Jornada cada vez mais intensa

Mudanças no mercado de trabalho fazem com que médicos aumentem vínculos empregatícios, o que pode afetar atendimentos

Galtiery Rodrigues 08 de junho de 2014 (domingo)

A multiplicidade de vínculos empregatícios, embora não seja uma situação específica dos médicos, é uma realidade cada vez mais crescente entre os profissionais de medicina. Conforme casos oficialmente identificados pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam), existem aqueles que chegam a manter até seis empregos e exercer uma carga horária de trabalho de mais de 100 horas semanais, o que significa quase 60% do tempo em atividade. Entre os representantes da categoria, a justificativa para isso é a ausência de planos de carreira e de contratações com carteira assinada, o que obriga o profissional a recorrer a vários locais de trabalho. Em contrapartida, a sobrecarga e o estresse gerado podem influenciar diretamente na qualidade do tratamento e comprometer um elemento básico da profissão, que é a relação médico-paciente.

Os cuidados a serem tomados, levando em consideração o limite e a disposição pessoal, são de responsabilidade do médico. A legislação permite, em caso de trabalho na rede pública, uma carga horária máxima de até 60 horas por semana. Além disso, é comum o profissional recorrer a plantões e outros trabalhos na rede privada ou, até mesmo, abrir um consultório particular. “É quase regra geral. Mais de 50% dos médicos trabalham mais de 60 horas. O motivo basicamente é complementar a renda mensal”, afirma o presidente da Fenam, Geraldo Ferreira. Ele lembra que os vínculos da profissão ainda são muito precários, por meio de contratos temporários e, muitas vezes, não se respeita o piso salarial proposto pelos sindicatos.

Na balança desse contexto, a desafio é manter o equilíbrio entre o interesse de aumento da remuneração e a qualidade de vida do profissional e, principalmente, do atendimento ao paciente. Geraldo Ferreira e o presidente do Sindicato dos Médicos de Goiás (Simego), Rafael Cardoso Martinez, compartilham da mesma opinião. Ambos consideram essa situação prejudicial para o exercício da profissão, “porque o médico passa a ter tudo a mais: o deslocamento de trânsito é maior, os riscos, o cansaço e, claro, a dificuldade de priorizar e dar atendimento devido aos pacientes, porque ele está com a atenção dividida”, expõe Rafael. O certo, para ele, seria oferecer exclusividade de emprego, com remuneração adequada e plano de carreira.

A profissão em si se caracteriza pelo perfil liberal e, assim, se desenvolveu historicamente. No passado, há 50, 60 anos, o comum era encontrar médicos com consultórios próprios e, cujo valor do serviço prestado era diretamente negociado com o paciente, que fazia as vezes de cliente. Esse modelo de trabalho, que fortalecia a relação entre as partes, ainda existe, mas em escala bem inferior.

O surgimento e implantação dos planos de saúde, de mais postos de trabalho na rede pública, a revolução tecnológica e o aumento sistemático da população, que impactou na necessidade de proliferação de clínicas e hospitais, elevaram a maioria dos médicos à condição de empregados e prestadores de serviço. Os pacientes continuam exercendo o mesmo papel, mas na formação médica e no exercício ideal da profissão eles devem ser a prioridade máxima.

No livro Cartas para Estudantes de Medicina, escrito pelo médico e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Celmo Celeno Porto, de 80 anos, a relação médico-paciente é chamada de prova de fogo, por meio da qual o profissional percebe se está ou não na atividade certa.

Mais de 90 horas semanais

CONGRESSOS 08 de junho de 2014 (domingo)

De segunda a sexta, a jovem médica Fernanda Gerst, de 28 anos, faz residência em cardiologia no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). O horário, geralmente, é das 7h às 19 horas. Além disso, todas as segundas e quintas-feiras, ela realiza plantões no Hospital Jacob Facuri, onde fica das 19h às 7h. Ou seja: ela chega a trabalhar, duas vezes por semana, por 36 horas ininterruptas. “Às vezes, dá para dormir umas quatro horas na madrugada de plantão”, ameniza.

E, para completar, ela precisa ir todas as manhãs de sábado e domingo até o Hugo para acompanhar a evolução dos pacientes e ainda encontra tempo para participar de congressos, simpósios e encontros científicos da especialidade. A rotina é corrida, pode chegar a 92 horas de trabalho semanais, exige disciplina, foco e Fernanda gosta do que faz. “É complicado, mas, assim, é até bom”, diz.

 

Fonte: O Popular

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