Fernando Navarrete: “Ter a Eletrobras como sócia não é bom negócio para a Celg”

Para o presidente da CelgPar, Fernando Navarrete, só a transferência de ações não resolve a crise de energia. Ele revela que ainda não conseguiu compromisso formal da Eletrobras sobre os investimentos na Celg D

sábado, 10 de maio de 2014 | Por: Augusto Diniz
Navarrete em entrevista a Murilo Santos: grupo que assumiu Cachoeira Dourada distribuiu R$ 400 mi em dividendos - Crédito: Danilo Bueno

Navarrete em entrevista a Murilo Santos: grupo que assumiu Cachoeira Dourada distribuiu R$ 400 mi em dividendos – Crédito: Danilo Bueno

A crise energética em Goiás teria sido provocada por duas situações na visão do presidente da CelgPar (holding com duas subsidiárias: Celg D e Celg GT), José Fernando Navarrete: a venda da usina de Cachoeira Dourada, nos anos 90, e a má gestão da Celg D entre 2006 e 2010. Em entrevista ao Hoje de Frente com o Poder, ele fala do ‘eterno’ imbróglio entre Governo do Estado e Eletrobras para por fim aos problemas da companhia. Ao jornalista Murilo Santos, Navarrete promete para essa semana o consenso sobre o valor da Celg. O presidente comenta também sobre a recomendação do Ministério Público Estadual sobre a transferência das ações da companhia e a possibilidade de racionamento de energia.

Um dos assuntos mais comentados em Goiás é a crise da Celg. O senhor vive internamente esse processo. O que nós aqui fora não sabemos?

Na verdade aqui de fora não sabemos de muita coisa. Essa situação tem uma razão de ser que evidentemente começa no passado, mas também desenha um futuro para todos que dependem da Celg.

Começa quando?

Essa questão costuma ser muito utilizada como um tabu de discussão política. A Celg tem como atividade única a distribuição de energia. No passado, finais dos anos 80 e começo dos 90, iniciou-se um processo de terceirização das atividades da Celg. Ali começam os problemas. Depois a venda do nosso principal ativo, ao final dos anos 90, a (usina) Cachoeira Dourada. Dizer que essa questão não é pontual e atual é faltar com a verdade. O grupo que adquiriu a usina distribuiu no ano passado quase R$ 400 milhões de dividendos. Se hoje resolvemos o problema da Celg com investimentos de R$ 800 milhões, dois anos de dividendos de Cachoeira Dourada seriam a solução. Então vender o principal ativo não é uma questão do passado, pois há reflexo do passado até os dias de hoje.

Mas é o problema principal?

É um dos pontos principais, mas não é o único. Se hoje podemos dizer e sustentar que Cachoeira Dourada traria para os cofres da Celg em torno de R$ 400 milhões, como resultado e lucro, e se colocarmos este valor dos anos 2000, e não de 1997, para cá, estamos falando de R$ 4,5 bilhões. Como é que isso não impacta? Mas outro momento crucial para esse imbróglio atual é a omissão que existiu de 2006 até o início de 2011.

Por parte de quem essa omissão?

Da gestão da Celg e do governo que então administrava o Estado. E é muito simples justificar. De 2006 até 2011 a Celg não teve um único reajuste tarifário e teve que sustentar durante esses anos um crescimento econômico do Estado muito acima da média nacional. E sustentou bem, pois estamos com problema de carga, de entrega de energia, com problemas de qualidade nos indicadores técnicos nestes três últimos anos. O sistema não aguentou tanta demanda sem investimento. Tivemos o reajuste tarifário só em 2012. Impactou em R$ 400 milhões em um ano. Imagine cinco anos sem esses R$ 400 milhões. São R$ 2 bilhões de receita que não aconteceram. Cinco anos captando dinheiro no sistema financeiro a juros de 220%. Foi um endividamento de custo muito grande da Celg.

E sem receita para investimentos…

Por que a Celg não consegue investir? Porque não tem caixa. Mas por quê? Porque tem a receita comprometida com dívida. Ficamos de 2006 até 2011 tendo o fornecimento de energia de Itaipu sem pagar, o que gerou uma dívida de R$ 1 bilhão. A Celg também de 2006 para cá não pagou encargos setoriais, mais R$ 2 bilhões de dívidas. As omissões de gestão de 2006 para cá, o não reajuste tarifário, o não investimento, a captação de recursos a juros altos, a compra de energia sem pagar, tudo isso agravou muito a situação da Celg.

Mas a gestão 2006 até 2010 sempre reclamou que havia um acordo, com apoio do governo federal, e a atual gestão interferiu dizendo que não cumpriria aquele acordo…

Qual é verdade sobre o acordo com a Eletrobras negociado à época da gestão anterior. Diverge no que agora foi feito em que? Eu conheço dois instrumentos dessa negociação com o governo anterior. Existia a minuta ou o pré-contrato com a Caixa Econômica Federal da mesma operação feita conosco, algo em torno de R$ 3 bilhões e um protocolo de intenções.

Era tudo a mesma coisa?

Sim. Ocorre que na gestão anterior não se alterava a estrutura societária da Celg. O Estado de Goiás continuava controlador e a Eletrobras minoritária.

Mas isso não era um fator positivo?

Não era. Por quê? A Eletrobras por esse protocolo de intenções teria total gestão da empresa sem nenhum compromisso com o passivo. E o problema era o imenso passivo. Então teríamos uma gestão, com exceção da presidência, todas as diretorias e demais conselhos das Eletrobras. A empresa mandando sem nenhum comprometimento com o passivo e a dívida. Hoje vai ter parte dos benefícios, mas pelo menos o compromisso com a metade das dívidas. Outro ponto que diferencia o acordo passado, que nunca foi realidade, só negociação, era a prioridade para a liquidação das dívidas com a própria Eletrobras. No atual acordo a dívida da Eletrobras foi parcelada em sete anos. Priorizou-se o pagamento do ICMS porque repercutia no tesouro estadual e nas prefeituras. A perda do controle teve como contrapartida atual também o compromisso com o passivo, que antes não tinha.

Com todos esses problemas há uma saída para a Celg?

Claro que há uma saída para a Celg e é para todos do Estado. É evidente que por um lapso de tempo acima do desejado, com atendimento deficitário e não poucas vezes precário, as pessoas passem do orgulho da maior empresa goiana a ter sentimento de afastamento. É claro que a Celg tem solução. Mas o problema é grande, porque o endividamento do início de 2011 se aproximava dos R$ 7 bilhões.

E hoje?

Hoje se levarmos em consideração a prorrogação terminando em 2015, o Estado teria direito aos ativos indenizados, linhas, usinas, o que o poder concedente nos devolveria, sobraria uma dívida de R$ 2 bilhões. Existem R$ 2 bilhões de ativos a serem ressarcidos, a grosso modo, e ainda R$ 4 bilhões de dívidas. Tem solução? Tem. A solução passa necessariamente pela compreensão do governo federal de que é necessário ainda mais uma operação de crédito para salvar a Celg em definitivo.

O setor industrial reclama muito que falta energia para investimentos. Reclama da compra excessiva de geradores. O pré-candidato a governador Vanderlan Cardoso (PSB), aqui no Hoje de Frente com o Poder, disse que a questão energética é o maior gargalo de Goiás, maior até do que segurança, saúde e educação. E apesar de reuniões, teleconferências, termo de entendimento entre Governo do Estado e Ministério de Minas e Energia, a solução não sai do papel e sempre é adiada. A negociação parece não ter fim…

Quem primeiro entregou o laudo de avaliação da Celg ainda fruto da primeira negociação foi o Estado de Goiás. A Celg em maio de 2013 e a Eletrobras em junho de 2013. Houve uma divergência de valores expressiva. A UFG entregou pela Funape um laudo avaliando a Celg em mais de R$ 6 bilhões. E a Eletrobras, pela Deloitte, uma avaliação de pouco menos de R$ 400 milhões.

Uma diferença considerável…

Enorme. Então foi necessário convergir para aproximar estes laudos. O que levou tempo foi esse ajuste de premissas. Os laudos estão agora em fase de conclusão. Na próxima semana teremos uma sinalização clara do valor da Celg. E passar-se-á para a discussão mais importante que é como colocar a inevitável prorrogação da concessão no contrato de transferência do controle.

Qual é a tendência?

No que depender da CelgPar uma cláusula sobre a prorrogação. Se a Celg tiver a concessão prorrogada, e terá, o valor dela será ‘x’. Como dividir este plus? Estabelecendo um percentual para o Estado e para a Eletrobras. Sobre a reclamação dos industriais e quando a Celg terá normalizada a capacidade de bem distribuir energia, provavelmente nos próximos 12 ou 24 meses serão realizados investimentos necessários para que a Celg volte a ser orgulho de todos. Qual a fonte de recursos? Estamos finalizando uma operação de R$ 1,9 bilhão, que vai limpar o que resta de passivos.

A Celg pode ser privatizada?

Eu entendo que pode. Hoje a Celg tem 2 milhões e meio de consumidores. Ficar cuidando de 2,5 mi de energia não é papel do Estado. É muito mais estratégico gerar e transmitir energia. Mas é uma discussão de viés ideológico. O fato é que nossa futura sócia, a Eletrobras, o que vemos noticiado pelos seus balanços e pela imprensa é que está desidratando.

Com prejuízos nos últimos anos…

É. A Eletrobras teve nos últimos dois anos, nesta política eleitoreira de vender por uma realidade não praticável energia barata às custas das estatais, prejuízo operacional de quase R$ 14 bilhões. Nestes mesmos dois anos perdeu R$ 31 bilhões em ativos, outra coisa que preocupa o Estado e a CelgPar. Aquela empresa com quem fizemos o protocolo de intenções e assinamos em 2012 um acordo de gestão e de acionistas não é hoje a mesma. Contudo estamos convencidos que o poder de recuperação da Eletrobras é o poder de recuperação do governo federal.

Esse prejuízo pode influenciar na negociação?

Pode e está influenciando. Quando se negocia um ativo cujo dono em última análise é o cidadão, tem de se fazer a negociação na certeza de um resultado bom para a sociedade. E chamar para sócio uma empresa que hoje enfrenta dificuldades de investimentos é claro que é um complicador.

Não é um bom negócio…

Não é. Sempre que posso provoco o presidente (José da) Costa (Carvalho Neto), da Eletrobras, e o doutor Leonardo Lins, presidente desde fevereiro de 2012 da Celg D, como serão os investimentos na Celg? Porque o Estado viabilizou a parte do desequilíbrio econômico-financeiro, colocou R$ 3,5 bilhões e vai colocar mais R$ 1,9 bilhão. Vai sanear a empresa no viés econômico-financeiro. Mas até hoje não consegui um compromisso formal por parte da Eletrobras dizendo como e quanto vai investir.

Isso é preocupante…

É claro que é preocupante. É uma das coisas que queremos nesta negociação, é fechar, certificar e estabelecer.

Não há qualquer cronograma?

Existe sempre a informação macro ‘é necessário investir no sistema da Celg, que está degradado, colocar em sintonia fina de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão’. Os números macros sempre dizem, quando chegar a eles é que ainda faltam ficar mais expressivos. Aparentemente o que existe é uma intenção de ir ao mercado e tomar esse dinheiro necessário para investimentos. E eles serão responsáveis por 51% e o Estado por 49%.

Mas eles ainda não se posicionaram…

Inclusive esse é o mote da ação e do inquérito que o Ministério Público Federal move em relação a transferência. O MPF quer saber como o consumidor goiano vai se beneficiar com essa operação. (apoio: Felipe Coz e Augusto Diniz)

Fonte: O Hoje