60% não leciona na área

 

Seis a cada dez professores não são formados na disciplina que ministram na rede pública em Goiás

Maria José Silva (Colaborou Cleomar Almeida) 07 de janeiro de 2014 (terça-feira)


Cerca de 60% dos professores de ensino médio da rede pública em Goiás não tem formação específica nas disciplinas que lecionam. Este tipo de distorção, existente há vários anos, foi evidenciado no Censo da Educação Básica 2012, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC). O estudo mostra que, na totalidade das disciplinas, Goiás está em 18º lugar no ranking dos Estados brasileiros com maior número de docentes sem cursos de licenciatura.

Na prática, isso significa que em grande parte dos colégios há, por exemplo, engenheiros que se arriscam em ensinar física e matemática; farmacêuticos que se aventuram em transmitir os enunciados de química; e biomédicos que repassam conhecimentos de biologia.

O índice de profissionais que dão aula na rede estadual sem formação específica revela um grave problema, na avaliação do professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em Educação Alcir Horácio da Silva. “Não é normal, é uma imoralidade”, critica ele, acentuando que, no País, as políticas públicas não estão preocupadas em acabar com as mazelas educacionais.

Alcir atua na área de formação de professores e ressalta que manter profissionais sem o conhecimento específico das disciplinas atende ao modelo da primazia do capital, já que, segundo ele, garante a poucos na sociedade o aprendizado adequado. “Há uma intenção ideológica no processo de educação de qualquer País, principalmente de países periféricos, como o Brasil. Existe um interesse de estratificação social. Os melhores vão executar o trabalho intelectual e a grande massa vai executar o trabalho manual”, analisa ele.

O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), João Ferreira de Oliveira, destaca que os dados do Inep apenas confirmam o desprestígio que envolve a carreira do docente. A profissão de professor, acentua, não tem status científico nem status econômico. “Qualquer profissional, de qualquer área, faz ‘bico’ na educação. Há uma falta de reconhecimento, de valorização do professor com formação especializada”, observa.

O professor da Faculdade de Educação da UFG assinala, ainda, que essa deficiência pode ser resolvida a médio prazo com a adoção de medidas para a valorização da carreira do professor. Ele afirma que as distorções existentes na sala de aula causam uma série de prejuízos, entre os quais a celebração de contratos precários e a piora na qualidade do aprendizado. “Professores graduados em outros cursos aprendem na prática como ministrar conteúdos.”
 
Em Goiás, melhora em algumas disciplinas
07 de janeiro de 2014 (terça-feira)

Apesar de os dados do Inep mostrarem graves distorções dentro das salas de aula e uma leve piora no número geral, a situação no Ensino Médio em Goiás em muitas disciplinas teve uma sensível melhora. No total e nas disciplinas consideradas mais problemáticas, como física e química, os porcentuais de docentes graduados em licenciatura na área aumentaram entre os anos de 2011 para 2012.

Nas disciplinas apontadas como eletivas, entre as quais artes, sociologia e filosofia, os porcentuais são ainda extremamente baixos. De acordo com o censo, somente 5% dos professores que ministram artes são, de fato, formados em artes. Em filosofia, o índice de docentes com graduação específica é de 4,2% e o de sociologia, somente 2,7%.

Na tentativa de pelo menos minimizar a questão, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) tem adotado algumas iniciativas com o intuito de motivar o retorno e a permanência dos professores em sala de aula. O superintendente de Inteligência Pedagógica e Formação da Seduc, Raph Gomes Alves, informa que uma das medidas foi a instituição, em 2011, do bônus de incentivo à regência.

Essa gratificação, paga uma vez por semestre, no valor de até R$ 1,5 mil, fez com que cerca de 6 mil professores retornassem para as salas de aula. Raph Gomes informa que muitos destes docentes ministram as disciplinas de química, física, matemática e biologia. A maioria, conforme diz, estava lotada em laboratórios ou exercia funções administrativas na sede da Seduc e nas subsecretarias.

O governo estadual também instituiu o piso salarial dos professores no valor R$ 2.372,00 para os graduados em curso superior. De acordo com a assessoria de comunicação setorial da Seduc, o salário de cerca de 70% dos professores da rede (categoria P-IV) passou de R$ 3,2 mil para R$ 4,2 mil.

Segunda Licenciatura

A Seduc, prossegue Raph Gomes, também passou a oferecer a segunda licenciatura aos docentes interessados. “Se um professor de física, por exemplo, ministra aulas de matemática, terá a oportunidade de fazer esta segunda graduação”, exemplifica. Atualmente, de acordo com os dados da Seduc, 98% dos professores têm curso superior.

A diretora de Políticas de Educação em Direitos Humanos, Cidadania e Meio Ambiente do Ministério da Educação (MEC), Clélia Brandão Alvarenga Craveiro, acentua o MEC criou o pacto do Ensino Médio para a formação continuada dos professores. Estes cursos, conforme diz, são desenvolvidos em parceria com as secretarias de educação estaduais e abordam diversas questões, conforme a demanda dos docentes, entre as quais etnia racial, diversidade sexual e direitos humanos.
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Professor de química em aulas de física e matemática
07 de janeiro de 2014 (terça-feira)

Há cerca de cinco anos, o professor Marcos Perpétuo de Carvalho, de 38 anos, assumiu o desafio de lecionar matemática e física em uma escola estadual no Centro de Aparecida de Goiânia. Ele é graduado em Química e, como 59,65% dos docentes em atuação no Estado, também leciona disciplinas alheias à formação original.

O professor relata que ministra aulas de química há nove anos. Ele optou por lecionar matemática e física por dois motivos: resolver o problema do déficit de docentes nestas áreas na escola em que trabalha e preencher os períodos vagos de sua carga horária. O fato de ensinar matérias alheias à sua formação, conforme diz, o força a estudar mais e a planejar as aulas com mais cuidado e rigor.

Marcos Perpétuo confessa que, eventualmente, é surpreendido pelos alunos com questões que não tem condição de responder. Os nove anos de profissão, contudo, lhe deram versatilidade e jogo de cintura para contornar a situação. “Destaco para os alunos que o avanço tecnológico e o repasse constante de informações novas me limita a resolver tal assunto naquele momento. No entanto, me proponho a discutir a questão na próxima oportunidade.”

Nessas ocasiões, o professor procura não deixar transparecer dúvidas para não perder a credibilidade dos estudantes. Ele adianta que está fazendo pós-graduação em Matemática e que, posteriormente, pretende concluir o curso superior em Física. A segunda graduação tem sido oferecida pela Secretaria Estadual de Educação aos docentes, como estratégia para diminuir o déficit nas disciplinas com poucos professores.
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Na rede particular, 46,65% não tem formação específica
Cleomar Almeida 07 de janeiro de 2014 (terça-feira)

As escolas particulares em Goiás têm 46,65% de professores sem a formação específica para as disciplinas que ministram. É o que mostra o Censo da Educação Básica 2012, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC). O presidente do Sindicato do Estabelecimento de Ensino no Estado de Goiás (Sinepe), Krishnaaor Ávila, questiona, no entanto, o levantamento. “Não sei se este índice procede”, desconfia, antes de admitir: “Mas a gente tem muitos professores sem formação específica para a matéria que leciona.”

Para o representante do Sinepe, o problema deve ser maior no interior do Estado. “No interior, acredito que possa acontecer, mas, na capital, este índice é muito insignificante. Nenhuma escola de Goiânia contrata professor, hoje, caso não tenha formação específica”, pondera. Krishnaaor acentua que o Conselho Estadual de Educação (CEE) exige a apresentação do quadro de profissionais com as respectivas qualificações, para renovar a autorização de funcionamento das escolas particulares.

Apesar de ter estourado em 2006 o prazo para que os professores tivessem formação qualificada e específica para a disciplina em que fossem lecionar, conforme estabeleceu a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação, o presidente do Sinepe diz que, à época, não houve incentivo dos governos para a criação de cursos específicos. “Há pouco tempo o Ministério da Educação criou cursos para qualificar os professores”, ressalta.
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