Presos 3 da Frente de Luta GO

Estudantes são suspeitos de danos qualificado, formação de quadrilha e incitação ao crime em protestos

Malu Longo e Vandré Abreu

24 de maio de 2014 (sábado)

 

A sexta-feira ainda não tinha clareado quando o jovem Heitor Vilela, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG), foi surpreendido em casa, no Bairro Goiânia 2, Região Norte da capital, com um presente nada agradável no dia do aniversário de 20 anos. Três policiais da Delegacia Estadual de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) apresentaram ao jovem um mandado de prisão preventiva. O mesmo ocorreu com outros dois jovens: Ian Caetano, de 20 anos, estudante de Ciências Sociais da UFG; e João Marcos Aguiar, de 18 anos, estudante de Artes Gráficas e secundarista.

O também estudante de Jornalismo da UFG Tiago Madureira Araújo, de 33, foi procurado pelos agentes da Draco, mas estava foragido até a noite de ontem. Os quatro são integrantes do movimento Frente de Luta GO e suspeitos de dano qualificado, formação de quadrilha e incitação ao crime nas manifestações pela melhoria das condições do transporte coletivo da região metropolitana. Ao todo, o juiz Oscar de Oliveira Sá Neto, da 7ª Vara Criminal da comarca de Goiânia, expediu nove mandados judiciais que seriam cumpridos na madrugada de ontem por 25 policiais civis numa operação batizada de 2,80, uma alusão ao preço da passagem de ônibus.

Os outros cinco mandados, além dos quatro de prisão preventiva, eram de busca e apreensão e todos foram cumpridos. Levados para a sede da Draco, em Campinas, os estudantes foram ouvidos e acompanhados por advogados do movimento e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Goiás (OAB-GO). Também estiveram na delegacia representantes do Centro de Referência em Direitos Humanos, da Comissão de Segurança Pública da OAB-GO, um assessor do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado Mauro Rubem (PT), e o reitor da UFG, Orlando do Amaral.

De acordo com o titular da Draco, delegado Alexandre Lourenço, as investigações são amplas e complexas. As ações policiais de ontem são apenas as primeiras de uma série que está por vir. “Nesta fase temos como enfoque as manifestações dos dias 15 de abril, no Câmpus 2, e do dia 8 de maio, no Eixo Anhanguera”, explicou. Nesse dia um veículo articulado foi incendiado por manifestantes. Também na investigação, o delegado adjunto Thiago Torres enfatizou que o inquérito não é político, mas em decorrência de crimes de danos ao patrimônio. “Manifestações são válidas e legítimas, mas o Estado tem de intervir quando há prática de crime”, afirmou.

O foco da operação são os membros do Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR), em que, segundo a Polícia Civil, atuam os quatro estudantes. No entanto, amigos de todos eles, familiares e membros do grupo afirmam que eles não participam do MEPR, sendo membros apenas da Frente de Luta GO. Embora os grupos tenham integrantes em comum, a maioria dos participantes do MEPR deixou de frequentar as reuniões da Frente em outubro, por divergências políticas, criando a Frente Independente Popular (FIP). Os panfletos apreendidos pela polícia são da Frente de Luta GO.

ANIVERSÁRIO

Ontem, conforme anunciou em sua página na rede social Facebook, Heitor Vilela comemoraria seu aniversário com o lançamento de um fanzine que seria vendido a 2 reais em um sarau promovido por estudantes. O dinheiro tinha como destinação o pagamento de fiança de colegas presos, uma situação recorrente desde que tiveram início os protestos com atos de vandalismo, depredação e queima de ônibus; além de ajudar no pagamento do tratamento dentário de um estudante secundarista de 16 anos, que perdeu quatro dentes na manifestação do dia 8 de maio. O ônus da fiança do estudante provavelmente será arcado por sua família.

Pai de Heitor, o servidor público Agenor Pauliner Vilela disse na delegacia que não concordava com a forma como os policiais chegaram à sua casa. “Sou síndico do meu prédio, eles não deixaram nem interfonar no meu apartamento, fomos acordados antes da 5 horas. Achei a ação desproporcional para um crime de danos”. Lourenço contestou dizendo que tem provas de que o grupo iniciou a operação às 6 horas. A preocupação dos familiares era com a possibilidade de os jovens serem encaminhados para a Casa de Prisão Provisória (CPP), o que acabou ocorrendo no início da tarde.

Na saída da delegacia, os três jovens foram aplaudidos pelos colegas e ouviram gritos de que as manifestações terão continuidade. Ian Caetano também foi preso em casa e João Marcos, conhecido como João Lennon, em um ponto de ônibus em Senador Canedo, a 18 quilômetros de Goiânia. Aguardando o desenrolar dos acontecimentos, a costureira Joana Aguiar Lima, mãe de João Marcos, estava apreensiva com o valor da fiança, mas o delegado Alexandre Lourenço explicou que essa definição seria da Justiça. “Eu falava para ele que poderia ser preso. Eu mantenho a casa costurando”, disse ela. A costureira confessou estar “com o coração na mão”.

PRESOS COMUNS

O principal receio dos familiares e amigos dos três estudantes era o de que eles fossem levados para a CPP. Após negociação com membros da OAB-GO, a decisão foi de colocá-los junto aos detentos de melhor comportamento na CPP. Heitor Vilela, Ian Caetano e João Marcos Aguiar chegaram à CPP por volta das 15h30 foram para o local conhecido como verdinho. Nele estão os presos que trabalham dentro do Complexo Prisional por apresentarem bom comportamento.

Grupos distintos pelo transporte

Diferentes movimentos e ideologias participam das manifestações

Frente de Luta GO

Criado em 2013, em Goiânia

Formado por membros de vários grupos diferentes e mesmo aqueles independentes

Nenhum grupo participa da Frente, apenas alguns de seus membros

Age prioritariamente por melhorias no transporte coletivo da região metropolitana de Goiânia

Assume-se como horizontal, sem ter lideranças

Oficialmente, é contrário às depredações e queima de ônibus e outros patrimônios

Apoia politicamente ações de vandalismo

Não tem ideologia definida, até pelo caráter diverso

Movimento Estudantil Popular Revolucionário - MEPR

Criado em 1995, em um congresso estudantil de Goiânia

Formado nacionalmente, por dissidentes de outros movimentos estudantis, como a UNE, Ubes e MR-8

Age em diversas frentes e causas do Brasil e internacionais, como Copa do Mundo, educação e transporte coletivo

Também se assume como horizontal e que o movimento estudantil deve surgir de cada sala de aula

Possui representatividade em diversas organizações, como DCEs em universidades

Historicamente, é favorável aos atos mais radicais durante as manifestações

É definido como maoísta, seguindo a filosofia do ex-presidente chinês Mao Tsé-Tung

O jornal Estudantes do Povo é o órgão informativo do movimento

Cisão por ideologia

Membros do MEPR participaram da fundação da Frente de Luta GO

A partir de julho de 2013, os integrantes do movimento passaram a discordar dos rumos da Frente

Afirmando que as causas das manifestações deveriam ser mais abrangentes, ouve uma cisão

A ocupação da Câmara Municipal por professores no ano passado foi ponto chave para a saída dos membros

A Frente de Luta teria apoiado a ocupação apenas politicamente e o MEPR queria uma participação mais ativa

Em outubro, membros do MEPR criaram a Frente Independente Popular (FIP) GO, seguindo uma tendência iniciada no Rio de Janeiro

Quem são os presos

Heitor Vilela, 20 anos

É estudante de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), trabalha no sindicato dos servidores da universidade e é desenhista. Um dos fundadores da Frente de Luta GO e não participaria do MEPR. Já foi detido pela Polícia Militar em outras manifestações. Participou de movimentos estudantis na universidade, como o Ocupa UFG, e outros alheios ao transporte (Não vai ter Copa).

Ian Caetano, 20 anos

É estudante de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Socias (FCS) da UFG, também é músico. Participa ativamente da Frente de Luta GO e também não atuaria pelo MEPR. Chegou a ser detido pela PM em manifestações do ano passado, assim como participa de movimentos políticos dentro da universidade e outros alheios ao transporte (Não vai ter Copa).

João Marcos Aguiar, 18 anos

Conhecido como João Lennon, é estudante de Artes Gráficas do Senai e secundarista. Participou de outros movimentos que não eram ligados apenas ao transporte coletivo, como o Não vai ter Copa. É integrante da Frente de Lutas GO e nunca havia sido detido pela polícia, já que atingiu a maioridade recentemente.

Mandado em aberto:

Tiago Madureira Araújo, 33 anos

É estudante de Jornalismo da FIC-UFG e é músico, nascido em Sergipe. Membro ativo da Frente de Luta GO, mas afirma não participar do MEPR, se declarando anarquista e independente. Já foi detido pela Polícia Militar em outras manifestações pelo transporte público e em outros anos, quando era estudante de Geografia na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Polícia diz que haverá novas prisões

(M.L. e V.A.)

24 de maio de 2014 (sábado)

O POPULAR apurou que a direção da Polícia Civil determinou que a Draco assumisse as investigações a partir do incêndio do ônibus do Eixo Anhanguera, administrado pela Metrobus, empresa do governo estadual. Lourenço explicou que tudo o que tinha sido apurado preliminarmente pelo serviço de inteligência foi encaminhado para a Draco, como fotos, vídeos e monitoramento das redes sociais. O delegado informou que outros grupos estão sob investigação e novas prisões deverão ocorrer.

A depredação de pelo menos cem veículos do transporte coletivo da rede metropolitana de Goiânia é alvo de investigação da Polícia Civil. Também está sendo apurada a participação de partidos políticos no financiamento dos atos de protesto. Na casa dos acusados foram apreendidos, além de computadores e celulares, também cartazes e panfletos. Luvas e máscaras hospitalares, gazes e esparadrapos e até um estilingue são outros itens que integram o rol de apreensões que, segundo a polícia, seriam utilizados para a confecção de coquetel molotov - bombas caseiras incendiárias.

Em um dos cartazes artesanais foram desenhadas três cabeças cortadas com as indicações de que seriam da Polícia Militar, do prefeito Paulo Garcia (PT) e do ex-presidente da CMTC, Ubirajara Abbud. Em outros inscrições como “não vai ser amistoso” e “passagem aumentou, vamos tocar o terror”. Também haveria um panfleto com o passo a passo para a confecção dos coquetéis molotov. Segundo o sociólogo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Nildo Viana, há falhas na investigação da polícia, como a associação dos presos com o MEPR. “A prisão é irregular e criminaliza quem não tem atividade criminosa.”

A alegação de associação criminosa para a prisão dos estudantes é com base na alteração do Código Penal ocorrida no final do ano passado, em virtude da realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil. Até então, o termo utilizado era de formação de quadrilha. Pela associação, a pena é de reclusão de 1 a 3 anos. “Do ponto de vista do Estado, tem que cumprir a lei, mesmo que eu seja contra repressão a movimentos populares, mas nem isso está sendo feito. Estão prendendo pessoas que não pertencem ao grupo que criminalizam. Eles têm de compreender o movimento e as organizações”, diz Viana.

 

Polícia diz que haverá novas prisões

 

(M.L. e V.A.)24 de maio de 2014 (sábado)

 

O POPULAR apurou que a direção da Polícia Civil determinou que a Draco assumisse as investigações a partir do incêndio do ônibus do Eixo Anhanguera, administrado pela Metrobus, empresa do governo estadual. Lourenço explicou que tudo o que tinha sido apurado preliminarmente pelo serviço de inteligência foi encaminhado para a Draco, como fotos, vídeos e monitoramento das redes sociais. O delegado informou que outros grupos estão sob investigação e novas prisões deverão ocorrer.

 A depredação de pelo menos cem veículos do transporte coletivo da rede metropolitana de Goiânia é alvo de investigação da Polícia Civil. Também está sendo apurada a participação de partidos políticos no financiamento dos atos de protesto. Na casa dos acusados foram apreendidos, além de computadores e celulares, também cartazes e panfletos. Luvas e máscaras hospitalares, gazes e esparadrapos e até um estilingue são outros itens que integram o rol de apreensões que, segundo a polícia, seriam utilizados para a confecção de coquetel molotov - bombas caseiras incendiárias.

 

Em um dos cartazes artesanais foram desenhadas três cabeças cortadas com as indicações de que seriam da Polícia Militar, do prefeito Paulo Garcia (PT) e do ex-presidente da CMTC, Ubirajara Abbud. Em outros inscrições como “não vai ser amistoso” e “passagem aumentou, vamos tocar o terror”. Também haveria um panfleto com o passo a passo para a confecção dos coquetéis molotov. Segundo o sociólogo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Nildo Viana, há falhas na investigação da polícia, como a associação dos presos com o MEPR. “A prisão é irregular e criminaliza quem não tem atividade criminosa.”

 

A alegação de associação criminosa para a prisão dos estudantes é com base na alteração do Código Penal ocorrida no final do ano passado, em virtude da realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil. Até então, o termo utilizado era de formação de quadrilha. Pela associação, a pena é de reclusão de 1 a 3 anos. “Do ponto de vista do Estado, tem que cumprir a lei, mesmo que eu seja contra repressão a movimentos populares, mas nem isso está sendo feito. Estão prendendo pessoas que não pertencem ao grupo que criminalizam. Eles têm de compreender o movimento e as organizações”, diz Viana.

 

 Advogados questionam razão da prisão dos jovens

 

(M.L.)24 de maio de 2014 (sábado)

 

Bruno Pena, advogado da Comissão dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou ao POPULAR que entraria com pedido de revogação da prisão preventiva dos quatro acusados. Para ele, que já tirou das celas mais de 40 manifestantes, o inquérito não se sustenta. “O trabalho da polícia tem sido muito mais de dispersar as manifestações do que identificar os envolvidos. Nas prisões anteriores não deu em nada, porque não havia prova de quem depredou ou incendiou os ônibus”.

 

Advogada do movimento, Nathália Oliveira concorda e vai além. “A prisão preventiva foi dada fora do normal, sem os mínimos requisitados da legislação penal, foi mais uma prisão política”, acredita. Segundo ela, o inquérito não tem nenhum indício de autoria, os jovens não possuem antecedentes criminais, possuem residência fixa, estudam e trabalham. Jorge Paulo Carneiro, da Comissão de Segurança Pública da OAB diz que as razões das prisões “são discutíveis”. Para ele pode ter existido uma desproporcionalidade quando o juiz optou pela prisão preventiva.

 A notícia da prisão dos estudantes correu logo que elas foram efetuadas. O reitor da UFG, Orlando Amaral, foi procurado em seu gabinete por um grupo de estudantes que solicitaram um ônibus para levar universitários para a porta da Draco, onde fariam manifestação. Localizada numa movimentada esquina do bairro de Campinas, a delegacia, onde também vem atuando a Força Nacional, foi isolada logo cedo por policiais militares e agentes da Secretaria Municipal de Trânsito.

 Familiares, colegas e namoradas dos detidos lotaram o prédio, mas de dentro da recepção alimentaram as redes sociais e apelaram para que não houvesse protesto diante da Draco. Mesmo sem ter notícias da movimentação, o reitor da UFG não atendeu o pedido dos universitários alegando que não achou prudente e preferiu ir pessoalmente à delegacia. “Viemos para conversar com o delegado, que nos tranquilizou em relação ao procedimento e às garantias constitucionais”.

Fonte: O Popular