Irresponsabilidade e degradação

16 de Julho de 2014

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Irresponsabilidade e degradação

Mau cheiro e lixo por toda a parte. Esse é o resultado da depredação do meio ambiente pelo homem. Esta é a situação na qual se encontra a nascente do Córrego Guanabara. É um encontro de águas, em escala menor, que lembra o do Rio Negro com o Solimões, quando se juntam para formar o Rio Amazonas.

 

Entretanto, em Goiânia não é um espetáculo natural ou agradável, fato relembrado pelo odor constante no local. É a junção de águas límpidas que brotam da terra, e que deveriam seguir seu curso – desenhado pela natureza e sob a mata – até desaguar no Ribeirão João Leite, com o líquido do esgoto. Águas sujas que são resultado de atividades humanas na região.

 

Além do esgoto que está sendo derramado há cerca de uma semana no córrego, os moradores da área apontam que a falta de planejamento nas construções locais tem causado o acúmulo de lixo, que em épocas de chuva são trazidos pela enxurrada. Também é queixa que o manilhamento da Avenida Nazareth, por baixo de onde o córrego escorre, foi construído em um nível alto, o que provocaria o represamento de suas águas e não comportaria a vazão quando há chuvas abundantes,  acarretando na inundação das casas situadas na região. 

 

Desgosto

 

João Batista Rezende, 78 anos, mora há cinco em uma casa na Alameda das Chácaras, quadra 156, no Jardim Guanabara I. No fundo de seu quintal é possível ver o córrego passar. Mas, antes mesmo de encontrá-lo, é possível sentir o forte cheiro. "O esgoto está escorrendo há cerca de uma semana. Era um líquido azul no início", relata o morador com o semblante triste.

 

Outra recorrência, segundo João Batista, são as inundações todos os anos durante a época da chuva. "Desde que nos mudamos, quando chove, como não há vazão para a água porque o leito do córrego é estreito e raso e as manilhas da Avenida Nazareth estão altas, nossa casa é alagada. Ano passado a água que entrou em casa ficou em meio metro e tive que tirar minha esposa carregada aqui de dentro", relembra, mostrando a altura que a água ficou.

 

A esposa de João, Lourdes Jercina de Rezende, uma senhora já idosa, está na cama desde que se mudou para o lugar, vítima de sucessivas enfermidades, segundo ele. "Assim que nós mudamos, ela teve dengue, e depois outras doenças, e desde então está acamada", relata.

 

Em frente à Avenida Nazareth, onde o leito do córrego foi modificado pelo homem, fica o terreno de Gerânio Marçal da Silva, 51 anos. No local funciona uma fábrica de móveis, que devido à altura do barranco, nunca foi alagada. "Mas a água não corre, fica represada e empoçada aqui por causa das manilhas estarem altas demais. Não sei como não temos muitos casos de dengue por aqui", reflete.

 

Transtornos

 

Outros problemas são listados por Gerânio, que tem o terreno há cerca de 10 anos, mas que o conhece há 40, pois o local pertencia a um amigo. "Não tem mais peixes, ninguém respeita a área de preservação de mata, há a construção de muros muito próximos ao córrego, não há calçada na (avenida) Nazareth por onde passa o manilhamento e nem iluminação pública", relata. Ele ainda informa que a falta de iluminação e calçada sempre causa acidentes.

 

A obra e os transtornos provocados pela degradação do córrego já foram relatados às autoridades e visitados por diversos políticos e candidatos, conforme os moradores. João Batista também informou que percorreu pessoalmente diversos órgãos ambientais e de obras do Estado e da capital. "Já recorri a vários lugares tentando resolver esse problema, mas até o momento nada foi resolvido, e todos os anos a minha casa fica alagada", conta.

 

Ele informou ainda que foi notificado pela Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) para fazer o reflorestamento da Área de Proteção Permanente (APP), que fica nos fundos da sua casa. "Eu plantei as árvores como eles mandaram, mas isso não resolve o meu problema", afirma João.

 

AMMA

 

Na Agência Municipal do Meio Ambiente existem três processos abertos que versam a respeito do Córrego Guanabara, conforme a assessoria do órgão. Um procedimento em resposta à Requisição do Ministério, datado de 2010. Outro, deste ano, em resposta ao requerimento da vereadora Doutora Cristina à Secretaria Municipal de Obras (Semob) que pede um estudo para a canalização do córrego. O último é um parecer técnico da Gerência de Arborização Urbana (Gearb), sobre o projeto de recomposição da flora no na Alameda das Chácaras.

 

Em relação à questão do lançamento de esgoto no córrego, a assessoria da Amma informou que mandaria uma equipe ao local para apurar os fatos. O procedimento começaria em identificar o estabelecimento ou residência que estaria promovendo a atividade irregular e notificá-lo a se ajustar às normas.

 

SEMOB

 

Na Secretaria Municipal de Obras, a questão das tubulações na Avenida Nazareth já é conhecida. "Essa é uma reclamação antiga dos moradores do local e a questão está em fase de estudos pela secretaria", informa Paulo Kruk, diretor do departamento de execução e conservação da pasta.

 

Segundo ele, o problema é realmente sobre o manilhamento, que tem uma altura inadequada para o local, fato causador do represamento da água. "As obras na avenida foram realizadas há muitos anos, quando a calha do córrego ainda era alta. Mas, com o passar do tempo, o nível do córrego foi baixando por assoreamento e causando o problema", explica.

 

Para resolver a questão deveria ser realizado o rebaixamento dos bueiros, o alargamento do diâmetro das manilhas e do canal do córrego, esclarece Paulo. Com essas medidas se resolveriam o represamento das águas e o alagamento nas casas da área.

 

Segundo informações do diretor, a obra seria executada ainda esse ano. "Estamos aguardando materiais, e já temos a construção de outro bueiro no mesmo córrego, mas um pouco abaixo da Nazareth, no residencial Felicidade", diz concluindo que esta é uma medida que exige mais urgência.

 

Nascente do Córrego Guanabara

 

Estudos realizados pela Amma, em todas as suas diretorias e gerências especializadas em cada aspecto ambiental, encontraram diversas irregularidades. O parecer técnico da Gerência de Unidades de Conservação (Geunc), em resposta à requisição do Ministério Público (MP), para analisar os lotes e imóveis da quadra 156 da Alameda das Chácaras, é exemplo. O MP requisitou ainda que sejam identificados e notificados, para cessar prática delituosa de degradação ambiental na área de preservação permanente (APP), os possíveis infratores da lei.

 

Legislação

 

Conforme o Plano Diretor de Goiânia, consideram-se APP's "as faixas bilaterais contíguas aos cursos d'água temporários e permanentes, com largura mínima de 50 metros; a partir das margens ou cota de inundação para todos os córregos". Também são incluídas nessa descrição "as áreas circundantes das nascentes permanentes e temporárias, de córrego, ribeirão e rio, com um raio de no mínimo 100 metros".

 

No relatório é possível observar que, apesar de algumas residências estarem muito próximas da nascente do Córrego Guanabara, que em alguns lotes a canalização de água pluvial que passa no interior, há descaracterização da cobertura vegetal da APP, com a presença de poucos exemplares arbóreos de grande porte, com muros e edificações muito próximas ao córrego. Os técnicos também encontraram criações de galináceos, represamentos de água da nascente, entulhos jogados às margens, esgotos despejados no córrego. Ainda reportaram o cultivo de hortaliças na região, desmatamento, plantação de gramíneas exóticas e resquícios de queimada.

 

Em um dos lotes havia, à época, o encontro da galeria de água pluvial com a tubulação de esgoto no curso hídrico. Outra revelação do parecer é um aterramento com resíduos sólidos provenientes de construção civil, a menos de cinco metros do córrego.

 

Consequências

 

Segundo o relatório da Amma, a ocupação do homem nas áreas de proteção ambiental promove a degradação da qualidade ambiental de diversas formas possíveis. Os problemas detectados trazem "processos erosivos, contaminação do lençol freático e do solo por conta dos resíduos descartados, extinção de espécies da fauna e flora, elevação da temperatura ambiente, dentre outros problemas".

 

Conclusão

 

No término do relatório, os técnicos sugeriram como sendo necessária a desocupação da APP do Córrego Guanabara e a eliminação das degradações ambientais citadas no documento. Também solicitaram a apresentação de Projeto de Recomposição Florística na Gerência de Arborização Urbana.

 

Este projeto de recomposição da flora tem um parecer de 2013 com apresentação de cronograma que sugere sua implantação com início no segundo semestre e manutenção até o ano de 2015.

 

Goiânia, a cidade verde?

 

Goiânia pleiteia o título de capital verde do Brasil, divulgando que o índice de qualidade de vida está aliado à responsabilidade ambiental. Conforme dados da prefeitura municipal, a cidade é a de maior área verde por habitante (94 m²) do Brasil e detentora do segundo maior quantitativo proporcional do mundo, perdendo apenas para Edmonton, no Canadá. 

 

Outra informação oficial é que a Comissão Europeia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) escolheram Goiânia como uma integrante na lista de cidades mundialmente sustentáveis. Desde 2011, a capital faz parte da Rede Urbelac de Cidades Sustentáveis, que aliam o desenvolvimento com a preocupação e responsabilidade ambientais.

 

Problemas

 

Conforme dados da Amma, Goiânia possui 85 cursos d'água, com quatro ribeirões - Anicuns, João Leite, Capivara e Dourados - um rio (Meia Ponte) e 80 córregos. Ainda segundo as informações coletadas no site da Agência Ambiental, os principais problemas nos mananciais da cidade são "ausência de mata ciliar, lançamentos clandestinos de esgoto, lançamentos clandestinos de entulho, focos de erosão, assoreamento e a ocupação irregular de faixa de ZPA-I (Zona de Proteção Ambiental)".

 

Para  Sandra de Fátima de Oliveira, professora doutora de Educação Ambiental e Planejamento Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), os grandes problemas enfrentados pela bacia hidrográfica em Goiânia refletem o crescimento urbano e a falta de consciência e planejamento ambiental. "É preciso preservar as nascentes, evitar o desmatamento e deixar de poluir os rios com lixo e o lançamento de esgoto, que muitas vezes é repleto de produtos químicos", explica.

 

Para ela, estamos em um momento crucial para se repensar o uso de água. "Com os problemas que São Paulo enfrenta nesse momento, com a previsão de não haver mais água para consumo nos próximos meses, tem que se pensar em conservação das matas que primordialmente mantêm o ciclo das águas na natureza, a começar pelas chuvas", completa Sandra.

 

Outro problema seria, segundo ela, a canalização dos rios. "Canalizar corta a relação da água com a terra, prejudicando o equilíbrio no meio ambiente. Na Europa, por exemplo, já se canalizou e por último descanalizou-se os rios" elucida.

 

Corroborando com essa tese está o relatório técnico da Gerência de Contenção e Recuperação de erosões e Afins (Gecre) da Amma. Este parecer em resposta ao pedido de canalização do Córrego Guanabara, informa sobre a degradação por assoreamento, disposição de resíduos, supressão de vegetação ciliar e construção civil nos limites da APP e conclui não ser viável a obra.

 

"Dentre os vários danos ambientais decorrentes de uma obra de canalização, devem ser destacados os alagamentos e as inundações", destaca o documento. Os técnicos ainda pedem que se leve em consideração possíveis alterações no balanço hídrico e no clima, além do custo elevado da obra. A sugestão dos técnicos é a limpeza nas margens e no leito do córrego e a realização de um trabalho de educação ambiental com os moradores da região.

 

Solução 

 

Para combater esses problemas, a Amma informa que tem realizado ações de recuperação de nascentes, "que na maioria das vezes encontravam-se degradadas pelo lançamento de lixo, pela ocupação irregular de famílias invasoras e pelo desmatamento da vegetação que fica às margens do manancial".

 

A Amma, em sua página na internet, informa que tem um projeto nesse sentido. É o Programa de Parceria para Recuperação e Revitalização dos Mananciais de Goiânia. Por meio deste, empresários podem investir e participar de projetos para preservar rios, córregos, lagos e nascentes da capital, em parceria com a prefeitura.

 

Sandra Oliveira acredita que a melhor maneira para resolver a questão é um planejamento ambiental pautado na revitalização do que foi degradado e na preservação ambiental. "Pensando na importância da água, que é vida, Goiânia precisa revitalizar e preservar. Hoje em dia ninguém tem o direito de pegar água limpa e devolvê-la suja à natureza", finaliza.

Fonte: Diário da Manhã

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