Comunidade Quilombola produzirá artefatos de couro ecológico

A Comunidade Kalunga do Engenho II, localizada no município de Cavalcante, em Goiás, recebeu, entre os dias 30 de julho e 03 de agosto, a equipe da Universidade Federal de Goiás - UFG, do Instituto Federal Goiano - IF Goiano - e da Embrapa Pantanal, para a realização do “Curso de Produção de Artefatos em Couro Ecológico”. Ao todo, 22 participantes tiveram a oportunidade de aprender técnicas de curtimento de couro e de confecção de artefatos utilizando couro de Gado da raça Curraleiro. 

O curso foi dividido em duas etapas: na primeira, os participantes trabalharam solas de couro já curtidas, uma vez que o curtimento do couro demanda um tempo maior do que o de duração do curso e aprenderam as técnicas de corte e montagem de cabrestos, rédeas, cabeçalhas de freio, bainhas e arreios. Ao todo foram confeccionados mais de 40 itens, que após o término das atividades foram distribuídos entre os alunos.



Já na segunda etapa os Kalungas aprenderam a lidar com o couro: como prepará-lo, como fazer a limpeza e quais os tipos de tratamentos e produtos naturais que podem ser utilizados para o curtimento, dependendo das condições do ambiente em que vivem. 

Segundo Roberto Rodon, funcionário da Embrapa Pantanal e instrutor do curso , a diferença do curtimento do couro ecológico para o industrial está no processo que não usa metais pesados, em especial o cromo, e sim substâncias alternativas como os taninos vegetais – encontrados em cascas de árvores, por exemplo. ” o couro curtido com vegetais, no caso especifico do curso com a casca de Angico, apresenta diversas vantagens : não agride o meio ambiente com poluentes químicos, não é preciso derrubar a árvore para extrair o tanino, os produtos utilizados não provocam reações alérgicas, o produto alcança maior brilho no acabamento final, além da matéria prima para o curtimento poder ser encontrada no próprio ambiente em que vivemos”, explica Roberto. 

Segundo o Pró-reitor de Desenvolvimento Institucional do IF Goiano Elias de Pádua Monteiro, o curso foi estruturado visando estimular a valorização do Gado Curraleiro pela comunidade local, a fim de gerar uma fonte adicional de renda, representada pelo processamento e transformação do couro dos bovinos, além de ser uma estratégia de conservação e de agregação de valor ao Gado Curraleiro. Sendo assim um instrumento de desenvolvimento da região como um todo: “ficamos muito satisfeitos com a participação e envolvimento da comunidade local durante a realização do curso. Percebemos que este era um tema de interesse deles. Durante as conversas muitos diziam que agora não precisariam mais comprar esses produtos, utilizados no dia-a-dia de trabalho de cada um deles e que ainda poderiam confeccionar para vender para outras pessoas, e assim garantir uma fonte extra de renda”, completou Elias. 

Para Sirilo dos Santos Rosa, presidente da Associação do Quilombo Kalunga, o curso ofereceu uma oportunidade de resgatar uma tradição que vem sendo esquecida no meio dos Kalungas “ Os nossos pais e avós criavam o gado Curraleiro aqui na região e aproveitavam não só a carne como o chifre e o couro e por meio de uma técnica de curtimento e confeccionavam seus laços, bruacas, montarias, etc. Isso estava se perdendo, os jovens já não sabiam mais como fazer. O curso resgatou esses saberes e nos trouxe outros que não conhecíamos” , conta Sirilo. 

O curso foi o último de uma série de três, destinados a viabilizar a produção familiar dos Kalungas como vetor do desenvolvimento local sustentável, pautada no reconhecimento e valorização da cultura local. Os dois primeiros cursos – Manejo Prático de Gado de Corte (40h) e Formação e Manejo de Pastagem (40h) – foram realizados no IF Goinao - Câmpus Ceres, em 2011. Nas três etapas , foram capacitadas 53 pessoas, das comunidades de Diadema, Engenho II, Prata, Vão do Moleque e Vão das Almas. Os cursos fazem parte do Projeto Reintrodução do Bovino Curraleiro e Desenvolvimento Local Sustentável em Área Remanescente de Quilombo. 

O Curso Produção de Artefatos e Couro Ecológico é fruto de uma parceria entre a UFG , o IF Goiano – Campus Ceres, a Embrapa Pantanal (Corumbá, MS), Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Sebrae, Associação Kalunga de Cavalcante e a Associação do Quilombo Kalunga. 

Gado Curraleiro

O gado conhecido como Curraleiro (Goiás e Tocantins) ou Pé-Duro (Piauí e Maranhão), é descendente do gado trazido pelos colonizadores portugueses no século XVI, que se adaptaram gradativamente a pastagens de baixa qualidade do Cerrado, à seca, ao calor e outros fatores adversos. 

Segundo a professora e pesquisadora da UFG, responsável pelo projeto” Reintrodução do Gado Curraleiro na Comunidade Quilombola Kalungade Cavalcante, Goiás, Brasil”, Maria Clorinda Soares Fioravanti, o projeto nasceu de um convite feito à Universidade pelo Ministério da Integração Nacional para o esboço de projeto onde o Gado Curraleiro se correlacionasse com os Kalungas. 

Desta parceria nasceu o projeto “Estabelecimento e Manutenção de Núcleos de Criação de Gado Curraleiro”, que permitiu a execução das atividades iniciais de estabelecimento do Núcleo de Criação de Gado Curraleiro no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga. A principal meta do projeto foi valorizar os modos de vida da comunidade Kalunga e contribuir para preservação do cerrado e conservação de um importante recurso genético brasileiro, a raça bovina local Curraleiro. 

“A reintrodução do Gado Curraleiro, originalmente criada por eles, com o Núcleo de Criação de Gado Curraleiro dos Kalungas tem entre seus objetivos difundir tecnologias especialmente definidas para a região, considerando as características próprias da comunidade. Espera-se com essas ações garantir a manutenção da tradição pecuária dos quilombolas, bem como a melhoria na disponibilidade de alimento e no aumento da renda familiar”, Explica Clorinda.

Na primeira etapa, em 2007, foram reintroduzidos 81 bovinos . Já na segunda, realizada em 2008, reintroduziu-se 73 Curraleiros, entre machos e fêmeas com bezerros. Ao todo 14 famílias receberam 7 cabeças de gado cada. Esses pequenos rebanhos também estão contemplados nas atividades de projetos da Rede Pro Centro Oeste "Caracterização, conservação e uso das raças bovinas locais brasileiras: Curraleiro e Pantaneiro", que reúne várias instituições de pesquisa nacionais e internacionais, alunos de pós- graduação, criadores e outros parceiros, num esforço para que esse patrimônio genético seja valorizado por suas qualidades e aplicado de forma sustentável em sistemas produtivos pecuários.

Kalungas

O povo Kalunga representa a continuação de uma comunidade formada por negros que resistiram à escravidão e por outros, alforriados, que organizaram quilombos na região da Chapada dos Veadeiros, no norte de Goiás, nos atuais municípios de Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Teresina de Goiás. Conta atualmente com uma população em torno de 5.000 pessoas, distribuídas em mais de 30 comunidades na zona rural . Atualmente pode-se dizer que os Kalungas são agricultores familiares, sendo a pecuária sua atividade econômica mais importante.

Fonte: MS Notícias