Tecnologia para a vida

04 de Julho de 2014

Pesquisadores da UFG criam técnica inovadora no campo das análises clínicas. Tecnologia permite a realização de até oito exames clínicos de uma só vez.

 

clipping TPlanato 04/07

No Campus Samam­baia da Universidade Federal de Goiás (UFG), na modesta sala número 209 do laboratório de Química, jovens cientistas desenvolveram uma pequena e tecnológica estrutura em papel, denominada de biochip, que promete fazer uma revolução no campo das análises clínicas. Com recursos que não chegam nem perto dos milhões de dólares de grandes centros como Harvard, nos Estados Unidos, eles superaram a falta de incentivo à pesquisa brasileira ao desenvolver a tecnologia de baixíssimo custo.
O projeto está sendo delineado em todas as suas vertentes sob a coordenação do  pós-doutor em Química Anal­ítica, Wendell Coltro, que figura entre os dez brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos, segundo classificação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. O biochip criado por ele e  seus alunos é formado por uma estrutura de papel comum, de formato circular, pouco maior que uma moeda de R$ 1 real.
 O processo de preparação da tecnologia é realizado da seguinte maneira: inicialmente o papel é coberto por uma camada de parafina. Em seguida, um carimbo de metal aquecido (criado pelos pesquisadores) é  colocado sobre os dois materiais, isso faz com que um conjunto de oito trilhas sejam impressas no papel. Nas extremidades destas trilhas são colocados diferentes tipos de reagentes, um para cada tipo de diagnóstico que se deseja obter.
Quando o sangue coletado do paciente, por exemplo, é colocado no centro do biochip, em questão de segundos ele migra por meio das trilhas até as extremidades do componente onde ficam os reagentes. Ao entrar em contato com o produto químico, o material biológico muda de cor. Após isso, com o uso de uma escala de cores, é feito o diagnóstico clínico a partir da tonalidade resultante do contato entre material biológico e reagente.  “Nós preparamos o papel com reagentes de acordo com os tipos de ensaios clínicos que desejamos fazer. Por exemplo, podemos fazer um ensaio para diabetes, para glicose” explica Coltro.
A partir da técnica, com apenas uma gota de sangue é possível realizar até oito ensaios (exames) de uma só vez. Bem mais do que os métodos atuais, que utiliza em média 10 mililitros. Outra vantagem do uso da tecnologia, segundo Wendell Coltro, é a rapidez dos resultados. En­quanto um exame tradicional de urina, por exemplo, demora em média 24 horas para ficar pronto, com o biochip a análise mais demorada leva quinze minutos. E, em alguns casos, os resultados são instantâneos.
Além da rapidez, outra vantagem destacada pelo pesquisador é o baixo custo a partir do uso do material. Enquanto um exame para verificação de ácido úrico, por exemplo, custa uma média R$ 15, com o biochip o preço pode ser bastante inferior. “A gente faz oito análises diferentes com uma gota de sangue, e o custo incluindo o material e os reagentes fica abaixo de R$ 0,10 centavos”, explica o químico.

Propostas e aplicações


O projeto desenvolvido na UFG já foi possui três patentes, e conforme o coordenador do projeto, existem interessados em fazer parcerias para colocar o produto à venda no mercado. “A gente está conversando com uma empresa que desenvolve kits para diagnósticos, com laboratórios, e até com médicos, porque os médicos têm interesse em ter isso no consultório”, conta Wendell Coltro. No último caso, explica que até mesmo em um consultório o profissional pode espetar o dedo do paciente, e com apenas uma gota do sangue verificar como estão os exames de rotina. “Então, dependendo da gravidade da doença, é possível acelerar o tratamento”, acredita.

Uso em locais remotos

Além da possibilidade de acelerar os diagnósticos e de baixar o custo dos exames, uma das apostas dos pesquisadores com o chip de papel é a possibilidade de realizar exames em regiões remotas, de difícil acesso. No método tradicional, as equipes médicas vão até esses locais, realizam a coleta de material biológico, e na sequência eles são levados para análise em outras cidades. Somente após algum tempo os resultados saem.
Com o uso do biochip, acredita-se que dependendo da situação o exame pode ser feito no próprio local de coleta. Com isso, a intenção é ganhar tempo e consequentemente acelerar o tratamento do paciente, caso tenha necessidade. “Tem até o capítulo de um livro que trata do nosso projeto, onde é abordada essa questão das tecnologias móveis voltadas para a saúde”, explica Coltro.
Apesar da aparente simplicidade do produto desenvolvido, o químico ressalta que o método de análise é totalmente confiável. Segundo ele, ensaios  realizados no laboratório de Química da UFG evidenciaram que a precisão dos resultados clínicos foi superior a 90%.  Em alguns casos chegou a ultrapassar 95% de nível de segurança, em comparação com os métodos tradicionais de diagnósticos.

Pesquisa rendeu Prêmio Finep

 Por conta dos trabalhos no campo da química, o Grupo de Métodos Ele­troforéticos IQ da UFG obteve o primeiro lugar, na fase regional, do Prêmio Finep  de Inovação na categoria Instituições de Ciência e Tecnologia na Região Cen­tro-Oeste.  O reconheci­men­to rendeu aos à instituição a quantia em dinheiro de R$ 200 mil. O recurso será utilizado para a construção de um novo e maior laboratório de Química da UFG. A obra já tem local e planta arquitetônica definida, e está orçada em R$ 300 mil. A expectativa é que a construção comece este ano, e deve ter o dobro do atual laboratório usado pelos químicos. 

Material é uma opção

Biochip (nome dado em analogia aos chips de computadores, que também possuem diversos caminhos por onde passam as correntes elétricas com informações)

O que é
Estrutura em papel utilizada para realização de exames clínicos
É composto por papel, carimbo, parafina.
Trilhas são feitas no dispositivo a partir de um carimbo aquecido
Reagentes colocados nas extremidades das trilhas fornecem parâmetros para obtenção de resultados clínicos a partir do contato com material biológico coletado

Vantagens
Simplicidade instrumental
Baixo custo (R$ 0,10) por ensaio
Material de fácil acesso (parafina e papel)
Rapidez nos resultados (Fácil transporte e estocagem
Possibilidades de realização de exames em locais remotos
Utiliza menos material biológico, se comparado com os métodos tradicionais

Trabalho em equipe

 Paulo de Tarso Garcia, 23 anos, é aluno de mestrado de Wendell Coltro e um dos responsáveis pela pesquisa. Ele avalia que trabalhar com tecnologia de baixo custo, que visa proporcionar uma melhora da qualidade de vida para a população, é algo muito motivador, e mostra a força da pesquisa brasileira. O mestrando acredita que em termos de conhecimento científico o Brasil está bem colocado nesta área, mas que o diferencial em relação a outros países são os recursos.
“Nos Estados Unidos eu pude ver que há mais disponibilidade de equipamentos. E aqui, enquanto a gente briga para conseguir recursos para projetos (de pesquisa) no valor de R$ 50 mil, lá são milhões de dólares que são disponibilizados para pesquisa”, explica o aluno. Deficiências a parte, Garcia destaca que o grande objetivo agora com o projeto do biochip é ver a pesquisa ultrapassar “os muros da instituição” e se tornar economicamente viável.
Ver o projeto viabilizado comercialmente também é um dos objetivos de Thiago Miguel Garcia Cardoso, 26 anos, outro mestrando responsável pela seu desenvolvimento. Ele considera que o trabalho de pesquisa é uma forma de retribuir à sociedade os investimentos realizados no ensino público gratuito. “A nossa capacitação é viável graças aos impostos que são pagos pela população”, sintetiza o jovem mestrando.
 Os dois estudantes de mestrado integram o Grupo de Métodos Eletroforéticos (GME) do Instituto de Química (IQ) da UFG, que é coordenado por Wendell Coltro. O Grupo conta com 17 alunos, entre graduação, mestrado e doutorado, que sob a direção de Coltro trabalham no campo da Química com a eletroforese (técnica utilizada na análise de macromoléculas) e a microfluídica (ciência e engenharia de sistemas com dimensões micrométricas).

Fonte: Tribuna do Planalto

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