Propostas dos governos enfrentam falta de preparo do funcionalismo e inchaço da máquina pública
Caio Henrique Salgado 07 de julho de 2013 (domingo)
As medidas anunciadas pelos governos para tentar conter a insatisfação demonstrada pelos brasileiros nas manifestações iniciadas no mês passado não são suficientes para melhorar a qualidade dos serviços públicos. Em um contexto onde as administrações estão inchadas, com excesso de ministérios, secretarias e cargos comissionados, recursos são desperdiçados por falta de projetos e corrupção, especialistas apontam que a medida mais urgente seria um choque de gestão.
Diante de um histórico de desperdício de recursos, é unânime o ponto de vista de que, sem aumentar a eficiência na administração pública, as medidas dificilmente serão revertidas na melhora dos serviços.
Conforme O POPULAR mostrou nos últimos meses, a existência de recursos não necessariamente tem se revertido em novos projetos de mobilidade, escolas ou unidades de saúde, alvos dos principais anúncios feitos nos últimos dias (veja quadro).
Apesar a da promessa de mais R$ 50 bilhões para novos investimentos em mobilidade em todo o País, o Ministério das Cidades não conseguiu contratar, até agora, metade dos R$ 89 bilhões disponíveis, desde 2011, para obras voltadas para o setor.
As obras concluídas desde então somam apenas R$ 2 bilhões e outros R$ 3 bilhões foram liberados para pagar etapas de projetos que ainda não ficaram prontos.
A situação se repete no caso das outras áreas que podem ser contempladas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde o início da segunda etapa do programa, em 2010, já foi disponibilizado R$ 1,59 trilhão. Mesmo assim, em Goiás menos de um terço das prefeituras conseguiu emplacar projetos para a construção de escolas, quadras esportivas, creches ou Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Para a professora de administração pública da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Economia da Universidade Federal de Goiás (UFG) Estela Najberg, o grande problema é que os administradores públicos, em geral, não pensam na qualificação técnica de seus funcionários. “Os governantes perdem recursos, não conseguem captar porque não existe preparo. É preciso repensar a gestão pública, seus processos. Os funcionários muitas vezes não têm preparo. Estão ocupando os cargos por serem amigos”, diz a administradora, citando o excesso de cargos comissionados.
Segundo ela, a grande quantidade de servidores sem vínculos com as administrações é um dos pontos mais preocupantes para a eficiência dos serviços prestados e impedem que a administração pública funcione como deveria (leia reportagem nesta página).
População quer medidas concretas, diz analista
07 de julho de 2013 (domingo)
O cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília (UnB), defendeu, em entrevista ao POPULAR, que as medidas anunciadas com o objetivo de acalmar as manifestações não atende às necessidades de melhoria nos serviços públicos.
“Quem está se manifestando e indo às rua está esperando ações rápidas e não projetos. O serviço público é bastante sofrível e a população quer medidas concretas. É claro que não se pode resolver tudo de uma vez. Mas tem várias coisas que podem ser resolvidas rapidamente”, diz.
Para o cientistas, o governo federal poderia, no lugar de propor um plebiscito sobre a reforma política, negociar as mudanças com Congresso Nacional, que conduziria o processo sozinho, e focar em mudanças relativas à eficiência da gestão pública.
“Falta eficiência em todas as áreas e o governo federal deveria puxar as mudanças que devem ser feitas. Há um número muito grande de funcionários comissionados e que não trazem efetivamente uma melhoria de serviço para a sociedade. O governo ainda não se manifestou sobre como resolver essas questões, que são essenciais para a eficiência da gestão. O governo federal deveria dar o exemplo e diminuir esse inchaço”, criticou João Paulo Peixoto.
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Estado perde eficiência com comissionado
07 de julho de 2013 (domingo)
Professora de administração pública da Universidade Federal de Goiás (UFG), Estela Najberg defende que o número excessivo de comissionados nas administrações públicas impede que as gestões ganhem eficiência. “As pessoas que têm cargos efetivos hoje ficam estagnadas dentro da máquina enquanto os comissionados são hoje os melhores remunerados. O problema é que eles saem com o gestor (mandatário) e não contribuem com o conhecimento. Não fica nada com o Estado”, diz.
A administradora aponta que, diante do contexto atual, a solução seria uma redistribuição de atribuições para o melhor aproveitamento dos servidores efetivos, que viria acompanhada de melhorias nos planos de carreira. “A melhor solução não é fazer concursos públicos e sim capacitar, motivar os servidores que já estão na administração. Alguns órgãos estão inchados e outros têm carência de pessoal. O gestor deve ficar atento a isso”, afirma. “É preciso que servidores e gestores se voltem mais para a própria justificativa da existência do serviço público. O servidor esquece que ele está ali para atender à sociedade”, complementa.
Andando ao lado do excesso de ministérios no governo federal ou secretarias na gestão estadual e nas prefeituras, a situação se repete nos outros Estados (leia nesta página).
Presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon) em Goiás, Álen Rodrigues concorda e diz que a questão é resolvida com planejamento, baseado nos princípios da eficiência e economicidade. “Os gastos precisam ser feitos da melhor forma possível, mas o que vemos hoje é uma gastança desgovernada. As gestões públicas estão muito aquém do que poderia ser feito quando falamos de planejamento. Se gasta sem controle, sem zelo”, diz.
De acordo com o economista, o inchaço da máquina pública “faz com que recursos sejam retirados de áreas de interesse para que seja feito o pagamento das folhas de pessoal”. “Esses gastos com funcionalismo precisam ser vigiados”, finaliza.
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Estados mantêm alto número de secretarias
(Agência O Globo) 07 de julho de 2013 (domingo)
(Foto: Lindomar Cruz/ABr
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“Falta eficiência em todas as áreas e o governo federal deveria puxar as mudanças que devem ser feitas. Há um número muito grande de comissionados e que não trazem efetivamente uma melhoria de serviço para a sociedade. O governo ainda não se manifestou sobre como resolver essas questões.” João paulo Peixoto Cientista Político (UnB)
São Paulo – O inchaço da máquina pública, evidenciado no governo federal pelo aumento no número de servidores e pelo excesso de ministérios, é prática recorrente também nas administrações estaduais. Levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que alguns governos de Estado também mantêm elevado número de secretarias, muitas com funções quase idênticas, para abrigar aliados. Além disso, dados de 22 unidades da Federação revelam que as despesas com pessoal avançam em ritmo mais acelerado do que a arrecadação, reduzindo a cada ano o fôlego para investimentos.
No levantamento do número de secretarias, o Distrito Federal é o recordista – são 36 pastas, só três a menos que as do governo federal (39). Onze secretarias foram criadas na atual gestão do governador Agnelo Queiroz (PT). Em seguida aparecem Maranhão, Paraná e Goiás, com 33, 29 e 28 pastas, respectivamente. No organograma dos governos, ainda foram encontradas secretarias de Estado com funções muito parecidas. No Maranhão, por exemplo, duas secretarias – Assuntos Políticos e Articulação Institucional – têm exatamente a mesma função, conforme descrito no site do governo: “fortalecer as relações institucionais entre os poderes nas esferas estadual, federal e municipal”. O governo maranhense informou que a informação no portal da gestão está equivocada e que a função da segunda pasta é ser “elo do governo com a sociedade civil”. No Estado, o cerimonial da governadora Roseana Sarney (PMDB) tem status de secretaria extraordinária.
No Paraná, há, além da Casa Civil e da Secretaria de Governo, a Secretaria da Chefia de Gabinete do Governador – Beto Richa (PSDB) –, única no país. O governo paranaense informou que a pasta já existia quando a atual gestão assumiu e que não tem orçamento.
O POPULAR mostrou na semana passada que a estrutura do Estado de Goiás, ao contrário dos anseios populares e dos anúncios do governador Marconi Perillo, estava aumentando, com a criação de mais uma secretaria, a de Justiça.
O Globo comparou também o número de funcionários públicos por habitante nos Estados com base numa pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). DF, Acre, Amapá, Roraima e Tocantins têm as maiores taxas (de 4,2 a 3,3 funcionários para cada cem habitantes). Entre as capitais, Goiânia é a que mais emprega servidores públicos por habitantes, com índice de 3,25%. Dos cinco Estados com maior proporção de servidores do país, todos, exceto o DF, estão no grupo dos dez Estados com piores índices de desenvolvimento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que analisa áreas como saúde, educação e renda.