Mãos de lavadeira

Cotidiano vivido por nove mulheres, que ganhavam a vida lavando roupa no Rio Vermelho, na cidade de Goiás, é tema da mostra da artista plástica e professora Selma Parreira, que começa amanhã no MAG

Bruno Félix 23 de abril de 2014 (quarta-feira)


Nas mãos, seu único instrumento de trabalho, as marcas da luta diária da profissão. As histórias de nove lavadeiras de roupas, que ganhavam o sustento de casa graças às águas do Rio Vermelho, na cidade de Goiás, há mais de 50 anos, são a inspiração da artista e professora da UFG Selma Parreira, na instalação A Dor e os Segredos, uma série de 20 fotografias. Os registros e mais dois pontos de áudio com relatos feitos pelas personagens serão expostos a partir de amanhã, às 20 horas, na sala Amaury Menezes, no Museu de Arte de Goiânia (MAG). O projeto é patrocinado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura. A entrada é franca.

A mostra, que fica em cartaz até o dia 1º de junho, promove um encontro entre passado e presente. Nas fotografias, a artista apresenta apenas as mãos deformadas das lavadeiras. Cada uma usa um anel de prata cravejado com pedra de anil (produto usado para enxaguar roupa). Essa fusão simboliza a vaidade feminina perdida no fundo das águas por causa da profissão dessas mulheres anônimas. “Elas trazem o sofrimento estampado no próprio corpo. Então, joguei um pouco de luz em uma história escura, que não foi escrita, não foi valorizada, mas que é importante”, ressalta Selma Parreira.

A percepção poética da artista invoca o cotidiano vivido por essas mulheres nas encostas do Rio Vermelho, na cidade de Goiás. A dor é nítida nas fotografias e no ponto de áudio as lavadeiras relatam o sofrível trabalho, os preconceitos que enfrentavam, como era a relação com as patroas, entre outras lembranças. “Elas lavavam de 60 a 80 peças de roupas por dia. Chegavam de manhã e voltavam no final da tarde. Com o dinheiro ganho elas compravam um litro de banha, outro de arroz, uma tira de costela e às vezes o leite. Hoje elas reclamam de problemas na coluna, friagem nas pernas, reumatismo e lesões nas mãos”, conta a professora.

Inspiração

No início da carreira, nos anos 80, Selma Parreira dedicou-se à gravura em metal. Após concluir o curso de Artes Plásticas na UFG, onde é professora desde 1993, optou pela pintura, influenciada pela pop arte e pelo movimento transvanguardista. Suas obras representavam a busca pela liberdade das formas e da expressão, em cores vibrantes, muito movimento e humor. Desde 2000, inspirada a partir do encontro com pacotes de pedra de anil, que sobraram de herança do antigo armazém de secos e molhados do avô paterno, em Anápolis, que ficaram guardados por quase 15 anos, ela incluiu uma nova vertente ao seu trabalho.

As lavadeiras vieram como um desdobramento desse universo, que fez parte da sua infância. “A partir daí abri uma pesquisa sobre o uso e desuso poético dos materiais”, recorda-se Selma. Dois anos depois, ela realizou uma instalação intitulada Luzalina, onde pedras de anil foram esculpidas imitando pedras preciosas de intenso azul e montada em uma coleção de 14 anéis de prata, expostos em pequenas caixas de acrílico. Além disso, constava na exposição uma fotografia em preto e branco com a imagem das mãos de uma mulher usando um dos anéis.

Em 2008, com a colaboração de cinco lavadeiras, uma nova experimentação foi realizada na cidade de Goiás. Selma Parreira estendeu por volta das 3 horas da manhã lençóis bem precários pintados de anil embaixo da ponte do Carmo, na porta do Hospital São Pedro, no período que acontecia no município o Festival Internacional de Cinema e Vídeo (Fica). A proposta era registrar alterações do rio e do lugar provocadas pela intervenção urbana. O resultado foi materializado no ano seguinte na mostra Lençóis Esquecidos no Rio Vermelho. Nesse período, a artista ficou dois anos sem pintar por conta da sua dissertação de mestrado.

O estranhamento da população com as peças no rio deu origem ao novo trabalho A Dor e os Segredos. Foram seis meses de trabalho durante o ano passado. No primeiro momento foram selecionadas nove mulheres. Todas elas receberam cachê para participar do projeto. Depois, uma equipe de áudio colheu os depoimentos de sete lavadeiras – duas por conta da timidez não quiseram participar dessa parte da mostra. “O trabalho vai se completar com a observação do outro”, conclui Selma Parreira. Depois da capital, a mostra segue para a cidade de Goiás em julho.

Exposição individual: A Dor e os Segredos

Artista: Selma Parreira

Data: Amanhã, às 20 horas

Visitação: De sexta-feira a 1º de junho, segunda a sexta-feira, das 9 às 12 horas e das 13 às 17 horas / sábados, domingos e feriados, das 10 às 17 horas

Local: Sala Amaury Menezes no Museu de Arte de Goiania (MAG) / Rua 1, nº 605, Bosque dos Buritis, Setor Oeste

Entrada franca

Fonte: O Popular