Ameaça é maior no Cerrado

Bioma possui 42% das espécies extremamente ameaçadas no País, segundo levantamento da UFG

13 (domingo)

 

O desmatamento e as queimadas fazem do Cerrado o bioma onde mais concentram espécies de aves com alto risco de extinção do País. A perda e a fragmentação dos habitats naturais para dar lugar a pastagens e plantações são os fatores que ampliam a vulnerabilidade desses animais e os deixam próximos de desaparecer na natureza. Um estudo realizado pelo Laboratório de Biogeografia da Conservação da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostra que 42% das aves extremamente ameaçadas de serem extintas vivem no Cerrado.

Mais do que isso. A pesquisa releva que o bioma é a casa da maioria das aves que até agora estão fora da lista de espécies ameaçadas de extinção elaborada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), mas que estão em risco latente. Isso significa que 62% das espécies que podem começar a ser extintas em um futuro próximo têm o Cerrado como habitat natural.

Uma dessas aves é o papagaio-galego, também conhecido como papagaio-curraleiro, papagaio-de-barriga amarela e papagaio-goiaba (veja quadro). Ele vive em todo o bioma, podendo ser visto em bandos nas revoadas nos locais onde a vegetação nativa ainda predomina. Também é comum a presença deles sobre mangueiras, nas quais gastam horas se alimentando. A espécie foi registrada nos parques nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas, além dos parques estaduais do Araguaia, Caldas Novas, Serra de Jaraguá, Terra Ronca e Pireneus.

A pesquisa conclui que 5,5% das espécies que vivem no Brasil estão em perigo de ser extintas. Mas na medida em que há transformação do habitat nativo dessas aves, pelas mãos do homem, o risco delas desaparecerem aumenta. Entretanto, nem tudo se deve à ação humana.

Autora do trabalho, a doutoranda em Ecologia, Nathália Machado, explica que a pesquisa compilou todas as informações sobre história natural, biologia e ecologia das aves brasileiras, incluindo dados a respeito de onde as diferentes espécies vivem, seus hábitos preferenciais, a quantidade de filhotes que ela tem, ninhada, do que se alimenta, o tamanho de corpo e a distribuição no País.

“Analisar o quanto os aspectos biológicos e a ação do homem importam para colocar uma espécie em risco foi algo fundamental na pesquisa”, ressalta Nathália. O trabalho conclui que a perda da vegetação nativa é o que mais explica o porquê das espécies ficarem ameaçadas. Depois vem a característica da distribuição geográfica, que é algo próprio de cada espécie e não tem relação com a atividade humana, seguido da caça.

Considerados os fatores biológicos intrínsecos às aves para calcular o real risco de extinção, a pesquisa verificou que uma espécie com habitat convertido e, somado a isso, vive distribuída em um espaço geográfico pequeno, a chance de entrar em vias de ser extinta multiplica e chega a 92%. Esse é o caso do tiê-bicudo, descrito no livro Tristes Trópicos, do etnógrafo francês Claude Lévi-Strauss, em 1939. Hoje, exemplares da espécie são encontrados apenas no Parque Nacional das Emas.

Na medida em que a distribuição geográfica das aves aumenta, as chances de sobrevivência da espécie também. Nesse caso, o risco de extinção cai para 31%. Mas se esse amplo habitat for um bioma visado para as atividades humanas, a ameaça volta a crescer. Aves que se distribuem geograficamente em áreas naturalmente abertas, como os campos do Cerrado, num espaço que chega a medir o equivalente a duas vezes o Estado do Pará, têm 69% de risco de serem extintas.

As aves desempenham importante papel na natureza. Elas devoram insetos causadores de doenças e que prejudicam a agricultura. Também espalham sementes e polinizam as flores. A perda de espécies pode afetar o equilíbrio dos diferentes ecossistemas. Orientador da pesquisa, o professor Rafael Loyola afirma que estudos mostram que a extinção de espécies significa perder os chamados “serviços ecossistêmicos”. “Quando você desmata, boa parte dos dispersores e polinizadores de flores vão junto”, diz o pesquisador.

Fonte: O Popular