Desafio da inclusão no vestibular


Levantamento mostra que maior aprovação de aluno de escola pública ocorre em cursos menos concorridos

Gabriela Lima 02 de maio de 2014 (sexta-feira)

A maioria dos candidatos aprovados no processo seletivo 2014-1 da Universidade Federal de Goiás (UFG) é formada por mulheres, com renda familiar de até quatro salários mínimos e proveniente da escola pública. É o que mostra levantamento socioeconômico feito pelo Centro de Seleção, a pedido do POPULAR. O relatório não inclui os dados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Dados apontam para uma democratização no acesso à instituição, mas a inclusão social é concentrada nos cursos com menor prestígio social. Equilibrar as oportunidades de acesso nos cursos mais concorridos ainda é um longo caminho a ser percorrido.

O perfil dos candidatos está dividido em renda familiar, escola de procedência, sexo e idade (veja quadro). A idade média dos 3.090 aprovados em primeira chamada é de 19 anos; as mulheres correspondem a 54,23% deste total; 52% fizeram o ensino médio na rede pública de ensino; e quase 40% (39,94%) declarou renda familiar per capita de até dois salários mínimos. Os dados foram informados pelos estudantes no ato da inscrição. A análise não apresenta informações raciais.

A caloura de Direito matutino Flaviane Silva Cardoso, de 18 anos, comemora uma conquista rara. Ex-aluna do Colégio da Polícia Militar de Goiás Hugo de Carvalho Ramos, ela conseguiu aprovação no terceiro curso mais concorrido do último vestibular, mas graças ao sistema de cotas para estudantes de escola pública com renda familiar per capita abaixo de 1,5 salário mínimo.

Flaviane conta que, apesar de sempre ter sido uma aluna esforçada, só conseguiu entrar na universidade por conta das políticas afirmativas. Defensora do sistema de cotas, ela acredita que, apesar do avanço, ainda há um longo caminho a ser trilhado para que um maior número de pessoas tenha acesso a um ensino superior público e de qualidade. “As cotas são essenciais, mas ainda não são suficientes para inclusão social na UFG, pois os alunos das particulares ainda são maioria nos cursos mais disputados”, afirma.

O levantamento do Centro de Seleção comprova o que Flaviane tem percebido no dia a dia da universidade. A democratização do acesso varia de acordo com a área escolhida. Os estudantes que cursaram o ensino médio em escolas privadas são maioria nas Ciências Exatas (51,27%), Saúde e Biológicas (56%) e Humanas (54,38%), onde estão os cursos mais concorridos da UFG. Os alunos provenientes dos colégios públicos ocupam a maior parte das vagas apenas nas graduações e licenciaturas da Ciências Sociais (58,21%).

Os cursos mais concorridos continuam os mais elitizados. Se for levado em conta apenas os dez campeões na preferência dos candidatos, a predominância da rede privada fica evidente. Décimo curso na preferência dos candidatos, Engenharia Mecânica registrou a maior concentração de estudantes de escolas particulares, com 70%. A quantidade de oriundos dos colégios públicos está restrita aos 30% do sistema de cotas.

Preconceito

Na Medicina, graduação mais disputada do último vestibular, com 104,58 candidatos por vaga, os estudantes chegam a omitir que fizeram o ensino médio em escola pública, em sala de aula, por temerem o preconceito. Isso porque, até cinco anos atrás, quando a UFG iniciou o processo de políticas afirmativas, o curso era reduto exclusivo das classes mais altas.

Um levantamento socioeconômico realizado em 2007 mostrou que 90% das 110 vagas da Medicina eram ocupadas por alunos que fizeram o ensino médio nas escolas particulares. O perfil dos alunos em 2014 sofreu uma mudança significativa, com 36,84% dos aprovados provenientes dos colégios públicos.

Mas os dados deste ano são relacionados apenas à metade das vagas, pois a outra metade foi reservada ao Sisu. De acordo com o presidente do Centro de Seleção da UFG, Wagner Wilson Furtado, das 55 vagas do vestibular, 17 foram preenchidas pelo sistema de cotas, que inclui estudantes de escola pública, negros, pardos e indígenas. Apesar de todas terem sido preenchidas, a reportagem não encontrou nenhum calouro do processo seletivo convencional que admitisse ter feito o ensino médio em escola pública.

Ex-aluna do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), a caloura de Medicina Wêdylla Vieira Braga, de 18, foi admitida por meio das cotas para escola pública no Sisu. “Nunca escondi, mas tem gente que prefere não falar que veio da escola pública”, relata. Ela conta já ter sentido preconceito de colegas de curso, mas preferiu não detalhar o episódio. “Fizeram comentários de que eu não gostei”, resume.

Para evitar discriminação, a UFG não divulga a lista dos cotistas. Diz apenas já ter detectado o problema e que o assunto foi tratado no seminário UFG Inclui, realizado em setembro do ano passado, como desafio a ser superado.

Para o presidente do Centro de Seleção, a tendência é que haja o fim do preconceito até nos cursos elitizados, pois a inclusão social na universidade só tende a aumentar. A Lei do Sistema de Reserva de Vagas prevê que, no máximo até o fim de 2015, as cotas nas universidades federais cheguem a 50% do total de vagas.

“Como a universidade é pública, por que não privilegiar os alunos de escola pública?”, questiona. Furtado diz ainda que os cotistas costumam ser excelentes alunos. “Pode até ser que alguns tenham mais dificuldades que os outros, mas são muito dedicados e a superação é visível.”

Fonte: O Popular