Um protagonista da criação da UFG


Orlando de Castro conta detalhes sobre o movimento estudantil por uma instituição federal na década de 50


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014 | Por: Editoria

Ana Maria Morais


A luta por uma universidade gratuita e de qualidade em Goiás começou na década de 50, encabeçada por alunos de instituições de ensino superior já existentes. O professor e engenheiro Orlando Ferreira de Castro, aprovado no primeiro vestibular da Escola de Engenharia do Brasil Central, realizado no ano de 1954, conta que, em 1959, a Escola de Engenharia passava por grandes dificuldades financeiras, já que o professor responsável pela obtenção de reconhecimento do Ministério da Educação e Cultura não finalizou o processo burocrático e os professores estavam sem receber, o que levou à paralisação total das aulas. “Toda a diretoria renunciou”, comenta.
Para solucionar o problema da Escola de Engenharia, da qual era aluno, Orlando fez um movimento que prometia colocá-la novamente em funcionamento. Eleito presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) no ano de 1958, conseguiu convencer alguns professores a retornarem e selecionou os melhores alunos das séries mais adiantadas para lecionarem nas mais novas, se tornando ele mesmo professor. Ajuntou toda a papelada e foi ao Rio de Janeiro para o processo de reconhecimento diante do MEC. “Custeei tudo com meus vencimentos do Lyceu. O dinheiro não sobrava nem para comprar sapato”, rememora.
Nesse ínterim, soube que a Faculdade de Farmácia e Odontologia, criada sob auspícios da Cúria Metropolitana e que funcionava desde 1948 no Pavilhão da Santa Casa de Misericórdia (onde é hoje o Centro de Convenções de Goiânia), também passava por entraves econômicos, por causa de desvios de verba, já que o dinheiro destinado à faculdade acabava nos cofres da Santa Casa. “O senador Dario Cardoso conseguiu uma verba federal de dois milhões e meio de cruzeiros, mas a Sociedade São Vicente de Paula era a mantenedora e a verba não chegou à faculdade”, acusa. “A Faculdade de Farmácia e Odontologia foi para a miséria”, completa. Enquanto isso, um projeto do arcebispo da Arquidiocese Goiânia, dom Fernando Gomes dos Santos, criava a Universidade Católica de Goiás, concretizada em 17 de outubro de 1959. “Havia o consenso de que eram necessárias seis instituições de ensino superior para a criação de uma universidade”, frisa o professor. Assim, a UCG foi fundada com os cursos de Enfermagem, Ciências Econômicas, Ciências Sociais, Filosofia, Faculdade Goiana de Direito e Escola Goiana de Belas Artes, que se tornaria o curso de Arquitetura e Urbanismo.
Segundo ele, dom Emanuel Gomes de Oliveira, que havia antecedido dom Fernando na arquidiocese, e o então governador Coimbra Bueno haviam criado a Universidade de Engenharia do Brasil Central com a intenção de federalizar, mas eles morreram e dom Fernando decidiu apoiar a criação da Universidade Católica de Goiás. Orlando comenta que a disputa foi acirrada. Os clérigos lideraram uma campanha contra a criação da UFG, porque diziam que Goiânia não comportava duas universidades. “Publicávamos artigos nos jornais. Promovíamos debates acirradíssimos, com argumentos muito bem articulados de ambos os lados, que às vezes descambavam até para os pescoções”, confessa, bem-humorado.
Ele se lembra particularmente da discussão com o professor Jorge Félix de Souza. “Ele disse: ‘Vocês são um bando de comunistas e estão a mando de Moscou! Estive falando com meus líderes espirituais e eles são contra o que vocês estão fazendo’”, conta, acrescentando que Jorge Félix havia recebido uma comenda das mãos do papa João XXIII.
Foi então que Orlando decidiu convocar outros estudantes para fazer um movimento pela universidade federal. “Convidamos alguns alunos atuantes e nos reunimos na UEE, que ficava na esquina da Avenida Anhanguera com a Rua 9, no Centro, no dia 23 de abril de 1959. Criamos a Frente Universitária Pró-Ensino Federal em Goiás. Lá foi a maternidade da UFG”, afirma, sempre orgulhoso de seus feitos e de suas prodigiosa memória para datas e fatos. “Nós, estudantes, fomos protagonistas desta história”, completa.

Disputas levam ao‘Enterro do Bispo’
Cursando na época seu último ano na Escola de Engenharia, Orlando conta que as primeiras atividades estudantis promovidas pela Frente Universitária foram audiências com autoridades, debates em salas de aulas e assembleias estudantis, alem de viagens para Brasília e afixação de cartazes e faixas por Goiânia. Numa segunda fase, de acordo com o professor, os estudantes passaram a ser mais agressivos, chegando a distribuir boletins com desacatos àqueles que eram contrários a causa, a pichar muros e a se envolver em brigas corporais. Os estudantes se sentiam inseguros porque temiam que o Congresso Nacional não aprovasse de uma só vez a criação de duas universidades para Goiás. O modelo idealizado pelos estudantes consistia em uma entidade acessível a todos, sem pagamento de mensalidades, e que oferecesse condições sociais básicas, como moradia e alimentação às camadas mais carentes da sociedade.
“Nas nossas discussões enumerávamos as vantagens de uma instituição federal, que eram ensino gratuito e os professores com salários melhores. Eu sempre usava o seguinte argumento: na Católica, a gente se sente como visita na casa alheia, já na UFG é nossa, a gente se sente em casa.” Entre os artigos contrários, ele conta que o mais virulento foi um publicado por Dom Fernando, que acusava a Frente Universitária de querer acabar com o ensino superior no Estado.
A confirmação da criação da Universidade Católica de Goiás originou a manifestação conhecida como O Enterro do Bispo, que simbolizou, na praça do Bandeirante, o sepultamento de dom Fernando. Segundo Orlando, foi um dos maiores movimentos populares de Goiás. “Os bispos mandavam na política de Goiás. E eles discriminavam as outras religiões. Nós chamamos os líderes maçons, evangélicos e espíritas e fizemos um grande enterro do bispo na Praça do Bandeirante. Representou uma reviravolta política”, afirma o professor. “Nesse dia, 21 de outubro de 1959, nós estudantes crescemos em prestígio e mandamos avisar que, se não fosse aprovada a criação da UFG, faríamos o enterro do congresso inteiro.”

O primeiro reitor
Para conseguir a autorização de funcionamento, foi imprescindível a experiência de Orlando de Castro no processo de reconhecimento da Escola de Engenharia do Brasil Central. Mais uma vez ele reuniu a papelada e gastou sola de sapato para concretizar o projeto da instituição federal. Conforme o professor, nem mesmo o primeiro reitor da UFG, Colemar Natal e Silva, cujo nome foi dado ao Campus da Praça Universitária, apoiava, inicialmente, a criação da instituição federal. “Ele também partilhava a convicção de que Goiânia não comportava duas faculdades”, informa. De acordo com Orlando, Colemar, que na ocasião era professor e diretor da Faculdade de Direito de Goiás, só aceitou o cargo de reitor porque a Frente Universitária ameaçou também fazer o seu sepultamento simbólico. “Precisávamos de um líder e se ele não tivesse aceitado, a UFG não teria sido fundada naquele ano”, reconhece, acrescentando que em seguida ele se tornou totalmente devotado à consolidação da instituição
Assim, o projeto retornou à pauta de discussões dos parlamentares e a UFG teve o projeto aprovado em 14 de dezembro de 1960, abarcando a Faculdade de Direito de Goiás, Farmácia e Odontologia, Engenharia, o Conservatório de Música e a Faculdade de Medicina, criada graças a uma intensa campanha de Francisco Ludovico de Almeida Neto. Em 18 de dezembro de 1960 foi realizada a cerimônia que contou com a presença do presidente Juscelino Kubitschek, na Praça Cívica, que foi completamente tomada pelo povo, que comemorava a fundação da universidade.