Planejamento de trânsito na contramão do boom imobiliário

Apesar do adensamento populacional, principais vias dos bairros de Goiânia não receberam intervenções

 

Galtiery Rodrigues 16 de março de 2014 (domingo)

O Residencial Eldorado, na Região Sudoeste de Goiânia, é um exemplo, em meio a tantos outros, que ilustra bem um processo pelo qual a capital está passando: o planejamento de trânsito na contramão da expansão imobiliária. O bairro foi alvo de um adensamento populacional acelerado, o que fez multiplicar o número de veículos que trafegam por suas ruas, mas sem alterações nas vias de acesso. Entre 2000 e 2010, a população do Eldorado aumentou 1.175%. Outros locais da cidade e em diferentes regiões também passaram e passam por situação semelhante, gerando um impacto dramático no tráfego, cuja engenharia não consegue acompanhar o crescimento da cidade.

O goianiense está ficando sem opção para fugir do trânsito. O POPULAR fez, na semana passada, o percurso que dá acesso a três regiões da cidade - Sudoeste, Norte e Sul. Todas elas abrigam bairros com experiências sintomáticas do mesmo processo vivido pelo Residencial Eldorado e cuja população já sente na pele o drama diário de enfrentar o trânsito ao sair para trabalhar e ao voltar para casa, no fim do dia. Ruas e avenidas como T-9, T-7, 136, Jamel Cecílio, 2ª Radial, 88 e Vereador José Monteiro estão saturadas e percorrê-las, em determinados horários, é uma experiência que certifica a sensação de afunilamento e demanda além da capacidade.

falta de planejamento

Doutor em Transporte e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o engenheiro civil Willer Carvalho expõe que a situação é o reflexo da falta de planejamento e de diálogo entre os Planos Diretores Urbano e de Transporte. “Eles não ‘conversam’ entre si. As diretrizes adotadas por um não estão de acordo com o que o outro estipula”, diz. Ele diz que a especulação imobiliária tem levado o morador a optar por residências mais afastadas das zonas centrais, por causa do preço mais atraente. Isso, automaticamente, acentua a necessidade de um deslocamento maior, o que contribui para espalhar o problema do trânsito para além dos bairros centrais, ainda mais quando o transporte coletivo não consegue atender satisfatoriamente esses locais.

Outro professor, mas do Mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO), Aristides Moyses, expõe que Goiânia já enfrenta uma realidade nacional. “O sistema viário não consegue dar vazão e atender a demanda de circulação e de veículos.” Só na capital o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-GO) emplaca, em média, em torno de 5 a 6 mil veículos novos por mês. Diante disso, segundo Moyses, é praticamente impossível as vias suportarem o fluxo do tráfego. “Não é o dia todo, claro. Existem horários bons para circular, mas é quando estamos trabalhando ou estudando e, fora isso, o momento de pico está se estendendo cada vez mais.”

O conflito de interesses que permeia essa história é pontuado por ambos. Os setores imobiliário, veicular e de transporte, conforme os professores, são, sabidamente, influentes e fortes ao ponto de intimidar ações do poder público. O que se viu nos últimos anos, inclusive, foram medidas que facilitam a aquisição de carros e privilegiam o transporte individual, agravando o problema. Aristides cita o exemplo da Região Sudoeste: “Lá está sendo projetada uma nova cidade. Muita gente que mora lá, trabalha do lado de cá do córrego, mas não tem nenhuma obra viária projetada para promover melhor esse escoamento de pessoas. Se demorar muito, não adianta correr atrás do prejuízo.”