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Projeto desenvolvido na rede municipal de Educação contribui para melhorar a visão de crianças e jovens, favorecendo assim o aprendizado escolar

Alessandro Copetti

Depois de ouvir o parecer do oftalmologista, a dona de casa Darci Rosa ficou surpresa ao saber que seu filho Gean Carlos, 8 anos, vai ter que utilizar óculos por causa de um problema de visão. “Ele nunca reclamou que sentia alguma coisa”, pondera a mãe, ao lembrar que a única mudança observada nos hábitos do menino foi que ele passou a assistir televisão mais de perto, mas ela achou que não era nada ligado à saúde dos olhos porque menino costuma ter dessas coisas.
Ao contrário disso, o exame oftalmológico mostrou que não se tratava de nenhuma mania e sim de um tipo de patologia que, se não for tratada no seu devido tempo, pode trazer prejuízos para o desenvolvimento da criança em vários aspectos. Quem faz essa advertência é o oftalmologista Luiz Guilherme de Freitas, um pernambucano radicado em Goiás que oferece seus serviços médicos para possibilitar que alunos de escolas municipais de Goiânia passem a enxergar melhor.
Luiz Guilherme é um dos profissionais que atuam no projeto Boa Visão, idealizado pela Fundação Jaime Câmara e desenvolvido por meio de um convênio de cooperação mútua entre a Secretaria Municipal de Educação (SME) e o Centro de Referência em Oftalmologia (Cerof) da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Uma iniciativa que veio em boa hora para os dois filhos de Mônica Ferreira Borges. Ela conta que, antes do atendimento prestado na escola onde os filhos estudam, na Vila Pedroso, em Goiânia, aguardava consulta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) solicitado há cerca de cinco meses.
Impaciente com a demora e sem plano de saúde, ela já estava decidida a procurar a rede médica particular. “Esse tipo de consulta deveria ser mais urgente por se tratar de criança. Não deveria ter tanta burocracia porque isso atrapalha a evolução do tratamento”, reclama Mônica.
No caso dos filhos de Mônica, o exame feito por um especialista do projeto detectou estrabismo e miopia em Diego Borges Dourado, 11 anos, e em Raquel Borges Dourado, de 9. Ambos precisarão fazer acompanhamento especializado e por isso receberam um encaminhamento.

Atenção especial
Para evitar maiores problemas, o doutor Luiz Guilherme explica que o acompanhamento especializado logo cedo colabora para que, em muitos casos, aconteça a chamada “cegueira legal”, ou seja, crianças que conseguem enxergar, mas não o suficiente para ser considerada com uma visão normal. “E o simples fato de receitar um óculos para essas crianças já ajuda a melhorar a visão”, pondera.
Apesar disso, nem sempre é o que acontece devido ao alto número de casos sem tratamento encontrado pelos especialistas em um dia em que a equipe da TP acompanhou o projeto na região Leste da Capital. “Eu não lembro de ter visto tantos casos assim em um único dia. Teve até uma criança com catarata congênita”, relata Luiz Guilherme.
Além do problema, que se não tratado tem chances de prejudicar totalmente a visão, o médico descreveu casos de miopia, astigmatismo, estrabismo e glaucoma. Além do alto número de casos que, segundo ele, pode ser explicado através de um estudo demográfico, é preocupante o fato de que a maioria não tinha passado por qualquer tipo de tratamento.
“Eu atendi uma criança com grau altíssimo e ela nunca usou óculos. Nós vamos procurar melhorar a visão dela, mas esse quadro seria diferente se o problema tivesse sido detectado antes dos 7 anos de idade”, destaca. Neste último caso porque o sentido da visão se desenvolve completamente até essa fase da vida e por esse motivo as correções devem ser logo tratadas para que os casos não se tornem crônicos.

Casos e reflexos
Além das dificuldades em brincar e estudar, Luiz Guilherme aponta que problemas de visão podem ser um limitador para que no futuro a pessoa exerça determinadas profissões que exijam uma boa visão. Além disso, o médico ressalta que em casos como estrabismo e pálpebra caída, por exemplo, o problema vai além da dificuldade em enxergar porque tem um reflexo social à medida em que alcança a parte estética.
E, nesses casos, segundo ele, muitas vezes as taxações pejorativas acontecem e a criança acaba sendo vítima de bullying. Problemas que, na opinião de Damary de Fátima Sena, diretora da Escola Municipal Maria Cândida, localizada na Vila Pedroso, ferem o lado psicológico dos alunos e atrapalham o rendimento escolar.
A educadora que trabalha na unidade de ensino onde estudam os filhos de Mônica e Darci, já recebeu o projeto Boa Visão duas vezes. Ela afirma que a aceitação na escola é boa, principalmente porque muitas famílias não têm condições de arcar com os custos de um tratamento médico.
A diretora afirma ainda que a coordenação pedagógica da escola está sempre atenta para qualquer manifestação nos alunos que indique problemas visuais. Para a diretora Damary de Sena, essa atenção especial dada aos alunos possibilita um diálogo maior com os pais das crianças que, muitas vezes, não percebem a patologia nos filhos.
Para auxiliar nesse diagnóstico, o médico Luiz Guilherme explica que os professores podem utilizar a tabela de Snellen, um diagrama formado por letras e demais sinais gráficos, inclusive desenhos, para medir a qualidade da visão em pessoas de todas as idades. “Na escola, o professor pode ser instruído para fazer esses testes. Ele não estará exercendo a Medicina, mas fazendo uma triagem para saber se o aluno está ou não com problemas de visão”, diz.
De acordo com o especialista, a tabela deve ser colocada a uma distância de quatro a seis metros do aluno e, caso haja indício de que a criança esteja com dificuldades de enxergar, os pais ou responsáveis devem ser orientados a procurar um oftalmologista.

Óculos custa caro
O projeto Boa Visão nas escolas é permanente e conforme descreve o supervisor José Augusto Amaral de Castro, tem início nas unidades de ensino com um processo de triagem para identificar os casos possíveis de tratamento. Após isso, uma equipe especializada retorna ao local para prestar os atendimentos, que são feitos dentro de um ônibus-consultório.
Daí em diante ocorrem os devidos encaminhamentos, como receita de óculos, indicação de tratamento ou casos cirúrgicos, que normalmente são encaminhadas ao Cerof. Já os óculos são confeccionados gratuitamente e o modelo pode ser escolhido em meio a opções que são disponibilizadas durante o atendimento prestado na própria escola.
Uma característica que beneficiou a estudante Sara Cristina de Oliveira, 11 anos. Ela tem miopia e parou de usar óculos há algum tempo porque o acessório quebrou. A consequência é que ela vinha tendo dificuldades em prestar atenção às aulas. “Porque eu não consigo enxergar direito”. Questionada sobre o motivo de continuar sem os óculos, a aluna é enfática: “Porque é muito caro!”.

Saiba mais

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cerca de 16,6 milhões de brasileiros sofrem de algum tipo de deficiência visual, o que significa 10% da população total. Deste percentual, 150 mil são cegos. Para se prevenir, o aparecimento de alguns sintomas podem estar relacionados a problemas de visão e são indicativos de que devem ser relatados a um médico especialista. Entre eles:

* Dores de cabeça;
* Tonteiras (principalmente ao ler);
* Coceira e ardência nos olhos;
* Lacrimejamento constante, olhos vermelhos, presença de secreção;

* Sensibilidade à luz (fotofobia);
* Dificuldades para ler (necessidade de afastar ou aproximar o objeto dos olhos);
* Piscar em excesso durante a leitura ou ao focalizar determinado objeto.

Alunos atendidos
Dentro do trabalho de atendimento às escolas de Goiânia, em 2009 o projeto Boa Visão realizou a triagem de 29.579 alunos. Desse total foram encaminhados para consulta médica 6.744 alunos; 4.111 receitas de óculos foram prescritas e aviadas; e 734 alunos foram submetidos a exames complementares, tratamento e cirurgias no Instituto de Olhos de Goiânia. Desde a sua criação em 1995, o projeto, que já foi premiado pela Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), viabilizou a triagem de 427.336 pacientes.