sai de casa às 6 horas para chegar às 8 horas no trabalho. Enfrenta longas esperas nos pontos. Até 40 minutos para o ônibus que sai de sua cidade rumo ao Terminal Padre Pelágio passar. Os dois coletivos para ir e dois para voltar são lotados. Quase sempre faz o percurso em pé. Mesmo com as dificuldades da rotina, ela não trocaria a vida em Goianira para morar em uma casa a poucos metros do trabalho, em Goiânia. Sua história, amigos e familiares a prendem ali. “Tenho meu canto, minha vida, minha história e o sossego de viver em Goianira. Vou enfrentar essa labuta até quando der conta. Um dia terá fim”, diz a costureira.

Angelita Pinto Cerqueira 62 anos, costureira Percurso: Goianira - Goiânia - Goianira

Mais de meio milhão de pessoas de outras cidades vem para Goiânia todos os dias para trabalhar

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CIDADES VIZINHAS_ DIOMICIO GOMES E RICARDO RAFAEL

Mais de meio milhão de pessoas deixam suas cidades todos os dias em Goiás para enfrentar pelo menos 70 quilômetros de rodovias, seja de carro próprio ou de ônibus, até o trabalho. Elas gastam 40% de sua renda e até três dias por mês com deslocamento intermunicipal e, mesmo assim, não abrem mão do emprego longe de casa ou da casa longe do emprego (veja depoimentos ao lado).

Este deslocamento diário de milhares de pessoas para um município diferente do que reside para trabalhar tem nome: movimento pendular. Como o pêndulo de relógio, elas deixam suas casas em busca de uma renda melhor do que a que teriam ali e voltam, motivadas pelo acesso mais fácil à casa própria e pelo padrão de vida e de consumo mais em conta.

A concentração de emprego nos municípios de maior PIB e a disparada dos preços de terrenos e de casas nas cidades-polo está tornando este movimento cada vez mais visível em Goiás. Segundo o Censo 2010 do IBGE, 573.206 pessoas faziam este movimento naquele ano. Em 2000 foram identificados 322.186. Em dez anos, o saldo o deslocamento pendular subiu 77,9%.

No Estado, este fenômeno ocorre com mais força na Região Metropolitana de Goiânia e no Entorno do Distrito Federal. Trabalhadores saem de cidades como Trindade e Bela Vista para trabalhar em Goiânia; ou de Luziânia e Valparaíso para trabalhar em Brasília (DF). Polos regionais, como Catalão e Rio Verde, também já sentem este fluxo.

O gerente de assessoramento do IBGE em Goiás, Alessandro de Siqueira Arantes, destaca que, em Aparecida de Goiânia, por exemplo, 97.344 pessoas deixam a cidade para trabalhar (quase 20% da população da cidade, estimada em 500 mil habitantes). Anápolis, onde a geração de emprego avança com a indústria, vive o inverso: apenas 5.777 trabalham em outro município (1,6% da população de cerca 358 mil habitantes).

O professor do curso de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ronan Eustáquio Borges, explica que a distribuição do emprego deve ser repensada. “O emprego é determinante para atração e repulsão. As pessoas trafegam grandes distâncias por um trabalho. Se o emprego e a renda estivessem nas cidades de origem, possivelmente este deslocamento seria menor.”

O economista Maurício Faganelo, da Consultoria Moka 21, afirma que o trabalhador fica onde o acesso à moradia é mais fácil. Ou seja, nas cidades do interior. Esta análise é confirmada pelo mercado. Uma casa de 100 metros quadrados, de três quartos, em Goiânia, hoje, é vendida a partir de R$ 200 mil. Em Goianira, a mesma casa sai por R$ 90 mil. Pesquisa do Creci-GO revela que em Aparecida o metro quadrado do terreno é de R$ 2.643,47. Em Goiânia quase o dobro: R$ 4.061,61.

Problemas

O fluxo de pessoas rumo à capital em busca de emprego todos os dias contribui para a deterioração do serviço de transporte público e para a intensificação de congestionamentos nas principais vias de acesso da cidade. Os ônibus são lotados. O trânsito é moroso e lento. O arquiteto Armando Sobrinho defende como solução a criação de moradias populares mais próximas do emprego e atração de indústrias nas cidades de PIB menor, para gerar emprego.

 

Renda até três vezes maior

15 de setembro de 2013 (domingo)

Os trabalhadores que saem de suas cidades são homens e mulheres, das mais variadas faixas etárias, que trabalham no setor terciário ou na prestação de serviços. Todos dizem que o deslocamento árduo é compensado no bolso.

Os nove trabalhadores consultados pela reportagem na última semana afirmam que a renda é pelo menos três vezes maior do que a que teriam na cidade de origem. Se num emprego no município de origem ganham um salário mínino, na capital ganham até três.

Apesar de gastarem até 40% com o transporte, principalmente os que utilizam carro próprio, o que sobra ainda é mais do que o salário que ganhariam na cidade de origem.

Fonte: O Popular