Dos livros para o cinema

Assistir à adaptação das obras do vestibular para o cinema não substitui a leitura, mas pode ajudar na compreensão delas

As listas de livros para o vestibular, principalmente para aqueles que ainda não descobriram o prazer da literatura, costumam ser encaradas como uma pedra no sapato já de antemão. Não é raro que algumas obras, em geral as clássicas, já tenham sido adaptadas para o cinema. Há alguns incautos e mais apressados que pensam em trocar a leitura do livro indicado para o vestibular pelo filme – o que é um erro .

Elementos básicos do enredo, ambientação e gênero, como comédia, drama ou terror, podem até continuar os mesmos, mas uma adaptação cinematográfica tem direito a liberdades que vão muito além da mera tradução de palavras em imagens em movimento. Mas é aí que pode estar uma ajuda para o candidato, no seu esforço de entender a obra (o que nunca, é sempre bom dizer, dispensa o esforço da leitura): a chance de contar com outra interpretação, além da sua própria, do professor ou do colega de sala, para que o livro amplie seu significado.

Algumas das obras literárias indicadas aos próximos vestibulares da UFG e da UEG já ganharam adaptação para a telona. O Triste Fim de Policarpo Quaresma (que consta da lista da UEG), de Lima Barreto, ganhou uma bela leitura em 2001 pelas mãos do diretor Paulo Thiago. Na adaptação, intitulada Policarpo Quaresma, Herói do Brasil, é mantido o tom de sátira sobre o patriota ingênuo que quer servir ao seu País, mas acaba se envolvendo numa série de confusões.

Paulo José dá vida ao protagonista, numa atuação brilhante e cativante, e a reconstituição de época, apesar de não se tratar de uma superprodução, é bastante cuidadosa. O roteiro, fiel à obra original em vários aspectos, não repete o dinamismo do criativo Lima Barreto, mas ganha em lirismo. O visionário sonhador que inicia uma luta no Congresso para tornar o tupi-guarani um idioma oficial, admirável cerne do romance, é o fio condutor do roteiro.

Com a adaptação em 1963 de Vidas Secas (também presente na lista da UEG), de Graciliano Ramos, o diretor carioca Nelson Pereira dos Santos promove a união do regionalismo dos escritores brasileiros da geração de 30 com o neorrealismo italiano do pós-guerra. Em cena, a trajetória de uma família de retirantes (Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia) que, pressionada pela seca, migra em busca de meios para sobreviver no sertão.

O longa-metragem é considerado uma obra-prima do cinema nacional e mundial, que deu forças aos nomes da geração seguinte, o cinema novo. Nelson Pereira conseguiu, ao mesmo tempo, tirar o essencial da obra grandiosa de Graciliano Ramos sem copiá-lo simplesmente, uma tentação. A genialidade do cineasta e sua equipe consiste, entre outros elementos, em interpretar a obra com uma série de ferramentas linguísticas próprias do cinema, bem distante do modelo hollywoodiano, mas com um sotaque singular.

Goiano

Único goiano da Academia Brasileira de Letras, Bernardo Élis, com seu regionalismo impregnado de técnicas narrativas modernas, já teve parte de sua obra adaptada para o cinema. O Tronco, livro de 1966, foi levado às telas numa grande produção, para os padrões nacionais, como um épico em 1998, um projeto dirigido pelo mineiro João Batista de Andrade. Do livro indicado para o vestibular neste ano, também pela UEG, Os Melhores Contos de Bernardo Élis, temos um dos textos levados para a telona, o trágico A Enxada, cuja adaptação foi batizada de Terra de Deus. Com Stepan Nercessian, Lucélia Santos e Marcos Fayad, o enredo gira em torno de um pobre lavrador que, endividado, não consegue uma enxada para plantar uma roça numa pequena porção de terra. Desesperado, pois a mulher e o filho estão doentes, o lavrador implora ajuda de personagens que representam vários segmentos da sociedade, como o padre, o coronel e o comerciante, entre outros.

Vários infortúnios e uma falta de sorte quase surreal denunciam a condição de penúria dos mais humildes da sociedade rural goiana. O filme de Iberê é comovente em vários momentos, como na cena em que a família divide a última porção de farinha com algumas mangas verdes. O diretor não situa muito rigorosamente o tempo cronológico de seu roteiro. A história, que originalmente permitia aproximações com os movimentos campesinos dos anos 50, na adaptação de Iberê ganha uma ligação direta com os movimentos dos sem-terra dos anos 80 e 90. O filme, de 2000, teve problemas de lançamento e o DVD é de difícil acesso.

Escrito no final do século 19, inspirado nas linhas retas e duras do determinismo e do naturalismo, O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, da lista da UFG, ainda é um dos títulos mais importantes de nossa literatura, por mais datado que possa parecer. O romance de 1890 reúne num mesmo ambiente, como já diz o título, um coletivo de personagens, de estudantes pobres a prostitutas, açougueiros e lavadeiras. O proprietário é um português ambicioso e avarento, que explora Bertoleza, uma escrava muita trabalhadeira e ingênua que se considera mulher do dono do cortiço. O mais novo morador é um trabalhador, também português, casado e com uma filha, que estuda num internato. Porém, a família branca é ameaçada pela presença sensual da bela mulata Rita Baiana.

O Cortiço ganhou duas versões. A primeira, de 1945, tem tons de comédia e foi dirigida por Luiz de Barros. De difícil acesso, esta primeira adaptação não explorava tanto a sensualidade e atentava-se mais ao burlesco do que às críticas sociais e morais do livro original. A segunda adaptação, de 1978, procura centralizar a trama em menos personagens, com destaque para a mulata Rita Baiana, papel da então estrela Betty Faria, e o jovem galã Mário Gomes.

Dirigido por Francisco Ramalho Jr., o longa-metragem tinha como foco a sexualidade quase animalesca apontada pelo autor do livro em seu objetivo de praticamente zoomorfizar os seres humanos, escravos do meio ambiente e dos instintos. Com esse viés, o diretor dá vazão ao cinema erótico brasileiro dos anos 70, um dos mais populares de nossa história – e parece bem menos preocupado em interpretar ou levar à discussão as teorias defendidas por Aluísio de Azevedo.

Adaptações

 

Livro: Os Melhores Contos de  Bernardo Élis(UEG)
Filme:Terra de Deus (adaptação deA Enxada), 2000, direção de Iberê Cavalcante
 
Livro: O Cortiço (1890), de Aluízio Azevedo (UFG)
Filmes: O Cortiço(1945), direção de Luiz de Barros, e O Cortiço (1978), de Francisco Ramalho
 
Livro: O Triste Fim de Policarpo Quaresma(1911), de Lima Barreto (UEG)
Filme: Policarpo Quaresma, O Herói do Brasil (1998), direção de Paulo Thiago
 
Livro: Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos (UEG)
Filme:Vidas Secas (1963), direção deNelson Pereira dos Santos

Fonte: O Popular