Cláudia Riolfi é professora da Universidade de São Paulo (USP) e diretora geral do Instituto da Psicanálise Lacaniana (Ipla). Ela também coordena a Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano da USP, onde também coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise (Geppep).
“A gente precisa inventar”
Com o provocativo tema Vida Contemporânea: Admirável Mundo Novo, os Homens Choram e as Mulheres Arrumam Carros, a psicanalista Cláudia Riolfi abre hoje, às 19h30, a edição 2013 do Café de Ideias. A conferência, que tem entrada franca, será realizada no Centro Cultural Oscar Niemeyer. O Café de Ideias, que no ano passado trouxe conferências de personalidades como o professor de filosofia Renato Janine e a jornalista Eliane Brum, tem como objetivo instigar o debate com ícones do pensamento brasileiro. O projeto tem apoio do POPULAR e da UFG.Cláudia Riolfi falará sobre os novos papéis assumidos por homens e mulheres na contemporaneidade. Com a crescente plasticidade das identidades sexuais humanas e com a multiplicação dos modos de formar famílias, ser homem e ser mulher hoje em dia não é tarefa das mais fáceis. Cláudia critica a postura que algumas mulheres têm assumido. “Essa inversão que a gente vê hoje em dia é tão retrógrada quanto os papéis fixos de antigamente”, explica a psicanalista. Em entrevista ao POPULAR, Cláudia antecipou alguns temas que serão debatidos na conferência em Goiânia. Confira.
Se os homens choram enquanto as mulheres arrumam carros, que é o tema da sua conferência, isso significa que chegamos ao extremo da inversão de papéis na contemporaneidade?
Tem duas formas de enfrentar essa temática. A primeira seria um elogio ao feminismo pelo fato de que hoje as mulheres conseguem fazer coisas que antes não conseguiam. Mas não é essa a temática da minha conferência. Minha opinião é que nós deveríamos estar prontos para as oportunidades que a globalização ofereceu para não estarmos tão presos aos papéis. Essa inversão que a gente vê hoje em dia é tão retrógrada quanto os papéis fixos de antigamente.
A senhora aconselha as moças a pararem de bancar “o macho”. O que realmente isso significa?
Existe uma patologia clínica conhecida como histeria que é quando uma menina descobre que não tem o pênis. Ela se ilude pensando que o pênis é uma coisa muito valiosa e que confere ao portador um certo poder especial, como a coroa de um rei. Essas moças não evoluirão para mulheres enquanto pensarem que, para se tornar adultas, autônomas, felizes e emancipadas, precisarão ter uma coroa, um falo, bancar o macho.
Bancar o macho seria uma forma de elas não aproveitarem a oportunidade que as mulheres têm de desempenhar vários papéis?
Vou dar um exemplo: imagine que estou em uma reunião da empresa e surge um conflito qualquer. Se surge, quero resolver a meu favor. Eu sou mulher. Se sou mulher, posso resolver com, digamos, um jeitinho feminino. Cada um tem o seu, inclusive a sedução e o choro. Mas tem moças que pensam que tem de resolver na porrada. Elas agem como se fossem machos, no confronto. Se você olhar para uma sala, terá biologicamente homens e mulheres, mas psiquicamente apenas homens. O modo como aquelas pessoas agem será sempre uma referência ao comportamento masculino padronizado.
Acostumados a ter o mundo aos seus pés, os homens vivem agora a angústia de tentar entender o que o mundo e as mulheres esperam deles. A senhora acredita que eles estão realmente em crise?
Eles estão desesperados. Se recebo hoje em dia dez homens no consultório, a chance de oito reclamarem que estão com dificuldade sexuais graves é imensa. Eles não sabem como abordar as mulheres. Não sabem transar mesmo. Eles se sentem intimidados, ameaçados e deprimidos frente a essa parceira. É como se eles tivessem sendo obrigados a ser gays sem ser.
Como assim?
Se eu sou homem, o João, e casei com a Maria, mulher, é porque eu gosto de mulher. Mas a Maria começou a se comportar como se fosse o José. Porém, eu não gosto de homem, casei com uma mulher, a Maria. Então percebo que estou dormindo com o José. O homem fica muito perdido e triste com essa situação, sem saber realmente o que fazer.
Este é, na sua opinião, o maior descompasso na relação e nas expectativas entre homens e mulheres?
Acredito que o maior descompasso é a tentativa de continuar preso a papéis fixos ao invés de concluir de uma vez que a gente não sabe como é o melhor jeito de ser homem ou mulher hoje. A gente precisa inventar.
Para muitos, a crise do homem colocou a mulher em uma situação confortável, de superioridade. Inclusive esse seria o motivo da crise deles. Mas, pelo seu raciocínio, as mulheres não estão em uma posição assim muito confortável.
Essas pessoas que estão falando que a mulher está bem não devem estar ouvindo queixas de frigidez, que são muitas, ou de falta de relevância. A menina sai, arranja um ficante, transa, mas se sente completamente vazia. Aquilo não teve relevo nenhum, sem significado. No consultório, ela me diz não saber o que está fazendo da vida porque o tempo passa e nada significa para ela. Supostamente as mulheres adquiriram liberdade, na prática elas fazem o que bem querem, mas psiquicamente tendem a sentir aquilo como chato, sem sentido subjetivo.
Mulheres em cargos de comando ainda são quase uma novidade no Brasil. Sendo pioneiras e sem modelos a seguir, as comparações como o modo de eles liderarem são inevitáveis. Muitas já declararam que, para sobreviver no mundo do poder, é preciso ser dura, firme e agressiva como eles são. A senhora concorda com esse modelo de liderança feminina?
Não. Quando você pega essas premiações de mulher do ano, empresária do ano, mulher de destaque, normalmente se dão bem mulheres que não são machonas. São aquelas que acharam uma maneira singular para fazer sua carreira, mas dentro de um lugar feminino. As machonas viram caricatas e ninguém aguenta. Ou dão risada, ou têm medo delas.
Que tabus ainda persistem quando se fala em sexualidade feminina?
Por incrível que pareça, é o tabu pelo avesso. É a obrigação de gostar de tudo. Se ela não gostar de tudo, acredita ter algum problema com ela. A mulher se vê obrigada a se excitar e sentir prazer com todas as propostas ou convites que lhe são feitas. Se, por acaso, não achar graça, é provável que procure ajuda para um problema que não existe. Essa obrigação de gozar a qualquer preço é muito pesada.
Ser mãe, mulher e profissional. Para muitas mulheres lidar com escolhas, que sempre implica perder alguma coisa, é muito complicado. Um exemplo clássico é o sofrimento causado pelo primeiro dia de trabalho após a licença-maternidade e a culpa que essa escolha provoca. Carreira, amor ou maternidade ainda são escolhas mais complicada para as mulheres?
Não (risos). Tem que saber escolher direito.
Mas como lidar com a culpa que essas escolhas causam?
No caso da culpa, a gente não está falando da mulher. A gente está falando do neurótico. O neurótico adora uma culpinha, seja ela mulher, homem, o que for. Ele tem prazer em uma culpa e por isso não arranja soluções que são óbvias. Vou dar um exemplo pessoal. Quando meu filho nasceu, eu instalei um berçário no meu consultório. Ele ficava na sala ao lado da qual atendo, com uma babá. Em uma empresa não poderia ter adotado essa solução. Mas um profissional liberal não teria pensado nessa possibilidade, na medida que ele gosta de se sentir culpadinho.
A senhora acredita que o mundo visto pela psicanálise está cada vez melhor?
Vivemos em uma época em que as oportunidades são sem precedentes no sentido de as pessoas poderem expressar sua singularidade. A julgar por mim. Na Idade Média, estaria morta porque a expectativa de vida era bem menor do que minha idade; teria sido queimada por bruxaria por causa da metade das coisas que falo e não teria a liberdade de escolha do parceiro com quem me casei. Ou seja, teria milhões de dificuldades que hoje já não existem mais. Acredito que resta a nós honrar as oportunidades que o mundo de hoje dá sem ficar presos a modelos.
“Normalmente se dão bem mulheres que não são machonas. São aquelas que acharam uma maneira singular para fazer sua carreira, mas dentro de um lugar feminino. As machonas viram caricatas e ninguém aguenta. Ou dão risada, ou têm medo delas”
Conferência: Vida Contemporânea: Admirável Mundo Novo, os Homens Choram e as Mulheres Arrumam Carros, com Cláudia Riolfi
Data: Hoje, às 19h30
Local: Centro Cultural Oscar Niemeyer. GO-020, KM 0, saída para Bela Vista
Entrada franca
Perfil
Próximas conferências
13 de março
(quarta-feira) , às 19h30
– Democracia e Sociedade Autoritária, com a filósofa Marilena Chauí
5 de abril
(sexta-feira), às 19h30
– Sexualidade sem fronteiras, com o psicanalista Flávio Gikovate
17 de abril
(quarta-feira), às 19h30
– Palpites sobre o Brasil, com o antropólogo Roberto DaMatta
10 de maio
(sexta-feira) , às 19h30
– Filosofia Pop – Uma Investigação Sobre a Cultura Contemporânea De Massas, com a filósofa Márcia Tiburi
5 de junho
(quarta-feira), às 19h30
– Os Velhos e Novos Pecados, com o historiador Leandro Karnal
Source: O Popular