Sem plano de gestão de resíduos

Após um ano e cinco meses de atraso, Prefeitura manda apressar elaboração de documento

Um ano e cinco meses depois de vencido o prazo para a elaboração dos Planos Municipais e Estaduais de Gestão de Resíduos Sólidos, o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT) decretou que documento fosse concluído em apenas dois meses. Especialistas no tema classificam como “impossível” a redação de um texto completo em tão pouco tempo. O plano é um pré-requisito para ter acesso a recursos da União e tem um conteúdo mínimo que engloba 19 itens, entre eles a identificação de áreas favoráveis para a disposição final ambientalmente adequada de rejeitos. O Estado também não concluiu o Estudo.

Outro ponto de grande importância é a implantação da logística reversa, que obriga os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de eletroeletrônicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes e lâmpadas a darem destinação final aos produtos após o uso pelo consumidor. O diretor de Gestão Ambiental da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) e coordenador do grupo de 20 técnicos destacados para elaborar o PGMRS de Goiânia, Henrique Labaig, considera este um dos principais avanços plano.

As diretrizes para a elaboração dos documentos estão descritas na Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Este texto concedeu dois anos para que Estados e municípios elaborassem seus planos de gestão de resíduos sólidos, o que Goiânia só começou a fazer em janeiro, depois de provocações e condicionantes impostos pelo Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) e pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO).

A realidade em Goiânia não é diferente das outras cidades goianas ou brasileiras: a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) divulgou em março que menos de 20% dos municípios entregaram seus planos ao governo federal. O dia 2 de agosto de 2014, que era o prazo limite para eliminação dos lixões - uma meta impossível de ser alcançada - já é encarado como novo prazo limite para elaboração do documento. E, ainda assim, CNM e outras entidades defendem a prorrogação.

“IMPOSSÍVEL”

O professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento, Eraldo Henriques de Carvalho, diz que é “impossível” elaborar o texto em apenas dois meses. “Isso é impossível. Um plano como esse é um ano. Se for para fazer cópia dá, mas fazer um plano mesmo, não.” O professor questiona: “Por que não fez antes?” Carvalho afirma que municípios do interior enfrentam dificuldades por falta de técnicos capacitados e recursos, mas este não é um problema para Goiânia. “Os melhores técnicos estão aqui e é uma cidade rica.”

Coordenador da Comissão de Trabalho de Resíduos Sólidos de Goiânia, Labaig também considera o prazo apertado, mas evita questionar a determinação do prefeito. Ele cita a exigência do TCM, emitida em 18 de dezembro passado, e que obriga o prefeito e o presidente da Amma, Pedro Wilson, a apresentarem o plano em 120 dias, sob pena de responsabilização e multa. “Acredito que o decreto venha a responder esta cobrança do TCM, mas acredito que terá que ser revisto quanto a prazo.”

EQUÍVOCO                                                                                              

“Acho que há um equívoco com relação ao tempo, porque 30 de abril estaremos em uma fase que não é a final.” Labaig diz que o documento foi proposto para ser elaborado em dois anos, e não dois meses. Vamos fazer o máximo dentro deste período, mas, respeitando todas as instâncias, temos de levar este plano para ser discutido dentro do conselho, temos de fazer audiências públicas: temos toda uma programação.”

O coordenador da comissão reconhece o atraso no início da elaboração do documento e estima que ele fique pronto ainda em 2014. A lei federal que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos não é punitiva. A principal punição imposta pela União é não liberar recursos financeiros, o que não é pouco, pois dinheiro é um problema para todos os municípios. Especialmente em uma área com pouca visibilidade política, como a gestão de resíduos sólidos.

O lixo só respinga na imagem dos gestores quando há problema na coleta, como aconteceu recentemente em Goiânia. E a situação vivida na capital aconteceu justamente por falta de pagamento das empresas contratadas em regime de urgência para coletarem as mais de mil toneladas de resíduos sólidos produzidas diariamente na cidade.

Para ambientalista, situação é de calamidade em todos os lugares

Para o jornalista e ambientalista Washington Novaes, além do problema da destinação final do lixo não dar visibilidade política, há a incompetência e os diversos interesses relacionados ao tema. “A área é uma calamidade em todo lugar. Concentra incompetência, corrupção e interesses políticos.”

Novaes afirma que todas as grandes empreiteiras - que figuram nas listas de maiores doadores de campanha em todo o País e a todos os principais partidos - já entraram no negócio de incineração do lixo. “Essas empresas fazem pressão muito grande como financiadoras de campanha.”

DELTA CONSTRUÇÃO

Goiânia chegou a ter um incinerador, que era usado apenas na queima dos resíduos dos serviços de saúde (RSS). O equipamento pertencia à Delta Construção S.A., a maior detentora de contratos com o governo federal até 2012, quando foi envolvida na série de revelações decorrentes da Operação Monte Carlo, cujo epicentro foi Goiás e o empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

A Delta detinha 12 contratos com a Prefeitura de Goiânia, entre o de locação de caminhões de lixo e um para locação, instalação e operação de uma unidade de tratamento de resíduos sólidos provenientes do serviço de saúde, através do processo de incineração por autocombustão para o Aterro Sanitário do Município de Goiânia.

O promotor Marcelo Fernandes de Melo afirma a incineração foi um pedido do MP-GO. Todos os contratos foram suspensos há dois anos, quando a Delta foi declarada pela Controladoria Geral da União inidônea.

Fieg critica demora e falta de incentivo para solucionar situação

A demora na elaboração dos planos de gestão de resíduos sólidos e os problemas na área de limpeza urbana dificultam a implantação de projetos de logística reversa, quando o empresário é responsável por dar destinação final ao produto usado pelo consumidor. Para a assessora executiva do Conselho Temático de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), Elaine Farinelli, “é impossível falar de logística reversa em Goiânia”.

Membro da Fieg nos conselhos públicos de meio ambiente, Farinelli afirma que os empresários não estão discutindo a questão porque esperam as ações dos entes públicos. “Na Fieg não discute isso porque Estado e municípios não estão discutindo. Nem sequer fizeram os planos. A logística reversa é o nível universitário e eles não conseguiram fazer a parte do ensino primário.”

Ela afirma que há diversas etapas a serem executadas antes de se falar em logística reversa. Ressalta a demora de municípios e Estados em elaborar os planos de gestão de resíduos sólidos, elementar para o avanço da discussão.

“A logística reversa é um compromisso compartilhado, não é só da indústria. Para acontecer, todos os entes têm de fazer a sua parte, inclusive a população.” A assessora executiva da Fieg considera o tempo previsto por Estado e Prefeitura de Goiânia escasso para a elaboração do documento. “Saem correndo e fazem malfeito. Um bom plano é no mínimo um ano e meio.”

O Estado realizou, há cerca de duas semanas, um evento para divulgar a elaboração do plano. “Começamos a trabalhar efetivamente em novembro do ano passado”, afirma o professor da Universidade Federal de Goiás e doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento, Eraldo Henriques de Carvalho. O Estado firmou convênio com a instituição para elaborar o documento, que deve ser concluído em novembro deste ano. “Estamos finalizando o diagnóstico dos resíduos sólidos no Estado.”

Já em Goiânia, decreto do prefeito Paulo Garcia (PT) determina a conclusão em dois meses. O prazo é considerado por todos como impossível de ser cumprido. “Eles precisam apresentar os produtos para o conselho”, afirma Farinelli.

Farinelli critica a falta de políticas públicas para incentivo da indústria da reciclagem. “É preciso pensar em incentivos para trazer empresas de reciclagem. Hoje não tem incentivo.” O Estado tem programas de desoneração de Imposto Sobre Circulação de Mercadoras e Serviços (ICMS), mas nenhum é voltado especificamente para a reciclagem.

Fonte: O Popular