Homicídios em Goiás duplicam na última década

Assassinatos que têm mulheres como vítimas avançam 108%. Negros, 157% e jovens, 82%. Em 2013, 57% dos municípios têm registros

Goiás é um dos cinco estados brasileiros que duplicaram o número de homicídios na última década. Entre 2001 e 2011, o crescimento desse tipo de crime foi de 100,9% segundo a pesquisa Mapa da violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil, realizada pelo Centro de Estudos Latino-americanos (Cebela). Dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás ainda revelam que só neste ano houve um aumento de 14% de assassinatos em relação ao mesmo período do ano passado. E, embora a violência esteja concentrada em alguns centros, a epidemia da morte contaminou também o interior goiano.
Os homicídios estão presentes em 57% dos municípios do estado. Das 246 cidades goianas, apenas 107 não tiveram nenhum assassinato este ano e somente quatro com mais de 20 mil habitantes (veja quadro ao lado), apresentam o mesmo índice. Os números revelam que a violência se proliferou nos municípios de médio e pequeno porte, é uma “interiorização” da criminalidade, aponta o sociólogo Dijaci David de Oliveira, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Oliveira ressalta que alguns municípios estão começando a apresentar alguns índices mais elevados de homicídios. Contudo, historicamente a violência se concentra em algumas regiões específicas do estado e falta de políticas públicas para atender esses locais tem estimulado ainda mais o crescimento dos assassinatos no interior. “A região do entorno do Distrito Federal, por exemplo, é esquecida. Ela vive uma situação de dupla periferia: de Brasília e de Goiás e não recebe atenção de nenhum deles. É uma das regiões que apresentam um dos mais altos índices de criminalidade e violência no estado. Isso não é efeito da interiorização, mas da falta de estrutura social,” avalia ele.
De acordo com o sociólogo, é a infraestrutura do local que vai estimular ou afastar a criminalidade de determinada região. Quanto maior os investimentos em saúde, educação, segurança e lazer, melhor será a qualidade de vida e, consequentemente, menor a violência. Esse fenômeno pode ser observado até mesmo nos bairros, como explica Oliveira. “Tem bairros em Goiânia que não tem nenhum homicídio. Nos bairros com infraestrutura melhor você não vai ter criminalidade,” argumenta.

Exemplo do interior
Os bons indicadores sociais é a razão de Ceres ser uma dos quatro municípios goianos com mais de 20 mil habitantes com número zero de homicídios esse ano, esclarece a prefeita Inês Brito (PT). Segundo ela, a cidade apresenta o segundo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, uma renda per capita de dois salários mínimos por habitante e um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 62, nota acima da média em Goiás.
“Eu atribuo isso a qualidade de vida, ao bom nível de educação e aqui nós temos tudo que uma comunidade de 20 mil habitantes precisa: um serviço de saúde que atende desde a urgência, com o Samu, até cirurgias em hospitais de pronto atendimento, além de bombeiros, do comando da polícia militar e da delegacia civil regional,” pontua a prefeita.
Apesar de não apresentar homicídios, Ceres enfrenta problema com outros tipos de crimes e o pior, as drogas, que são responsáveis também por grande parte da violência no estado e no país. Para prevenir que a drogadição aumente os índices de criminalidade na região, a prefeitura está implantando o Programa de Qualidade na Educação Infantil, que visa inserir uma disciplina que trate de temas de saúde na educação infantil, que vai até o 5º ano. “Estamos trabalhando para garantir que não se modifique os indicadores de violência em função dos indicadores sociais. Nossa equipe está sendo treinada e o programa será implantado a partir de janeiro,” promete.

Culpa da droga?
O titular da Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DHI), Murilo Polati Rechinelli, alerta que as drogas são responsáveis por mais de 80% dos homicídios em Goiânia. Para ele, faltam políticas públicas para atender especialmente o jovem, a maior vítima dos assassinatos hoje na capital. “O traficante mata aquele que não paga. Nós vemos isso em relação às pessoas em situação de rua. Nós fizemos um trabalho onde cadastramos 550 pessoas e grande parte delas eram menores que tinham pais e não queriam voltar para as suas residências. Eram usuários de drogas e se diziam ameaçados pelos traficantes. Isso é política pública, mas o que foi feito de lá para cá em relação a essa situação?” questiona Rechinelli.
Já Oliveira acredita que colocar a culpa nas drogas é fugir do problema, que é estrutural. Na visão do sociólogo, é preciso discutir como a criminalidade organizada se estruturou no estado e porque a polícia não funcionou nesse momento. Segundo ele, Goiás passou a investir menos nos serviços de inteligência policial. “Para atuar com a criminalidade organizada não é policiamento ostensivo, mas é inteligência policial. É um discurso fácil culpar as drogas, mas a culpa é do sistema de segurança que é falho, que não está dando conta de responder,” critica ele.
A falta de estrutura da segurança pública no estado também foi ressalta pelo delegado. De acordo com Rechinelli, a falta de funcionários atinge desde servidores da delegacia até promotores no Ministério Público. “Nós gostaríamos de ter todos os policiais, escrivães, agentes e delegados para atender a comunidade e fazer um trabalho de excelência, mas não temos. O judiciário está da mesma forma, está faltando juiz. No Ministério Público faltam promotores e até hoje não temos uma defensoria pública. Ninguém tem estrutura para nada,” revela.

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Assassinatos que têm mulheres como vítimas avançam 108%  em 10 anos. Negros, 157%

Jovens, negros e, entre eles, duas mulheres. Denis Pereira dos Santos, 16, Daniele Gomes da Silva, 14, Raíssa de Sousa Ferreira, 15 e Neylor Henrique Gomes Carneiro, 18,  são as vítimas da chacina das Serras das Areias, em Aparecida de Goiânia, e representam uma triste estatística da morte em Goiás.  Em 10 anos, assassinatos que têm negros e mulheres como vítimas cresceram 108% e 157%, respectivamente, acima da média geral do estado que é de 100%. Já o dos jovens teve um aumento de 82%.
De acordo com o sociólogo Dijaci David de Oliveira, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), esse é um grave problema de segurança que se resolve com políticas públicas específicas para cada público.“Falta uma política de estrutura social. Nós temos poucas possibilidades de acesso a bens culturais para o jovem no estado de Goiás, por exemplo. Um dado que chama atenção diz respeito a elevação no número de suicídios nos jovens nesse período: ela sobre três vezes mais. Ou seja, alguma coisa está acontecendo com os nossos jovens, porque eles estão sendo vitimizados e estão se matando mais, ” ressalta o sociólogo.
Segundo Oliveira, esse alto número de mortes entre jovens negros é reflexo da padronização dos suspeitos pela polícia. “Na hora que saem pelas ruas o policiamento ostensivo acaba atingindo pessoas porque foi criado isso desde o processo do treinamento. Quem é o suspeito? A pessoa jovem e negra. E todo lugar que tem padrão você cria um problema,” alerta ele.

Fonte: Tribuna do Planalto