A vez da merenda saudável nas escolas

Projeto no Senado determina que cantinas escolares ofereçam somente alimentos saudáveis aos alunos. É o fim das guloseimas

Com o objetivo de combater a obesidade infantil, que atinge 33% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos, o Senado aprovou projeto de lei (PL) que proíbe as cantinas das escolas de fornecerem alimentos com baixo valor nutricional ou ricos em gordura e sódio. Estão incluídos aí os refrigerantes, salgados e outras guloseimas.
Caso seja aprovado, o PL abre precedentes para reverter uma situação que se agrava a cada dia. Dados recentes do Ministério da Saúde revelaram que, pela primeira vez na história, o índice de sobrepeso atingiu mais da metade da população brasileira.
A pesquisa Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) constatou que 51% da população está acima do peso. Mas o que mais preocupa é que o número de crianças com sobrepeso e doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, também tem aumentado vertiginosamente.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que constam na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2008/2009, uma em cada três crianças está acima do peso recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Veruska Prado Alexandre, coordenadora geral do Centro Colaborador em Ali­mentação e Nutrição do Escolar (Cecane) da Universidade Federal de Goiás (UFG), avalia que a aprovação do projeto pode ser uma “clara resposta” a uma realidade já bastante comum: a ocorrência de mortes que poderiam ter sido evitadas pela adoção de hábitos saudáveis.
“Vemos crescer no Brasil a preocupação com doenças que poderiam facilmente ser prevenidas. As escolas ensinam sobre higiene e a prática de atividades físicas, mas de nada adianta isso se, dentro das cantinas, eles vendem de tudo?”, questiona.
Nas unidades educacionais das redes estadual e municipal de Goiânia, já existe essa preocupação. Nesses locais, os alunos contam com uma alimentação variada e de qualidade. Na Escola Municipal Francisco Bibiano de Carvalho, no Setor Crimeia Oeste, as 290 crianças que estudam em período integral têm, todos os dias, três refeições completas.
Segundo a professora Fernanda de Sá, é servido às crianças café da manhã, almoço e lanche da tarde. “Tudo com extensa variedade de legumes, verduras, frutas e proteínas. O mapa da merenda é feito mensalmente, com todo o cardápio que iremos servir. Sempre variamos os alimentos e sua forma de preparação, observando sempre os que têm mais aceitação”, explica a educadora, que é responsável pela merenda na escola.
Para os alunos, que têm entre 6 e 12 anos, este é o momento ideal para incorporar alimentos saudáveis em sua dieta. Quanto antes adquirirem esse hábito, melhor será no futuro. E os pequenos aprendem rápido a lição.
Fábio Souza, 6 anos, sabe que precisa comer bem para crescer saudável. Nos lanches do colégio, ele aceita de tudo: frutas, legumes, carnes. Até mesmo o fígado, que muitas crianças rejeitam, o estudante come sem pestanejar.
Fábio e seus irmãos aprenderam cedo, em casa e na escola também, quais são os alimentos saudáveis e os benefícios que eles trazem. “Se comer só hambúrguer, a gente fica doente, porque hambúrguer não é alimento”, conclui o aluno, com sabedoria.
Segundo a diretora da instituição, Maria de Fátima Silva Cruz, muitos estudantes chegam à unidade sem nenhuma rotina ou controle alimentar. “Muitos não gostam de salada e de legumes e nós temos que ir incorporando isso aos poucos na rotina deles, a partir da convivência com os colegas”, explica.
Veruska ressalta que a escola é o ambiente ideal para a estruturação de uma boa dieta. “A infância é a fase em que se adquire todos os hábitos que o indivíduo leva para a vida adulta. Se ele for bem orientado nessa fase, terá reflexos positivos no futuro.”
A coordenadora do Cecane não deixa de citar a importância dos exercícios físicos como mais um componente para uma vi­da saudável. “As crianças hoje estão mui­to sedentárias. Não brincam na rua como antes e a escola está se tornando o ú­nico ambiente em que elas realizam atividades físicas, e isso é preocupante”, destaca.
Para ela, o ideal seria que os pais e as autoridades fizessem sua parte. Na sua opinião, o acesso aos parques da cidade, em muitos casos, é difícil, pois essas áreas de lazer estão concentradas nos bairros nobres e centrais. “Cabe aos pais encontrar alternativas, sempre se lembrando que as crianças aprendem pelo exemplo. A criança reflete os hábitos dos adultos. Hoje em dia, o ser humano vive mais, por conta das evoluções da medicina, mas agora a preocupação deve ser em 'como' eu quero viver no futuro”, acrescenta.

Alimentos “es­tranhos”

Por mais que um abacaxi pareça uma fruta comum para a maioria, quando se fala em crianças, tudo pode acontecer. A professora Fernanda de Sá, responsável pela merenda na Escola Municipal Francisco Bibiano, relata ser muito comum os alunos chegarem no colégio sem nunca ter experimentado esse alimento tipicamente brasileiro. “Enfrentamos muitas situações assim. Seja porque o aluno pertence a uma família sem condições financeiras ou porque os pais nunca se preocuparam em lhe apresentar esse tipo de alimento. Nós praticamente mostramos para a criança um mundo desconhecido”, analisa.
E a reação, na maioria das vezes, é positiva. Ao lado dos coleguinhas, o aluno se sente motivado a experimentar o novo e acaba gostando. Para isso, entretanto, é preciso fazer uma verdadeira alquimia na cozinha.
As manipuladoras de alimento escolar, como são chamadas hoje as merendeiras na rede municipal, recebem cursos de capacitação e aperfeiçoamento.
Segundo Noeme Diná Silva, diretora do Departa­mento de Alimentação Educacional (Dale) da SME, as profissionais fazem um curso inicial com noções básicas de manipulação e preparação dos alimentos e, ao longo do ano, podem realizar outros, mais longos, para o aperfeiçoamento das técnicas.

Peixe na merenda

Recentemente, a introdução do pescado no cardápio das escolas estaduais pegou muitas unidades “desprevenidas”, como conta Bianka Moraes Jordão Souza, gerente de Merenda Escolar da Secretaria de Estado da Educação (Seduc).
“Em Goiás não temos a cultura de consumir o peixe no dia a dia. Tivemos que orientar as profissionais com cursos específicos sobre o preparo do pescado. Hoje, a merenda se preocupa muito com a nutrição equilibrada e por isso é importante inserir alimentos novos”, destaca ela.
O resultado dessa novidade a diretora Maria de Fátima sentiu na sala de aula. “Nós nos surpreendemos com a inclusão do peixe na merenda. As crianças adoraram! Principalmente o pirão e o bolinho frito”, diz ela, explicando que o sucesso se deve também à atenção das merendeiras, que observaram quais as formas de preparo tinham agradado mais os alunos e repetiram a fórmula.
Existe também uma preocupação é em reintroduzir alimentos que normalmente são evitados. Para estimular os jovens a consumirem mais leite, por exemplo, a Seduc criou até um concurso de redação, com o título “Vida Longa ao Leite”.
A ideia surgiu da observação dos educadores, que perceberam que os alunos não estavam mais gostando do alimento, principalmente os mais velhos. Daí surgiu o concurso, que aliou a prática textual com pesquisas e atividades sobre o líquido. “O nosso papel dentro das escolas é esse: associar o pedagógico com projetos de alimentação saudável”, resume Bianka.


Os caminhos da lei

Depois de ser aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, o projeto de lei seguiu para votação na Câmara dos Deputados. Se não houver recurso para sua análise, o texto deverá passar pelo crivo dos parlamentares e, em seguida, poderá ser sancionado pela presidente Dilma.
O assunto, que não é novidade, já vem sendo discutido no Congresso Nacional há quase oito anos. O cardápio das cantinas é motivo antigo de preocupação em alguns estados, que definiram normas para selecionar os alimentos, mas até hoje não foi definida nenhuma regra que padronize nacionalmente a medida.
Com a aprovação da nova lei, os senadores esperam uniformizar a qualidade dos alimentos e estimular ações de educação nutricional e sanitária nas escolas. Pela proposta, os estabelecimentos comerciais dentro das escolas de Educação Básica que venderem bebidas de baixo teor nutricional, como refrigerantes ou alimentos ricos em açúcar, gordura saturada, trans ou sódio, não poderão continuar no local. Aqueles que não obedecerem às novas regras terão o licenciamento e a renovação dos alvarás suspensos.

Fonte: Tribuna do Planalto