O crime de todos nós

15 de janeiro de 2014.

 

A culpa dos acontecimentos naturais (acidentes, mortes, desabamentos, tragédias, etc.), é culpa de nós seres humanos? Esse é o nosso questionamento. Será que se nós, homens, colocássemos a “mão na consciência”, encontraríamos o verdadeiro culpado ou entenderíamos que é apenas a natureza tomando seu rumo natural?

São essas perguntas que nos leva a procurar uma resposta para tantos desastres naturais. O que se vê nos noticiários atualmente são catástrofes ambientais, sejam elas de baixo ou alto impacto.

A cidade de Goiânia, que era uma Capital que pouco sofria com os eventos da natureza, agora luta com cada chuva que cai. São casas inundadas, ruas alagadas, carros e motos que rodam nas enxurradas, árvores que caem, energia que acaba, pessoas que morrem, como é o caso da boliviana Luz Marina Vargas Moreno que está desaparecida desde dezembro passado.

A professora Marilza Braga entende que algumas atitudes deveriam ser adotadas para evitar esses acontecimentos. “Ninguém tem atitude consciente, as pessoas poderiam ser consideradas culpadas por omissão!”, desabafa.

Explicações geológicas

Entrevista - Gislaine Cristina

A geógrafa e professora de Climatologia no Instituto de Estudos Socioambientais, Gislaine Cristina Luiz, que dá aulas na Universidade Federal de Goiás, em entrevista ao Diário da Manhã, abordou culpa dos homens sobre fenômenos tidos naturais e sobre quanto mais modificado um ambiente, sem levar em consideração a dinâmica do meio físico, os desastres naturais vão assumir dimensões de catástrofe.

Foto: Arquivo pessoal

Foto: Arquivo pessoal

Diário da Manhã – Os desastres ambientais atualmente são de responsabilidade da própria natureza ou dos seres humanos?

Gislaine Cristina – A questão é que os fenômenos tidos naturais, mas também os processos e fenômenos mais localizados, como deslizamentos, inundações, subsidências e erosão, ocorrem naturalmente. Contudo, dentre esses processos, alguns podem ser induzidos pela ação humana, como é o caso, por exemplo, dos processos de deslizamentos, inundações e erosões. É importante frisar que fenômenos naturais sempre ocorreram. É um processo natural da dinâmica do ambiente físico da Terra, portanto, independe da ação humana. Porém, o que tem agravado ou mesmo induzido alguns desses fenômenos ocorrerem com maior intensidade, é a ação dos seres humanos.

Outra questão a ser esclarecida é que, quando os fenômenos naturais atingem áreas ou regiões habitadas pelo homem, causando-lhe danos sociais, econômicos e ambientais, passam a se chamar desastres naturais. Portanto, o desastre natural só ocorre quando um fenômeno natural atinge determinado grupo social.

DM – Quais os principais fatores que colaboram para que os desastres aconteçam?

Gislaine Cristina – Eles são agravados pela ação humana, pois quanto mais modificado um ambiente, os desastres naturais assumem dimensão de catástrofe. Esclarecendo que essa dimensão de catástrofe é uma dimensão humana, pois a intensidade de como o fenômeno natural será recebida em determinado local dependerá do nível de intervenção humana no local.

DM – Qual a explicação que se dá para os tristes acontecimentos, provocados pela natureza nas grandes cidades e acabam atingindo inúmeras famílias?

Gislaine Cristina – Os “tristes acontecimentos” estão inevitavelmente relacionados com o grau de antropização do local. Como exemplo podemos citar as regiões serranas brasileiras. O problema é que são áreas naturalmente propensas aos deslizamentos e, quando o período chuvoso intensifica, a fragilidade da área é acentuada pelas construções irregulares e inadequadas para habitação, tidos áreas de risco (devido declividade acentuada), portanto indevida para ocupação humana.

Outro exemplo claro são os processos de alagamentos e inundações. O elevado nível de impermeabilização dos centros urbanos e ainda a ocupação das áreas tidas de várzeas, acabam por alterar completamente a vazão dos rios e também o fluxo das águas pluviais, o que deflagra para o agravamento dos processos de alagamentos e inundações. Caso as áreas ribeirinhas sejam ocupadas, daí “os tristes acontecimentos” tomam dimensões de catástrofes.

DM – Existem projetos para amenizar essas situações no futuro?

Gislaine Cristina – Os avanços tecnológicos permitem que a humanidade enfrente melhor os perigos decorrentes destes fenômenos naturais. Entretanto, essa tecnologia não é socialmente igual, portanto, são sempre aqueles de menor renda a receber com maior “fúria” os ditos desastres naturais.

Por outro lado, estudos nos apontam para maiores esclarecimentos da relação homem e natureza. Estudiosos de diferentes áreas do conhecimento muito têm contribuído para o entendimento da ação humana e as consequências decorrentes desta ação para a sociedade de uma forma geral. O que se percebe de uma forma geral, que ainda está longe dos homens aceitarem que são totalmente vulneráveis às leis da natureza. Portanto, vale destacar que para a efetiva prevenção ou mesmo para amenizar os efeitos dos fenômenos naturais, as leis da natureza devem ser respeitadas.

DM – Goiás sempre foi conhecido pelo clima quente com chuvas fortes no verão. Como se explica os alagamentos em várias partes de Goiânia, que sempre causam transtorno e até morte?

Gislaine Cristina – Os alagamentos e mesmo processo de inundação estão associados às características do meio físico da nossa região, portanto características ambientais de Goiânia e também ao processo de crescimento da cidade. Essas características naturais podem ser associadas às características de alguns rios da cidade, que por possuir drenagem de primeira ordem confere baixa capacidade de vazão desses rios e, também, ao fato de a nossa cidade apresentar característica climática de uma região tropical, portanto sujeita a chuvas intensas em curto tempo. Com essas características, que são naturais e, ainda, mediante o fato de Goiânia ter apresentado processo de urbanização intenso sem considerar as características do ambiente físico da cidade, é natural que os alagamentos e mesmo inundações se intensifiquem em certos pontos devido ao aumento das áreas impermeabilizadas e a falta de um sistema de captação das águas pluviais compatível com o fluxo das águas superficiais. Mediante tais aspectos, é cada vez com mais frequência que presenciamos situações de transtornos durante um episódio de chuva, mesmo que esse evento não seja tão intenso assim. Caso a intensidade da chuva seja elevada, então esses episódios acabam por acarretar alagamentos e inundações mais intensos e consequentemente danos sociais e econômicos e até mesmo perdas de vidas.

DM – É possível o Estado, município e órgãos responsáveis fazer algo para amenizar as situações de grandes estragos ocasionados pelas fortes chuvas?

Gislaine Cristina – Cabe à sociedade de uma forma geral aceitar o que já muito se fala de crescimento, garantindo qualidade de vida da população citadina. Como já afirmei, é preciso conhecer a dinâmica dos fenômenos naturais, os estudiosos já estão fazendo isso e oferecem instrumentos para o setor público, tanto no nível federal quanto estadual e municipal, de forma que a atuação nos diferentes níveis de esfera do poder público possa ser gerenciada e suas ações serem direcionadas conforme instrumentos de gestão ambiental e de ordenamento territorial.

DM – Qual a culpa da população com relação às fortes enxurradas e alagamentos? E como podem colaborar?

Gislaine Cristina – À população é atribuída “culpa”, contudo é a parte mais frágil de todo o processo. A população é carente de formação para entender os processos do meio físico da Terra e entender o seu papel nessa dinâmica, portanto, é uma questão de educação ambiental, nas redes pública e privada de ensino que essas questões devem ser levantadas.

Por outro lado, é a população mais carente que sente com maior “fúria” os desastres naturais. Isto ocorre justamente porque são nos locais tidos como áreas de riscos, os locais que conseguem adquirir moradias. Sabemos muito bem que no parcelamento das áreas urbanas para a comercialização de loteamentos, na maioria das vezes essas áreas de riscos são completamente desconsideradas como áreas importantes de preservação, como é o caso das áreas de várzea. Assim, tais áreas são loteadas e, consequentemente, altera por completo o fluxo das águas superficiais, culminando em processos de alagamentos mais intensos, mesmo quando ocorrem chuvas cuja intensidade não seja tão elevada. São os diferentes segmentos da sociedade que, unidos, deverão atuar para minimizar os efeitos dos fenômenos naturais nas cidades brasileiras.