Palhaço das perdidas ilusões

A estratégica do CD/DVD ao vivo, Entre Cabelos, Olhos & Furacões, de Filipe Catto, é confirmar para um público maior as qualidades do artista no palco

terça-feira, 10 de junho de 2014

Adalto Alves

 

O cantor gaúcho Filipe Catto, uma revelação dos últimos tempos, traz a Goiânia, pela primeira vez, o espetáculo Entre Cabelos, Olhos & Furacões, título de seu segundo CD e também um DVD ao vivo, ao projeto Música no Campus, marcado para as 20h30, no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Goiás (UFG), no Campus Samambaia.

 

Filipe, um garotão de 20 e poucos anos, tem uma voz que lembra muito, não por culpa de ninguém, o timbre de Ney Matogrosso. Visualmente, os cabelos compridos e desgrenhados remetem a Jim Morrison. A escolha do repertório e a maneira de lidar com a carreira têm a ver com Marisa Monte. O afinadíssimo Filipe cavalga numa pradaria de espectro amplo. Com um ponto em comum. Certa marginalidade no modo enviesado da existência.

 

A proximidade com o despojamento de Cássia Eller, talento vulcânico que se consumiu em entregas desmedidas, ficou exposto em uma semana de shows realizados, em São Paulo, com a percussionista Lan Lan, da banda de Cássia, e músicas da musa que se notabilizou por pedir a Deus, segundo Cazuza, um pouco de malandragem (“porque sou criança e não conheço a verdade”). Em termos internacionais, Filipe vai de Lennon & McCartney até Augustín Lara.

 

Por isso mesmo, o primeiro disco de Filipe, de 2011, chama-se Fôlego. Os produtores Dadi e Paul Ralphes trabalharam com a intenção de amarrar as pontas de um intérprete que gosta de apontar em várias direções. Incluindo a própria lavra. No Fôlego de Filipe, cabem Zé Ramalho, Reginaldo Rossi, Nei Lisboa, Arnaldo Antunes, Cachorro Grande e Herman Bravo Varela. Pop, rock, samba, bolero e blues conduzidos e atravessados por uma carga dramática de proporções escalafobéticas.

 

Antes, em 2009, Filipe gravou um EP, Saga, que serviu como cartão de visitas. Algumas faixas foram reaproveitadas em Fôlego. Assim como algumas faixas de Fôlego são reproduzidas em Entre Cabelos, Olhos & Furacões, de 2013, produzido por Ral­phes. Ou seja, é arriscado, como detalha Maria Gadú, reprisar tantos exemplos em tão poucas oportunidades. Há o perigo de se tornar exaustivo. O que faz diferença é o poder de Filipe em reanimar cada faixa, durante sua execução, com propriedade.

 

A estratégica do CD/DVD ao vivo é confirmar, para um público maior, as qualidades do artista em seu habitat, o palco. Ainda mais acompanhado por uma banda versátil, alguns lances acima da competência, formada por Lucas Vargas (acordeom), Peo Fiorini (bateria), Fábio Sá (baixo), Fabá Jimenez (guitarra, violão), Caio Andrade (guitarra) e Adriano Grineberg (piano, órgão, teclados). No Música no Campus, consta que os dois últimos não estarão presentes.

 

Filipe reafirma uma tendência em capturar músicas alheias e revolvê-las quase a ponto de ficarem irreconhecíveis. Uma palavra como ironia pode ser usada na transcriação de um dos primeiros grandes sucessos de Fábio Jr., mas o sarcasmo está, definitivamente, fora de órbita. Filipe é gentil e respeita o que define ser compatível com sua atmosfera emocional. A voz de uma plasticidade maleável e expressiva casa perfeitamente com quase tudo. No DVD, além do que havia sido experimentado em Fôlego, entram Pélico, Alice Ruiz, Nelson Cavaquinho, Luiz Gonzaga, Maysa, Paulo Vanzolini.

 

Se couber uma ressalva ao desempenho de Filipe até aqui, ela fica por conta de um leve descompasso entre a juventude do cantor e sua disposição em explorar sentimentos que revelam dramas obscuros. Como se ainda lhe faltasse um bom bocado de experiência para transmitir as dores e loucuras do mundo com uma veracidade exemplar. Não apenas com a técnica refinada que permite navegar sobre o oceano da paixão livre do mergulho de um escafandrista. Ou do trapezista que dispensa a rede.

 

Tudo bem, Lou Reed tinha 22 anos quando lançou Transformer e ninguém questiona sua habilidade em transmitir os recados de Vicious e Walk On The Wild Side. Mas, em retrospectiva, sabemos que Lou Reed viveu em concordância com suas escolhas. Resta saber se, em perspectiva, Filipe vai manter a coerência com seus temores e pudores.

Fonte: O Hoje

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