O acordo é novo, o problema nem tanto...

O acordo é novo, o problema nem tanto...

Dizem que ela existe. Outros a transformaram em ficção. Mas a lei n° 10.639/03, que obriga escolas públicas e particulares de Ensino Fundamental e Médio a inserirem a história e cultura africana em seus currículos, está vigente há nove anos.
Contudo, ainda é difícil encontrar uma instituição que, de fato, a cumpra. Na tentativa de dar a sua contribuição para que a lei saía do papel, a Secretaria de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial (Semira) e o Conselho Estadual de Educação de Goiás (CEE) firmaram, em março, um termo de cooperação para as­segurar a oferta de aulas de história e cultura afro-brasileira nas escolas da rede estadual.
Essa tentativa não é nova. Em 2009, o CEE emitiu uma resolução inserindo o ensino de história e cultura afro em várias disciplinas, mas segundo a professora da PUC-GO e integrante do Con­selho Municipal de Igualdade Racial, Janira Sodré Miranda, a iniciativa não se efetivou. “Hoje vemos que as ações nessa área são muito pontuais e tímidas e só são abordadas nas escolas em datas específicas, como o Dia da Consciência Negra ou do Índio”, analisa.
Posição semelhante tem o professor da UFG (Universidade Federal de Goiás) e presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, Alex Ratts. “No ano que vem, a lei faz 10 anos e não há uma ação efetiva do governo para implementá-la, a não ser ações individuais do professor ou do gestor da escola”, ressalta ele.
Para Janira, além da fiscalização dessas ações, falta também apoio da Secretaria Estadual de Educação em relação a investimentos financeiros e humanos para aplicar em equipamentos, material didático e, sobretudo, na capacitação dos professores.  
De acordo com a titular da Semira, Gláucia Maria Teodoro Reis, o acordo não prevê fiscalização nem investimento de recursos financeiros, pois ele é apenas um “protocolo de intenções”. Mas, segundo ela, já foram disponibilizados materiais didáticos através da Fundação Palmares e da Secretaria Nacional de Políticas da Promoção da Igualdade Racial e ainda foi feita uma parceria com a Secretaria de Educação de Goiás.

A lei existe, só não é cumprida

Na prática, o termo de cooperação vai fazer recomendações às escolas e cabem a elas e aos professores o cumprimento da lei. “Já existe uma disciplina que trata desses temas. Nós não vamos criar uma nova, mas identificar esses temas e incluí-los nas disciplinas que já integram os currículos escolares”, explica a secretária.
Na grande maioria das escolas estaduais goianas, o ensino de história e cultura afro é relegado a segundo plano. Talvez pela própria dificuldade em encontrar subsídios para trabalhar em sala de aula. Normalmente também parte do próprio educador a iniciativa de buscar o material de apoio.
Na rede estadual, um bom exemplo é a iniciativa do professor de Artes Visuais Haroldo de Araújo, que leciona no Colégio Cultura e Cooperativismo, na Vila Santa Teresa. Há mais de um ano ele tenta desenvolver um projeto de valorização das manifestações culturais africanas, mas enfrenta a falta de apoio dos próprios colegas.
“Comecei no ano passado com a proposta de envolver todas as disciplinas, mas nenhum outro professor entrou no projeto. Esse ano vou tentar de novo”, diz, acrescentando que outra barreira é a falta de material didático sobre o tema. “Tem que pesquisar muito para encontrar”, reclama ele.
Gláucia dá uma boa notícia. De acordo com ela, o governo federal já disponibilizou materiais didáticos e agora a função da Semira e do Conselho Estadual de Educação será articular a sua utilização nas escolas.
Apesar de elogiar a iniciativa do governo, Janira afirma que a boa intenção não é suficiente para sanar o problema. “É louvável que a Semira e o CEE façam essas recomendações, mas elas são tardias. Quando há uma lei federal aprovada, o papel do Estado é implementá-la; não tem que ter parecer ou acordo. Mais do que recomendações, nós queremos é ver a execução prática disso”, completa.

Cartilha da cultura afro

Ministra lança caderno da Igualdade Racial em Aparecida. Publicação é inédita em Goiás

A ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, esteve em Apa­re­cida de Goiânia na última terça, 10, com uma missão especial na área da Educação: participar do lançamento do caderno da Igualdade Racial e Direitos Humanos.
A publicação é iniciativa pioneira no Estado e foi executada pela Assessoria Especial da Igualdade Racial em parceria com a Secretaria da Educação (SME) de Aparecida, que traz, além de conhecimento em relação à cultura negra no Brasil, sugestões de leitura e de sites que disponibilizam material pedagógico.
O objetivo é acatar a determinação da lei 10.639, aprovada em 2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura da África nas escolas de Ensino Fundamental e Médio de todo o País, o que para a ministra Luiza Bairros é o grande salto do Brasil em direção à igualdade de direitos e oportunidades.
A ministra ressaltou, porém, que a maior preocupação hoje é quanto à demora na aplicação da lei, destacando que, mesmo após nove anos da sua aprovação, ainda é pequeno o número de escolas que se adaptaram às novas diretrizes educacionais no País.
Ela enfatizou que as parcerias com o governo, no sentido de garantir o cumprimento da legislação, é de fundamental importância para que se possa inserir nas escolas esses conteúdos. “Mais de 50% da população brasileira é formada por negros, e nas escolas públicas esse número é ainda maior. Por isso é tão importante trabalhar a valorização e a igualdade das raças na infância, e é muito bom saber que aqui em Aparecida de Goiânia isso acontece”, destacou.

Proposta
De acordo com a analista educacional e historiadora Fernanda Laura Costa, a ideia da criação da cartilha surgiu há um ano, a partir da necessidade de incluir o en­sino da história e cultura afro na grade curricular das escolas municipais de Aparecida de Goiânia
Ela comenta que, quando se pensa na implantação e implementação da lei, a situação esbarra na falta de apoio efetivo dos governos e na ausência de material didático para a formação do professor e do aluno, questões que considera prioridade para que as mudanças e a conscientização aconteçam no ambiente escolar.
Quanto à utilização do material, Fernanda explica que o caderno será distribuído nas escolas de Ensino Fun­damental da rede municipal, e que, a partir do segundo semestre, haverá a formação de professores para que estes possam trabalhar o conteúdo nas salas de aula.
“A escola é fonte de conscientização no que se refere ao reconhecimento dos valores da cultura negra na formação da na­ção brasileira. Somos um povo diferente, mas temos de lutar por uma igualdade.”