Recortes de uma época

Experiência artística e convivência com Gustav Ritter, Nazareno Confaloni e DJ Oliveira são o suporte do goiano Gomes de Souza no livro Trançar com as Mãos e Tramar com os Olhos, que traz uma linha do tempo da arte moderna em Goiás

 

Bruno Félix 15 de fevereiro de 2014 (sábado)

 


As lembranças e as experiências vividas nos 40 anos de carreira do artista plástico goiano Gomes de Souza se transformam em uma linha do tempo da arte moderna em Goiás. As suas memórias estão compiladas no livro Trançar com as Mãos e Tramar com os Olhos, resultado de sua pesquisa de mestrado da UFG, realizada entre 2008 e 2010. A obra, patrocinada pela Lei Estadual de Incentivo a Cultura, discute as influências de Gustav Ritter, Nazareno Confaloni e DJ Oliveira, personagens pioneiros do Estado nesse período. O lançamento ocorre hoje, a partir das 17 horas, no estúdio do pintor, no Setor Bueno.

“Uso minha carreira como ponto de partida para contar essa história. Não é um tratado fechado. É um recorte no tempo, de estilo, de uma época pouco retratada. É um livro testemunhal de um artista que foi, talvez, quem mais se deu ao prazer de experimentar coisas diferentes. Fui abstrato, figurativo, pintei paisagem, pintei natureza-morta, fiz vídeos, entre outros. Não tive um estilo fixo como prisão. Isso porque tem muita gente que pinta o mesmo quadro a vida toda. Eu passei por várias mutações”, lembra Gomes de Souza, que teve como orientador do trabalho o professor e artista ZéCésar.

No livro, Gomes de Souza testemunha fatos vividos a partir dos anos 1970, como a estética e a poética que marcaram esses anos, a conquista de mercado no eixo Rio-São Paulo e o constante diálogo entre a arte goiana popular e o artesanato, apontado por ele como meio de sobrevivência de alguns artistas em início de carreira. “O que existia era uma questão de status, um é artista e outro é artesão”, discorre. Na obra ganham destaque nomes como Dacruz, M. Cavalcanti, Omar Souto, Antônio Poteiro, Iza Costa, Roos, Selma Parreira, Nonato, Yashira, Amaury Menezes, Ana Maria Pacheco, Siron Franco, Cléber Gouvêia, entre outros.

Outro cuidado do autor foi falar das três vertentes que cruzaram o Estado naquele período, dando origem à arte modernista goiana. Segundo Gomes de Souza, são elas: as influências do Novecento (movimento artístico italiano, que teve início em Milão, em 1922), aportadas pelas ideias e pelas mãos de Frei Confaloni; a escola alemã Bauhaus (uma das principais expressões da arquitetura moderna atuante entre 1919 e 1933 na Alemanha), estilo percebido nos trabalhos de Gustav Ritter; o do Grupo Santa Helena, experiência trazida por DJ Oliveira de São Paulo, formado por pintores nos anos de 1930 para discutir arte, pintar e trocar informações.

Dessa mistura de influências trazidas para Goiás pelos nomes citados, surgiram artistas locais que conseguiram projeção nacional. O primeiro foi o goiano Siron Franco. Diferentemente dos pioneiros, que saíram dos grandes centros para Goiás, ele fez o caminho inverso, percebendo muito cedo a importância do aval de fora, principalmente do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Ele enfrentou a concorrência pesada para poder ter uma ressonância maior. Gritou de longe para ecoar aqui e alcançou o sucesso. Todos os nomes que foram surgindo pegaram carona. A postura dele foi a de divisora de águas. Antes, praticamente não existia comércio de arte goiana”, explica Gomes.

Efeitos

Nos anos 80 e 90, segundo Gomes de Souza, um grupo de artistas goianos passou a participar das exposições mais importantes do Brasil. Eles seguiram os caminhos de Siron Franco. Na época, Goiânia também acompanhava a efervescência cultural: eram 18 galerias comerciais, lojas com produtos dedicados aos pintores, oficinas especializadas a produzir telas e esculturas. Era todo um mercado em função disso. Além disso, foi o período, de acordo com os estudos do autor, que a arte goiana viveu todas as experiências que o modernismo vivenciou em um século.

“Vivemos 100 anos em 30. Foi uma coisa acelerada. Tínhamos artistas que saíam nas ruas para pintar com os cavaletes nas costas. Era uma moda, começo da arte moderna. Víamos acontecer performances em diversos cantos da cidade. Tínhamos o abstrato, o impressionista, cursos de história da arte, entre outros. Tudo tinha uma razão, uma explicação filosófica, era na sua maioria pintores autodidatas, mas que tinham embasamento teórico graças aos pioneiros. Enfim, uma das características do modernismo é a diversidade de ações que ele tem”, analisa.

Fonte: O Popular